Dá Licença, o monte no Alentejo para descansar e contemplar
Vítor Borges e Franck Laigneau criaram um refúgio que optaram por partilhar. Uma paisagem de 380 graus a perder de vista no cimo de um monte alentejano. Com arte.
Há hotéis que são apenas hotéis e continuam a ter o seu papel. Outros ultrapassam o conceito e tornam-se em espaços originais, particularmente distintos ou até disruptivos. O filósofo, cientista, arquiteto e artista austríaco Rudolf Joseph Lorenz Steiner sugeria um percurso que permitia ao intelecto humano compreender o mundo espiritual. Chamou-lhe Antroposofia e, além de sugerir caminhos em áreas como a medicina, biologia e educação, criou a agricultura biodinâmica e desenhou edifícios e peças de mobiliário escultural que aproximam homem, Natureza e espiritualidade.
A "sala cubismo" no hotel Dá Licença é um exemplo desse movimento que, a par da "sala vernacular" onde se percebe o Jugendstil – um estilo semelhante à art nouveau desenvolvido pela Alemanha, Suíça e países escandinavos –, e de um lagar de 1904 transformado em galeria de arte, faz parte de um universo criado por Vítor Borges e Franck Laigneau. Um hotel com apenas nove alojamentos pensados para usufruir da serenidade de um monte alentejano a dois passos de Estremoz. A Natureza, a Arte e o diálogo entre as duas são a base do projeto do antigo diretor da Hermès e do galerista parisiense.
Vítor Borges nunca abandonou a formação de Belas Artes que concluiu em Lisboa. O posto de diretor da empresa Bic em Barcelona em 1994 foi só o arranque de uma carreira que o levou a Londres, Milão, Atenas e Paris. Primeiro em Itália como diretor criativo de moda numa empresa onde tinha 130 criadores a seu cargo, depois a abertura da loja da Louis Vuitton onde no primeiro ano recebeu mais de 1,2 milhões de clientes. O passo seguinte foi a direção da marca Hermès que, depois de sete anos, deixou em 2016.
De Paris para o Alentejo
Franck Laigneau tinha uma galeria de arte junto ao Museu d'Orsay, em Paris, tornou-se uma referência na Arte Nova e design antroposófico e reuniu uma extensa coleção. Para Vítor Borges e o seu companheiro, foi "uma reunião de dois mundos onde a Arte e a Natureza são os protagonistas". Para dois residentes parisienses a mudança para o Alentejo foi um choque, mas como recorda Vítor, "mais para o Franck porque nunca tinha saído de Paris, não falava a língua, nunca trabalhou num emprego convencional e tinha amigos e família na capital francesa".
Houve, sobretudo, duas circunstâncias que fizeram o empresário português repensar o seu regresso. A morte prematura da mãe e o convite do antigo Presidente da República, Cavaco Silva, para integrar um conselho de emigrantes com carreiras de sucesso com a finalidade de promover o país no estrangeiro. Foi a primeira vez que realmente olhou com mais atenção para o país e percebeu a "energia e a força dos portugueses", então num momento de crise. Recorda que alterou a perceção do país para um olhar "mais positivo e orgulhoso". A ligação ao Alentejo vinha-lhe da sua mãe nascida em Marvão e das feiras que frequentou quando era criança. Entre as viagens que fazia para acompanhar a família, redescobriu nas planícies alentejanas os valores portugueses e o respeito pela terra que o levaram a procurar uma propriedade. Viu vários espaços e, mesmo antes de voar para Paris, foi ver um monte abandonado por onde passou uma comunidade de freiras, outrora gerido por uma fundação. Eram várias casas em ruínas, 120 hectares, 13 mil oliveiras com idades entre os 60 e os 800 anos e alguns sobreiros: "Vi o por do sol e em meia hora decidi que era ali".
Ir trabalhar ou ir a Lisboa
Depois foram vários anos até abrir o hotel, mas para Vítor Borges passou a ser evidente que tinha que partilhar o espaço com outras pessoas. Ainda antes da mudança, Vítor recorda que Paris vivia um momento de tensão com os atentados terroristas e surgia o medo. Outra contrariedade passava pela hora e um quarto que demorava em transportes públicos para chegar ao trabalho e outro tanto para regressar. Hoje, compara com uma ida a Lisboa para ver um espetáculo ou uma exposição e o regresso ao hotel, "que demora sensivelmente o mesmo".
Um dos pontos que preocupava o empresário era o trabalho, ou antes, a
falta dele. A ideia não era reformar-se. Atualmente dedica-se ao hotel 14 a 16 horas por dia. Prepara as refeições, rega, contrata o pessoal para tratar das oliveiras, segue os estagiários do hotel, controla as reservas, acompanha os clientes. Divide as tarefas com o companheiro, mas mesmo assim não tem mãos a medir.
No site, o aviso "só para adultos" posiciona o hotel mais orientado para casais, mais romântico e intimista. Vítor Borges explica que alguns acessos não são adequados para crianças, "não há muita iluminação", além de já existirem inúmeros hotéis com um conceito de família. Quando abriu em 2018 a maioria dos clientes eram estrangeiros, "mas sempre houve imensos portugueses". Recorda alguns episódios que o marcaram, como por exemplo uma modelo muito conhecida francesa que conseguiu uma reserva de cinco dias para agosto, mas acabou por ficar duas semanas. Ou a família australiana que viajou pela primeira vez para a Europa e foi o Dá Licença o primeiro hotel onde ficaram. E ainda, já em tempo de pandemia, uma família de Nova Iorque que trouxe a ama e o piloto do avião e reservou o hotel inteiro durante dois meses. De resto, acrescenta Vítor, uma tendência que se nota com famílias ou empresas que resolvem alugar o hotel por 20, 30 ou mais noites.
Jardim lunar
No Dá Licença, com vista a 360 graus, há vários edifícios que albergam cinco suítes, das quais três com piscina privativa, e quatro quartos no edifício principal. A piscina comum é redonda e fica num jardim "lunar" inspirado no Japão com árvores de fruto com mais de 60 anos que dão a sensação de praia. Vítor Borges acrescentou uma horta biológica, "cada vez mais necessária para as refeições". O empresário de hotelaria revelou o cuidado para "comprar produtos frescos e utilizar produtores locais, e "a constante preocupação com a sustentabilidade". As plantas são autóctones, resistentes, as piscinas com tratamento de sal, o poço e furo de água, os pisos radiantes e os painéis solares foram formas encontradas para preservar o meio ambiente. Utilizam o azeite que fazem das 13 mil oliveiras, exclusivamente da variedade galega, mas a marca ainda não está definida.
A arte presente em todos os edifícios pode comprar-se, mas o empresário confessa que tem dificuldade em separar-se de algumas peças. O nome Dá Licença foi retirado da expressão que se utiliza antes de entrar num picadeiro e do velho costume português usado à mesa ou ao entrar em casa. Faça favor.
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