Prazeres / Artes

Exposição. Quando os infernos de Ana Torrie e de Paula Rego se cruzam

A célebre frase de Jean-Paul Sartre dá título à exposição desta artista plástica. Um conjunto de obras que remete para os conflitos internos que se geram a partir do olhar e julgamento dos outros, e que integra o ciclo de exposições temporárias da Casa das Histórias Paula Rego. Para visitar até dia 16 de outubro.

Ana Torrie. "Nós, as filhas da lama", 2022
Ana Torrie. "Nós, as filhas da lama", 2022 Foto: DR
28 de maio de 2025 | Madalena Haderer

O inferno são os outros – já dizia Sartre e a artista plástica portuguesa Ana Torrie reforça, numa exposição catártica que dá permissão ao visitante para detestar todas as pessoas que o rodeiam sem se sentir mal por isso. Afinal, haverá sentimento mais humano do que odiar o próximo de vez em quando? Aliás, de acordo com Aristóteles, a função da arte é, precisamente, ser um veículo para esse ódio – matar o vizinho do lado num livro, numa peça de teatro, ou numa tela tem resultados muito menos funestos do que matá-lo na vida real. 

Ana Torrie.
Ana Torrie. "Porque te escondes nos arbustos negros?", 2019 Foto: DR

No universo de Ana Torrie, a célebre frase que dá título a esta exposição remete para os conflitos internos que se geram a partir do olhar e julgamento dos outros, e que condicionam a liberdade, bem como para a complexidade da condição humana, exposta através de sentimentos sombrios que se geram logo a partir da infância. Uma reflexão para a qual a artista convida o visitante, com uma exposição que pode ser vista na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, até 16 de outubro, e que, até 12 de julho, decorre em simultâneo com a apresentação da obra gráfica da artista na livraria e galeria Tinta nos Nervos, em Lisboa.

Ana Torrie.
Ana Torrie. "Abismo", 2019 Foto: DR

De acordo com o comunicado que apresenta esta iniciativa, este diálogo entre a exposição e a apresentação da obra gráfica reflete dois aspetos fundamentais na produção da artista: "Por um lado, a elaboração de um universo desassossegado, intenso e visceral, através de uma linguagem plástica que se reforça no apelo da escala, na intencionalidade performativa e na vontade de cativar o espectador; por outro, a construção de um discurso intimista, confidencial, que aflora narrativas pessoais ou ficcionadas e inquietações maiores através do desenho, concepção e edição de livros de artista únicos ou de tiragem reduzida e que são apresentados na Tinta nos Nervos. São momentos complementares que convocam uma dupla visita aos dois espaços, para desvendar os pesadelos e imaginações que se revelam nos sulcos e riscos de Ana Torrie."

Ana Torrie.
Ana Torrie. "Onde a erva murmura", 2020 (pormenor 1) Foto: DR

As obras exibidas na exposição O inferno são os outros são de grande escala e têm por base madeira e linóleo – materiais que, como num corpo vivo, evidenciam nas suas texturas o processo de gravação, exprimindo as marcas, a história e a emoção do ato criativo. Constituem atrações visuais que transportam para o ambiente de um parque de diversões, num labirinto de escolhas múltiplas, que incentivam o espectador a atravessar diversos portais. Ana Torrie desafia as convenções tradicionais da gravura com obras que ganham complexidade ao serem apresentadas de modo diverso, em contextos diferentes, e evoluindo de instalações gráficas, ganham uma dimensão escultórica, por vezes acompanhadas por uma componente sonora.

Ana Torrie.
Ana Torrie. "Onde a erva murmura", 2020 (pormenor 2) Foto: DR

A mostra acontece no âmbito da programação do Bairro dos Museus, em Cascais, e integra o ciclo de exposições temporárias na sala 0 da Casa das Histórias Paula Rego, dedicado a articular a Coleção do Museu com a produção artística contemporânea que se cruza com o universo de Paula Rego. A exposição, com curadoria de Catarina Alfaro e Ana Torrie, decorre até 26 de outubro. 

Ana Torrie.
Ana Torrie. "Onde a erva murmura", 2020 (pormenor 3) Foto: DR

Onde? Casa das Histórias Paula Rego, Avenida da República 300, 2750-475 Cascais; e Galeria e Livraria Tinta dos Nervos, Rua da Esperança 39, Santos – Madragoa, Lisboa. Horários? Terça a domingo, das 10h às 18h (Casa das Histórias); e terça a sexta, das 11h às 19h e sábado, das 11h às 18h (Tinta dos Nervos – só até dia 12 de julho).

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