Prazeres / Lugares

Roteiro em Marselha, a cidade com mais hype do momento

A mais africana das urbes europeias, Marselha não faz parte dos habituais circuitos turísticos. Crioula, pirata, mas também francesa, cosmopolita e azul, fica-se com vontade de voltar para repetir tudo de novo.

Foto: Reuters
08 de fevereiro de 2024 | Maria João Veloso

Clássica e moderna

O velho e o novo andam de braço dado em Marselha. No Vieux Port, por exemplo, fica o MuCem – Museu das Civilizações Europeias e Mediterrânicas. Entre os azuis do céu e do mar, a obra do arquiteto argelino Rudy Riccioti abriu as portas em 2013, quando a cidade foi capital da cultura. Enrodilhado, como a própria cultura, o edifício vale só por si, embora as suas exposições nos façam refletir sobre o lugar da cultura ocidental no mundo. No vizinho Fort de St. Jean, cujas abóbadas remontam ao século XII, será surpreendido por uma obra do português Vhils, reminiscência do Festival Iminente que passou pela cidade em 2022.

MuCem – Museu das Civilizações Europeias e Mediterrânicas.
MuCem – Museu das Civilizações Europeias e Mediterrânicas. Foto: Getty Images

Do outro lado do MuCem, a viagem prossegue nas profundezas da terra. Ainda que se trate de uma réplica, a expedição à Grotte Cosquer (Caverna) entusiasma quem conserva a capacidade de se deslumbrar. O mergulho na pré-história acontece numa reprodução fidedigna da gruta descoberta por Henri Cosquer em 1985. Uma viagem no tempo onde se podem ver desenhos rupestres de focas, medusas, cavalos e também marcas de mãos do tempo do homo sapiens. A verdadeira gruta está quase submersa por causa da subida do nível das águas do mar, como conta o documentário que se pode ver no fim da visita e que alerta para o aquecimento global.

Grotte Cosquer
Grotte Cosquer Foto: @GrotteCosquer

De volta à superfície é imperativo perder-se no Panier, o mais antigo bairro de Marselha. Um museu ao ar livre onde a arte de rua vive a paredes meias com lojas de autor e artesanato, comércio local e restaurantes. Personagens como Corto Maltese e demais motivos marinhos cobrem as paredes das ruas estreitas com portadas coloridas e vasos à janela. Grafitters internacionais como Os Gémeos já se expressaram ali. Mas o bairro também é tradição e "o" local ideal para comer umas ostras, entre outros mariscos fresquíssimos. A receita da maionese supomo-la antiga, porque não é seguramente de compra, independentemente do tasco. Ainda no bairro fica La Vielle Charité, outrora asilo dos pobres, hoje centro cultural com um museu de arte contemporânea e outro de arqueologia. Construído no seculo XVII, o edifício é um exemplar da arte barroca.

Apesar desta pulsação acelerada, Marselha já não é nova. Fundada por marinheiros gregos no tempo das calendas (600 A.C.), é a cidade mais antiga do território francês. Com um pé nas águas do mediterrâneo, o Vieux Port (Velho porto) começou por ser um importante entreposto comercial. Desde 1480 que Marselha faz parte do território francês, mas a fama de pirata ninguém lha tira.

Elle est française, elle est créole …

Dona de uma gastronomia variada, caiu no goto do chef Anthony Bourdain, que exatamente por estas razões confessou que este seria o seu "tipo de cidade". Para a ver de forma ampla (360º) deve subir-se à Notre Dame de La Garde. Os locais chamam-na de "Bonne Mère" e a devoção à virgem dourada data do século XIII. Ao longo dos séculos foram ali feitas sucessivas capelas, mas em meados do século XIX foi erigida uma basílica para corresponder à grande afluência do culto.

Notre Dame de La Garde
Notre Dame de La Garde Foto: Reuters

Seja crente ou não, é obrigatória a peregrinação ao monte de la Garde. Se os audazes o farão a pé, os práticos podem apanhar o autocarro nº 60 que sai do MuCem. Depois desta viagem, a aparição da virgem não nos largará mais, já que é possível ver a igreja neobizantina de inúmeros pontos da cidade. A descer os santos ajudam, e a praça Castellane recebe todas as manhãs o Marché du Prado, um dos mais simbólicos da cidade. Com tiques burgueses, a Rue de Rome tem restaurantes de latitudes exóticas e lojas com roupa fora da caixa. Não muito longe dali fica a Canebière, a artéria principal da cidade. Com mais de um quilómetro de comprimento é paragem inevitável para consumistas, já que ali desfilam as lojas de marca que se encontram em qualquer parte do mundo. Esta avenida vai da igreja dos Reformés até ao porto velho. Mas se a seguir no sentido inverso ao porto vai dar ao Cours Juliens. Povoado por artistas da contracultura, este é um lugar avantgarde com esplanadas cheias, miúdos a andar de skate e uma movida imparável 24 horas por dia. É "o" bairro hipster e já foi considerado um dos locais mais cool do mundo. A arte de rua ali é quase uma religião e apetece pegar numa lata e deixar a marca. Na praça principal encontram-se lugares peculiares como o La Baleine, cinema e bistrot onde se pode assistir a filmes de autor e cozinha a condizer. Tudo regado com vinhos naturais. Às quintas e domingos o Marché Paysan apresenta géneros alimentares - é possível provar os produtos na hora, e até fazer um piquenique.

