Prazeres / Sabores

Honra e Legado. Dois vinhos em nome do pai

A Sogrape lançou recentemente dois vinhos que prestam homenagem a Fernando Guedes, pai da geração atualmente à frente da empresa. O Honra, um grande branco dos Vinhos Verdes, e o Legado, que já ninguém dúvida estar entre os melhores do Douro.

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Ontem às 13:26 | Bruno Lobo

O Honra branco 2022 é a mais recente criação da Quinta de Azevedo. Um blend especial de Alvarinho (70%) e Loureiro (30%), lançado apenas em anos excecionais – e 2022 foi o ano de estreia. Junta, com equilíbrio notável, a frescura intensa do Loureiro à fruta e ao corpo do Alvarinho. Complexo, persistente, elegante e sedutor, coloca a Quinta entre os grandes do Minho. Uma "honra" que Fernando Guedes, figura maior do vinho português no último século, seguramente merecia – e provavelmente esperava. 

Quinta de Azevedo Honra 2022. Branco da região dos Vinhos Verdes. Excelente para acompanhar peixes gordos e carnes grelhadas. Blend de 70% Alvarinho e 30% Loureiro. Enologia: Diogo Sepúlveda. Produção: 3350 garrafas. Preço: 60 euros
Quinta de Azevedo Honra 2022. Branco da região dos Vinhos Verdes. Excelente para acompanhar peixes gordos e carnes grelhadas. Blend de 70% Alvarinho e 30% Loureiro. Enologia: Diogo Sepúlveda. Produção: 3350 garrafas. Preço: 60 euros Foto: DR

Estagiou 16 meses em carvalho francês: oito em barricas de 500L e oito em tonéis de 1200L. O lote final foi feito entre os dois estágios e engarrafado a 4 de abril de 2024, seguindo-se novo estágio em garrafa, que já leva 16 meses – e continua a contar.

Quando a família Guedes, reunida na Quinta da Aveleda, decidiu "seguir caminhos separados", o ramo que ficou de fora – ou seja, os Guedes da Sogrape − perdeu a ligação ao Minho. "O meu pai nasceu e cresceu na Quinta da Aveleda, e esse corte foi sempre uma mágoa para ele", recorda o atual CEO da Sogrape, também ele Fernando Guedes. 

Os irmãos Manuel e Fernando (em cima) Guedes, e os primos Fernando e Mafalda. A 3ª e 4ª geração da familia à frente dos destinos da Sogrape
Os irmãos Manuel e Fernando (em cima) Guedes, e os primos Fernando e Mafalda. A 3ª e 4ª geração da familia à frente dos destinos da Sogrape Foto: DR

Mais do que uma casa, faltava à família um projeto vitivinícola que desse continuidade à sua história nos Vinhos Verdes. Em 1982, essa lacuna começou a ser preenchida com a compra de um solar imponente, ainda que em estado de abandono. Pertencera durante 30 gerações ininterruptas aos Azevedo, família anterior à fundação do Reino de Portugal. A importância era tal que as suas propriedades beneficiavam do estatuto de "honra" – com o direito de cobrar impostos e isenção de os pagar à coroa, criação de exército próprio ou administração da justiça. Séculos mais tarde esse estatuto serviria ainda como um belíssimo nome para dar a um vinho.

O primeiro passo do patriarca da Sogrape foi replantar mais de 30 hectares de vinha, que hoje estão na maturidade ideal. Loureiro e Alvarinho são as castas dominantes, explicando a atual gama da casa: um blend de entrada de gama com ambas, dois monocastas e o Torre, que funciona como a versão-base do Honra, recebendo essa distinção apenas e só nos anos em que a qualidade o justifica.

Uma questão de levedura

Curiosidade: nos anos 1980, a Quinta esteve envolvida no desenvolvimento de uma levedura própria em parceria com a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e a Proenol. As Leveduras desempenham um papel essencial na fermentação e esta em particular, QA23 de seu nome, teve tanto sucesso que se tornou numa das cinco mais utilizadas em todo o mundo. Especialmente recomendada para vinhos brancos.

