Quinta da Boavista: um vinho no Douro, com alma alentejana
Alicante Bouschet é a casta francesa de que ninguém gosta – a não ser os portugueses. E se o seu terroir de eleição tem sido o Alentejo, desta vez teve direito a um puro Douro. Uma surpresa dentro de uma gama onde Vinha do Ujo e do Oratório continuam a dar que falar.

Os muros da Vinha do Oratório impõem-se pela altura, chegando a atingir 8 metros. São imponentes – o que talvez justifique a ligação ao divino no nome – e foram construídos pouco depois do combate à filoxera. As vinhas que ainda lá estão datam também dessa altura.
São memórias de um Douro antigo que nos trazem 56 castas diferentes numa só vinha. Só não se pense – nem sequer por influência do nome – que foram plantadas numa lógica de "tudo ao molho e fé em Deus", porque nada foi feito ao acaso. Cada casta tem o seu lugar e cada patamar a sua casta dominante, escolhida consoante o terreno ser mais ou menos fértil, a exposição solar, a ventilação ou a proximidade à humidade do rio.
Cinquenta e seis castas garantem uma diversidade incrível, mas é curioso perceber como o pódio das mais plantadas parece decalcado da atualidade: Touriga Francesa à cabeça, seguida da Nacional e da Tinta Roriz. Talvez seja por este ADN que os vinhos do Oratório têm um carácter que identificamos tão naturalmente com o Douro – com cor e corpo, pujança e complexidade.

Os microterroirs da Boavista
A menos de 500 metros, em linha reta, encontramos outro dos ex-libris da Boavista: a Vinha do Ujo. Tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe − começando desde logo pela aparência: o Oratório impressiona com os seus terraços altíssimos; o Ujo, com os socalcos ainda pré-filoxéricos, preservados até hoje.
No Ujo, as vinhas estão mais altas e mais viradas a norte, com menor exposição solar, o que dá origem a vinhos de maior frescura. Ambas as vinhas foram plantadas sensivelmente na mesma altura, provando como o Douro nunca foi monocórdico.
São dois vinhos de enorme elegância, mas o Oratório é mais denso, com fruta preta e muito sedoso. O Ujo consegue ser mais subtil, com notas de frutos do bosque – menos pujante, mas mais gracioso.
Na vinha do Ujo temos "apenas" 28 variedades, com a Touriga Francesa à cabeça, seguida da Rufete e da Tinta Amarela, em vez da trilogia clássica do Oratório. Em ambas, encontram-se ainda castas de nome curioso, praticamente esquecidas, como a Tinta de Lisboa, o Moscatel de Jesus ou o Alicante Espanhol… vantagens de manter um acervo ampelográfico com tanta história e diversidade.

Ambos os vinhos estagiam em barricas de carvalho francês, novas e usadas, por um período entre 16 e 18 meses. No final, escolhem apenas as melhores para engarrafar como Oratório e Ujo – sensivelmente 2 mil garrafas de cada.
Um Douro com alma de alentejano
Não é apenas por ter sido casa do Barão de Forrester (o do mapa) que a Quinta da Boavista tem tanto peso na história do Douro vinhateiro. Os seus quase 36 hectares de vinha – em 80 de quinta – são emblemáticos e fazem parte do grupo Sogevinus desde 2020, que a juntou às marcas Kopke, Calém, Barros, Burmester e Quinta de São Luiz.
Atualmente, a intenção do grupo é lançar dois monovarietais por colheita, na Boavista. A saga começou o ano passado, com as colheitas de 2020 de Touriga Francesa e Touriga Nacional, e a ideia era lançar agora as colheitas de 2021 de Donzelinho Tinto e de Alicante Bouschet, mas a natureza baralhou os planos e o Donzelinho acabou por estar "pronto" antes do previsto, tendo sido lançado ainda no ano passado.
As honras do ano ficaram assim exclusivamente a cargo do Alicante Bouschet – o que chamou ainda mais a atenção para este duriense surpreendente, com alma de alentejano.

Dos Bouschet para o mundo
A Alicante Bouschet resulta do cruzamento de Petit Bouschet e Grenache, feito por Henry Bouschet no final do século XIX, na região do Languedoc, em França. O Petit Bouschet era já um cruzamento, feito pelo pai de Henry, Louis, mas o Petit nunca teve o sucesso do Alicante, que se expandiu consideravelmente por todo o mundo entre finais do século XIX e inícios do XX – o que justifica a sua presença nas vinhas velhas do Douro.
Contudo, foi no Alentejo que atingiu a sua máxima expressão e presença marcante nos melhores tintos da região, desde o velho Mouchão ao mais recente Enxarrama. Incluindo grandes monovarietais (como o de Júlio Bastos), algo que não é comum, nem sequer em França, porque é sobretudo uma casta de lotes. A sua presença, no entanto, em frança e no resto do mundo, é hoje um décimo daquilo que foi no século passado. É por isso surpreendente que a Boavista a tenha escolhido para um dos seus primeiros monocastas – ou talvez não, porque 2021 parece ter sido um excelente ano para a casta no Douro, onde também deu origem a outro monovarietal na Quinta do Vallado.

Na Boavista, o enólogo Ricardo Macedo estava bastante confiante nestas uvas, plantadas com orientação nordeste, ou seja, "de costas para poente, e, portanto, protegidas dos raios de sol do fim da tarde" – o que permite uma maturação mais equilibrada. "O mercado quer mais acidez, e o AB tem muita acidez", continua. Além de aguentar bem o calor. O difícil foi "encontrar a janela certa de maturação".
Fermentou depois em inox e estagiou 100% em madeira (barricas de 225 litros, novas e usadas – mais usadas do que novas) durante cerca de 15 meses. "A acidez comeu a madeira", revelou, comentando a sua pouca evidência no vinho. Passou mais dois anos em garrafa, o que ajudou a domar os taninos (que são fortes nesta casta), e revelou-se um vinho com muita estrutura, vibrante, e com um toque vegetal que adiciona (ou revela?) elegância e frescura.

A frescura que nasce a Levante
Estamos já na terceira edição do primeiro branco da Boavista – que, à semelhança de tantas outras quintas do Douro, não tinha castas brancas até terem plantado a Vinha do Levante em 2007. Aproveitaram a parte mais alta da quinta, numa zona virada a nascente, mais protegida do sol – o que ajuda a potenciar a acidez.
Plantaram sobretudo Viosinho e Arinto, duas castas reconhecidas precisamente pela acidez, e desde o início mantiveram as mesmas proporções nos vinhos: 30% de Viosinho, 70% de Arinto. Estagiam ambas em madeira, maioritariamente austríaca, em barricas "Cigare", de formato mais alongado, o que lhes dá "maior boca", nas palavras de Ricardo Macedo.
É certamente um vinho redondo, com notas de fruta amarela. Cremoso, mas não em demasia – porque muito bem temperado por um toque refrescante. É um branco complexo, de enorme prazer.

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