La Baleine
La Baleine Foto: @LaBaleine

No traço do arquiteto

Outra referência da cidade é o Palácio Longchamp. Construído no seculo XIX para celebrar a chegada da água canalizada à cidade de Marselha, este monumento acolhe os Museus de História Natural e Belas Artes. Além de nos confrontarmos com uma arquitetura que vai muito além da escala humana, os jardins são uma espécie de oásis no meio do bulício da metrópole. Os amantes de arquitetura modernista não quererão perder La Cité Radieuse, de Le Corbusier. Construído entre 1947 e 1952, este complexo habitacional foi classificado como Património Mundial da Unesco. Com entrada gratuita, os terceiro e quarto pisos do edifício podem ser percorridos. Além de galerias de arte e livrarias, é possível pernoitar no Hotel sediado no edifício. A visita guiada também é viável mediante marcação num posto de turismo.

Palácio Longchamp
Palácio Longchamp Foto: Getty Images

De regresso ao porto, destaque para a obra de Norman Foster que responde pelo nome de Port Vieux Pavilion. Ao longe parece um espelho suspenso no ar, mas este painel de aço inoxidável mostra quem passa, assim como a panorâmica à volta.

Sem tirar os olhos do mar é obrigatório percorrer a pé a corniche (marginal) Kennedy à procura de pontos de referência no horizonte, sejam eles barcos ou a ilha Château d’If, que foi palco do romance de Alexandre Dumas O Conde de Monte Cristo. A caminhada de cerca de dois quilómetros a partir do porto vale a pena. A viagem no tempo acontece na antiga vila piscatória Vallou des Auffes. Ideal para ver o por do sol, petiscar ou comer a verdadeira pizza marselhesa. Os barcos provençais são altamente instagramáveis.

La grande mère

Com 111 bairros e um friso diverso de nacionalidades, Marselha é múltipla e não começa nem acaba neste artigo. O dia pode começar com um pequeno-almoço francês e acabar num tasco tunisino, palestiniano ou sírio. A variedade de sabores, especiarias e o cheiro a alfazema do sabão artesanal fazem desta cidade portuária um mundo de possibilidades para quem chega e um monte de memórias para quem sai. Viajar nesta torre de babel torna-nos mais tolerantes à diferença – afinal, somos todos diferentes, todos iguais.            

Caixas

La savonnerie Marsellaise

Sobejamente conhecido, o sabão de Marselha está representado a cada esquina da cidade, mas esta casa centenária, de portas abertas desde 1906, talvez tenha a receita mais apurada.

Avenue de La Canebière, 47. Marselha 

https://savonnerie-marseillaise.com/fr

La Friche de la Belle de Mai

Com vibração industrial própria de uma antiga fábrica de tabaco, este lugar é multifacetado e recebe todas as formas artísticas que se podem imaginar. Tem exposições, cinema ao ar livre e movida noturna. Se gosta de lugares pós fabris revitalizados esta é a sua praia.

www.lafriche.org

Sur Le Pouce

Pierre Stéphen, nascido e criado em Marselha, assegura que ali se come o melhor couscous da cidade. Bom e barato, já que uma dose generosa fica ao preço do Menu de uma marca de hamburgers universal. Não aceita marcações - almoçar lá é toda uma experiência. 

Rue des Convalescents, 2. +33 491 651 328 

Café Simon

Uma brasserie à francesa com pratos caseiros e esplanada para fumadores ou prevaricadores.               

www.instagram.com/cafesimonmarseille

Hotel Le Corbusier

Não é todos os dias que se pode dormir num hotel que fica num monumento classificado como Património Mundial da Unesco. Desenhado pelo arquiteto franco-suíço que dá nome ao hotel, La Cité Radieuse é um edifício modernista com linhas incríveis por dentro e por fora.     

www.hotellecorbusier.com

Maison Empereur

De portas abertas desde 1827, nesta loja encontra-se tudo o que se precisa e não precisa para fazer da casa um lar. Uma loja de ferragens que é uma verdadeira obra de arte, onde está tudo disposto de maneira criativa. Para uma experiência imersiva é tentar dormir no apartamento que fica por cima da loja.

https://empereur.fr

www.hotels-insolites.com/maison-empereur.hotel

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