Prazeres / Sabores

“Mancheguinha”. Chef espanhol com estrela Michelin apresenta versão inusitada da francesinha

Dar o Porto a provar ao mundo é o grande objectivo do Global Kitchen que, na sua segunda edição, convidou chefs nacionais e internacionais a reinterpretar os pratos mais emblemáticos da cidade.

Foto: DR
12:22 | Patrícia Santos

Cerca de 70 anos após a sua criação, no restaurante A Regaleira, a francesinha é, inquestionavelmente, a sanduíche mais famosa da cidade. Não surpreende, portanto, que junto com as tripas à moda do Porto e o arroz de polvo, seja protagonista da segunda edição do Global Kitchen, cujo objetivo principal é promover as receitas tradicionais da Invicta.

Depois de um fim de semana dedicado às tripas, durante o qual o chef italiano Diego Rossi reinterpretou a iguaria e partilhou a sua visão sobre o papel da criatividade e da inovação no combate ao desperdício alimentar, foi a vez de Miguel Carretero Sánchez, um dos grandes nomes da nova cozinha espanhola, apresentar a sua versão da sandes conhecida por combinar pão, carnes, enchidos, queijo derretido e um molho feito com tomate e cerveja. O momento, que teve a Escola de Hotelaria e Turismo do Porto como palco, contou ainda com a presença de Rui Paula, que conquistou já duas estrelas Michelin com a sua Casa de Chá da Boa Nova. Juntos, conversaram com o público sobre as raízes e os desafios de reinventar um prato tão icónico. 

A Casa de Chá da Boa Nova foi distinguida com duas estrelas Michelin.
A Casa de Chá da Boa Nova foi distinguida com duas estrelas Michelin. Foto: DR

Na véspera do showcooking, o cozinheiro, que revelou à Must conhecer e apreciar a gastronomia nacional desde muito novo, teve direito a um jantar de boas-vindas no Francesinha Café, onde experimentou a receita clássica. "Não foi a primeira vez que comi francesinha, mas foi a que mais gostei. Estava muito bem feita", comentou. 

A francesinha do Francesinha Café.
A francesinha do Francesinha Café. Foto: DR

Sendo as carnes de caça e o fine dining o principal foco do seu trabalho no restaurante Santerra, em Madrid, Miguel Carretero Sánchez usou-os como premissa para preparar o que chamou de "mancheguinha", não fosse ele natural de Pedro Muñoz, um município espanhol na província de Ciudad Real, na comunidade autónoma de Castela-Mancha. "Recriar algo tão popular e tradicional é sempre complicado, porque se é verdade que queremos e precisamos apresentar alguma coisa diferente, também o é que não podemos perder de vista a sua alma e história", começa por explicar. "Neste caso, achamos interessante imaginar como seria a francesinha se a tivéssemos inventado. Usamos, por isso, várias carnes de caça, da corça ao javali e à perdiz. Depois, fizemos um molho de coelho com tomate que colocamos no centro do prato, já que é um dos ingredientes indispensáveis. Ou seja, tentamos construir uma versão mais leve sem abdicar do sabor", acrescentou.

Enquanto a "mancheguinha" ganhava forma, Rui Paula, que observava o processo com atenção, parecia cético. 

O chef Rui Paula.
O chef Rui Paula. Foto: DR

"Para recriar algo, sobretudo receitas bem vincadas, como é o caso, tem que se ter um certo cuidado. Ele foi ousado. Estava com algum receio, sinceramente. Mas depois vi que o chef privilegia a memória e que pegou bem no tema da caça, ao ir buscar a gordura à panceta de javali, por exemplo. Também fez alusão ao pão e o molho de coelho com tomate, cebola e especiarias ficou uma maravilha. Muito caseiro, embora com técnica",  esclareceu aquela que é uma das figuras mais reconhecidas da gastronomia portuguesa contemporânea. O resultado foi um prato que evoca a sua versão original, "como tem de ser. As receitas tradicionais precisam de evocar o que eram ou são um flop. Pode ser a criação mais fora da caixa, mas tem de ter elementos que evoquem alguma coisa para ser bem conseguida", concluiu.

Apesar de ser um defensor da importância da imaginação na cozinha, Rui Paula acredita que iguarias como a feijoada transmontana, o bacalhau com broa e o polvo à lagareiro, por exemplo, dificilmente podem ser reinventadas, devido aos  sabores e texturas insubstituíveis que possuem.

Este foi o segundo de três momentos da edição de 2025 do Global Kitchen, uma iniciativa promovida pela Câmara Municipal do Porto. Segundo Catarina Santos Cunha, vereadora do pelouro do turismo e internacionalização, a atividade "é um exemplo concreto do compromisso assumido para posicionar o Porto como um destino gastronómico de referência, dentro e fora de portas". Esta faz parte de uma "estratégia mais ampla", "que envolve investimento continuado na valorização da nossa identidade culinária e na promoção de experiências que reforcem a atratividade da cidade no panorama nacional e internacional".

Nas vésperas do São João, a 21 e 22 de junho, o arroz de polvo serviu de pretexto a Pedro Lemos, do restaurante homónimo, e Janaína Torres, proprietária d’A Casa do Porco, em São Paulo, para uma ação que refletiu sobre a gastronomia enquanto instrumento de inclusão, identidade e transformação social.

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