Prazeres / Artes

Os Club Makumba apresentam o novo disco e prometem fazer “uma grande festa”

Depois do sucesso do primeiro registo homónimo, materializado essencialmente ao vivo, o quarteto regressou em janeiro com 'Sulitânea Beat', um álbum no qual alargaram ainda mais o vasto território onde a sua música sem fronteiras se movimenta. Agora é tempo de voltar ao palco, “o habitat natural” da banda, como o baterista João Doce reconhece nesta entrevista.

Foto: Simão Costa
22 de fevereiro de 2024 | Miguel Judas

Quando, em 2015, editou o álbum a solo Guitarra Makaka – Danças a um Deus Desconhecido, o guitarrista Tó Trips decerto não imaginaria que aqueles temas algo nostálgicos, inspirados em destinos mais ou menos distantes como Cabo Verde, Mali ou Marrocos, se transformassem, anos mais tarde, no manifesto de resistência, mas também de festa que hoje dá pelo nome de Club Makumba. Tudo começou na digressão desse disco, quando Tó Trips convidou o baterista e percussionista João Doce para o acompanhar ao vivo. À dupla juntaram-se depois Gonçalo Prazeres no saxofone e Gonçalo Leonardo no contrabaixo, dois músicos que já haviam tocado com Tó Trips no álbum Odéon Hotel, dos Dead Combo. E foi já com a banda completa que foram desenhadas as exóticas paisagens sonoras deste Club Makumba, através de "guitarras das costas do sul, ritmos quentes do norte de áfrica e melodias com afinações antigas", embrulhadas num ambiente "de festa multicultural" e com "um lado clashiano", no sentido mais panfletário do termo, que transformou cada concerto numa imensa festa.

Entretanto foi tempo de seguir em frente e é em direção ao sul que os Club Makumba de novo avançam, alargando ainda mais o vasto território no qual a sua música sem fronteiras se movimenta. O novo destino, neste caso o segundo álbum de originais, dá pelo nome de Sulitânea Beat e foi editado no final de janeiro. É o resultado de algumas residências artísticas, mas especialmente de "muita e muita estrada", como explica João Doce nesta entrevista, a poucos dias das primeiras apresentações ao vivo do disco: esta sexta, 23, no Plano B, Porto, amanhã no Cineteatro de Estarreja e dia 29 no B.Leza, em Lisboa. "A viagem continua, mas agora com um mapeamento mais definido e o facto de já conhecermos as pessoas com quem tocamos dá-nos um azimute, que nos permite alargar ainda mais o mapa", reconhece.

O baterista e percussionista João Doce.
O baterista e percussionista João Doce. Foto: DR

Este disco leva o ouvinte em mais uma viagem por território imaginário mas muito identificável. É assim que a grupo também o sente, como uma viagem?

Sim continua a ser uma viagem, mas talvez um pouco mais calculada em termos de direção do que a primeira, bastante mais instintiva. O nosso encontro inicial foi muito visceral e nem sequer sabíamos muito bem o que iria ou sequer se iria sair algo dali. Acabou por correr incrivelmente bem e em três meses já tínhamos um disco e estávamos a dar concertos, num impulso muito emocional que acabou na altura por ser interrompido pela pandemia. Agora, nesta nova viagem, já temos um mapeamento mais definido e isso acabou por se revelar uma ferramenta muito útil, pois permitiu-nos estar mais livres para compor e gravar. Ou seja, paradoxalmente, ter um plano deixou-nos menos amarrados. O facto de já conhecermos as pessoas com quem tocamos dá-nos um azimute, resultante não só do primeiro disco mas acima tudo da muita estrada que percorremos juntos. Portanto, é uma viagem que continua a ser muito experimental e emocional, mas que agora vive de um caminho anteriormente já feito.

Ainda pegando nessa imagem da viagem, esse mapa não vos impediu de avançarem novos territórios, bem pelo contrário, concorda?

Sim, porque apesar de termos essa bússola não deixamos de querer ir sempre um pouco mais longe, porque todo o nosso processo nos conduz para aí. Começámos por fazer algumas residências artísticas, que são sempre momentos muito importantes, de grande proximidade e partilha. Esse tipo de intensidade entre a banda permitiu-nos alargar o tal mapa e deixar de ter receio de ir ainda mais longe. E conseguimos faze-lo mantendo alguma coerência, que é o mais importante.

Como é o vosso método? Há as residências, que são um momento de criação, mas depois como é que o resultado disso é trabalhado pela banda?