A recuperação do solar

Fernando Guedes fala com orgulho da recuperação do solar, do estado de pré-ruína em que o encontraram até à classificação como monumento de interesse público. Foi um trabalho minucioso, mas gigante, recorda. "90% das peças são portuguesas da época, compradas por todo o mundo, recuperadas e restauradas. Numa vida marcada pela sobriedade, a recuperação do solar, da torre, do jardim e vinha, terá sido o maior ou talvez único luxo a que o meu pai se permitiu", confessa.

O outro Legado no Douro

Este Legado já nasceu como uma homenagem. A primeira colheita, em 2008, foi feita ainda por Fernando Guedes como tributo ao saber recebido do pai. Hoje, é a família que o homenageia a ele, e aos valores por ele transmitidos. "O vinho ensinou-me que o tempo não se mede apenas em colheitas, mas em emoções e memórias que perduram", diz emocionado o filho Fernando. "O Legado é o sonho vivo do meu pai, um testemunho de quem somos. Uma das suas frases prediletas era: ‘O nosso trabalho é manter – e se possível melhorar – o legado que nos foi confiado."

Esse sentido de continuidade estende-se à vinha onde nasce o vinho. Plantada em 1910 na Quinta do Caêdo, nas encostas de Ervedosa do Douro, abrindo-se ao rio num anfiteatro natural imponente. Foi uma vinha salva nos anos 1980 pelo patriarca da família, numa altura em que estava moda na arrancar vinhas velhas para dar lugar a plantações mais "científicas" e produtivas. 

Legado 2020. 2020 foi um ano desafiante, permitindo fazer pouco mais de 2000 garrafas (uma vinha nova daria cinco vezes mais). Complexo e cheio de carácter, pode ser um vinho de meditação e brilha à mesa, sobretudo a acompanhar carnes, caça e queijos. Preço: 300 euros
Legado 2020. 2020 foi um ano desafiante, permitindo fazer pouco mais de 2000 garrafas (uma vinha nova daria cinco vezes mais). Complexo e cheio de carácter, pode ser um vinho de meditação e brilha à mesa, sobretudo a acompanhar carnes, caça e queijos. Preço: 300 euros Foto: DR

Da uva à garrafa

"Com o Legado não temos de inventar", declara o enólogo Luís Sottomayor, também responsável por vinhos como o Barca Velha. "Só temos de pegar no que a vinha nos dá e meter dentro da garrafa."

Algo mais fácil de dizer do que de fazer, porque proteger esta vinha e fazer este vinho, na realidade, dá muito trabalho. Todos os anos, muros pré-filoxéricos desabam e precisam de ser reconstruídos à mão. Cerca de 200 a 250 videiras morrem e têm de ser replantadas com clones genéticos do mesmo local para eternizar o carácter da vinha. Outras adoecem e são cuidadas individualmente. É necessário semear, estimular (e no final arrancar) cobertos vegetais como trevo ou tremoço, que alimentam a vinha e previnem infestantes, tudo feito à mão ou com a ajuda de cavalos. Máquinas não entram nesta vinha.

Em sete hectares e meio convivem quase 30 castas, todas misturadas, e com diferentes exposições solares. Essas diferenças impedem que se alcance algum equilíbrio de maturação, e obrigam a que, na vindima, sejam feitas duas ou três passagens para tentar colher as uvas no seu ponto ideal. Cada uma dessas vindimas segue depois para um tonel, onde estagia por 24 meses. Desde há alguns anos que já não usam barricas, mas sim tonéis de 1200 litros de carvalho austríaco e francês − madeira nova, mas de grande volume. A opção pelas duas madeiras, explica o enólogo, deve-se a "subtis diferenças na forma como marcam o vinho" e que pode explorar na criação do lote final. Realizado o blend, o vinho regressa aos mesmos tonéis por mais seis meses, totalizando 30 meses de estágio.

"Alguns pés dão um cacho, não mais, mas com uma acidez e harmonia que só uma vinha velha oferece. Só daqui a 100 anos uma nova poderá fazer o mesmo", brinca Sottomayor.

O enólogo destaca "a frescura" como principal traço do Legado, embora no nariz sobressaiam sobretudo notas quentes, como esteva e fruta madura. É na boca que o registo se altera, com uma acidez bem vincada e taninos de muita qualidade a imporem-se e a frescura a sobressair. Mais do que em colheitas anteriores. Um Legado extraordinário.

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