Partimos sempre de algumas melodias, algumas surgidas no sossego individual de cada um dos músicos e noutras em momentos de jam-session, que acontecem em estrada e em ensaios de som. Normalmente gravamos todas essas ideias para não irmos completamente desarmados quando entramos nos tais momentos de criação. Por vezes são apenas pequenos excertos de 20 ou 30 segundos, que nos servem de ponto de partida para um processo que tem sido muito democrático e sempre com a participação de todos. Ou seja, é um método muito dinâmico, que também tem o seu quê de caótico, mas que nos permite ter uma estrutura mínima para podermos divagar à vontade. Uma pessoa muito importante nesta viagem foi o Hugo Valverde, o nosso técnico de som, que esteve sempre presente, o que permitiu que o nosso som em disco fosse muito aproximado ao que fazemos ao vivo, como era nosso objetivo.

O segundo álbum de originais, dá pelo nome de Sulitânea Beat e foi editado no final de janeiro.
O segundo álbum de originais, dá pelo nome de Sulitânea Beat e foi editado no final de janeiro. Foto: Simão Costa

Vocês são realmente uma banda que gosta de fazer a festa com o público. Pode-se afirmar que o palco é o vosso habitat natural?

Claramente, embora nos dê muito gozo o processo de gravação, o palco é sempre aquele ponto de encontro com o público e de maximização da música, que torna tudo muito maior. E como os nossos temas não têm as amarras da voz nem da palavra, isso permite-nos, ao vivo, criar janelas que nos levam para sítios irrepetíveis. Às vezes as janelas até são as mesmas, mas o que acontece dentro delas dificilmente se repete de concerto para concerto. Isso tem muito a ver com o momento emocional da banda, mas também e especialmente com o local onde atuamos e o público que temos à nossa frente. Quando começámos não tínhamos qualquer estrada e essa experiência de termos tocado tanto, juntos e ao vivo, nota-se bastante neste segundo disco.

Apesar de não terem letras, há claramente uma mensagem na vossa música, nesse assumir de um sul cada vez mais alargado, o que, num tempo de posições cada vez mais extremadas no que ao lugar de cada um diz respeito, não deixa de ser uma posição política…

É verdade e é curiosa essa referência ao tempo que que vivemos, porque aquilo que fazemos não deveria ser uma mensagem política. O mais natural é cada um ter diferentes influências, de diferentes latitudes, com diferentes riquezas étnicas, artísticas, culturais, históricas e por aí afora, sem que isso tivesse de ser encarado como uma tomada de posição política. Isso não deveria ser necessário, mas ainda o é. A questão do sul tem a muito a ver com um determinado sul, que não é muito bem tratado, que é expropriado das suas riquezas e em que o lado cultural é muitas vezes encarado, apenas, como um exotismo de menor valia artística. Para nós isso é um ponto de resistência, mas devo confessar que do ponto de vista criativo foi uma ótima decisão, pois é mais estimulante enveredarmos por este caminho do que pela via anglo-saxónica. Do ponto de vista da riqueza e de espaço de crescimento, o sul tem muito mais para nos oferecer.

Há alguns títulos do disco, como Alzáfama, Samba Catano ou Sulitânea, que também dão essa pista de ironia política. De quem foi a ideia destes títulos tão no alvo?

Temos alguns cromos na banda com muito jeito para isso, encabeçados pelo senhor António Antunes, mais conhecido por Tó Trips, que tem um talento incrível para criar títulos sempre muito assertivos (risos).

"A questão do sul tem a muito a ver com um determinado sul, que não é muito bem tratado, que é expropriado das suas riquezas e em que o lado cultural é muitas vezes encarado, apenas, como um exotismo de menor valia artística." Foto: Simão Costa

Estes concertos de apresentação como vão ser? Mais centrados neste disco, com espaço ainda para o anterior ou simplesmente uma grande festa?

Acima de tudo desejamos que sejam mesmo uma grande festa. Pensámos nisso tudo, mas chegámos à conclusão de que ainda não temos caminho para tocar apenas um disco. Por outro lado, também queremos dar algum conforto ao público e permitir-lhes alguma identificação com a música. Todos nós já fomos a concertos de bandas que gostamos, nos quais só foram tocadas músicas novas e, no final, fica sempre uma sensação meio de desapontamento. Neste caso, vamos tentar que o concerto viva muito das novas músicas, mas misturadas com uma parte substancial do primeiro disco, para acentuar ainda mais esse lado mais efusivo e de festa.

Club Makumba – concertos de apresentação de Sulitânea Beat

Plano B, Porto. 23 de fevereiro, sexta-feira, 21h. €12

Cineteatro de Estarreja. 24 de fevereiro, sábado, 21h30. €8

B.Leza, Lisboa. 29 de fevereiro, quinya-feira, 22h. €15

Saiba mais Artes. Diversão, Entrevista, Música, Club Makumba, Novo disco, Sulitânea Beat, Banda, Baterista, João Doce
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