Prazeres / Sabores

Quinta de Baixo, um laboratório de grandes vinhos

Dirk Niepoort disse-o várias vezes, "a Bairrada sempre foi a minha grande paixão”, e foi na Quinta de Baixo que colocou todo o seu amor. E o filho Daniel.

14 de outubro de 2022 | Bruno Lobo
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Sérgio Silva, o enólogo da Quinta de Baixo recorda-se como ouve muitas vezes 'isso aí parece uma casa de maluquinhos'. "Malucos talvez", responde-lhes, "mas daqueles inteligentes. É por isso que a Niepoort tem o sucesso que tem em mais de oitenta países". Só lhe faltou terminar com um "Tomaaa!", mas percebemos o orgulho.

Na verdade, o primeiro a admitir a loucura pela Quinta de Baixo foi o próprio Dirk Niepoort: "Fiquei maluco", disse com o seu jeito sempre jovial e entusiasta, perante a oportunidade de a adquirir. Isto há uma década.

Com 25 hectares, a Quinta de Baixo está localizada numa espécie de triângulo dourado que representa o melhor da Bairrada. Tem várias parcelas de vinhas velhas, ou muito velhas, com mais de 60 e 80 anos, plantadas com as típicas castas bairradinas, a Maria Gomes, Bical ou Cercial, nas brancas, e a Baga nas tintas. Um laboratório perfeito para a equipa da Niepoort fazer aquilo que mais gosta, ou seja, pegar em castas antigas e fazer vinhos com pouca concentração, menos álcool, e mais acidez, o que lhes confere um perfil muito gastronómico. Vai contra o passado recente da viticultura portuguesa, mas, afiança Dirk, "está muito mais perto daquilo que se fazia antigamente".

O filho mais velho de Dirk, Daniel, que entretanto assumiu a direção de enologia do grupo concorda: "a prova de que um bom vinho não tem que ter muita cor ou muito álcool", diz "é o Drink Me NatCool. É um daqueles vinhos que apetece sempre beber mais um copo, por isso é vendido em garrafas de litro, porque uma das normais não chegava."

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"É verdade que há muitos produtores que gostam de fazer vinhos com concentração e álcool, mas nós queremos mostrar às pessoas que nesta região também é possível fazer vinhos bastante gastronómicos e frescos", acrescentou ainda.

Recorrem, assim, a toneis de 2500 litros, para que a madeira marque muito pouco os vinhos, e colhem as uvas umas semanas mais cedo, para preservar a acidez natural da uva, e manter o teor de álcool mais baixo. Atualmente há muitos produtores em Portugal que o fazem, também, mas há uma década não era assim tão usual. Agora, o que ainda continua a fazer muita confusão a muita gente é a aposta na biodinâmica − o que aconteceu desde a primeira hora, trazendo inclusivamente um dos gurus mundiais, o professor norte americano Andrew Lorand, a passar umas temporadas na quinta para estudar a melhor forma de implantar o conceito.

Como princípio, a biodinâmica rejeita tudo o que são pesticidas químicos, fungicidas ou herbicidas. Para manter a saúde nas vinhas a aposta passa sobretudo pela biodiversidade, em manter um ecossistema vivo à volta da vinha, que é muto mais eficaz a prevenir pragas e outras doenças do que muitos químicos. Até aqui, basicamente, é tudo igual à agricultura biológica e, aliás, o primeiro tratado de agricultura biológica, formulado em 1924 por Rudolf Steiner era, na realidade, sobre biodinâmica. Mas depois a Biodinâmica leva este conceito um pouco mais longe, adotando práticas mais "maluquinhas", como enterrar cornos de vaca na vinha, pulverizar as videiras com dejetos, ou decidir os momentos para plantar, podar, mondar e até vindimar pelas posições dos astros.

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Os Niepoort explicam. "Se fores falar com os mais velhos, e lhes perguntares como é que faziam os seus pais e avós, percebes como todos estes trabalhos na vinha se faziam sempre nas mesmas alturas – ou no dia de um santo, ou de uma efeméride qualquer. Pegas no calendário e são exatamente as mesmas datas que a biodinâmica defende. Não pode ser por acaso".

Basicamente, não são negacionistas, e ao conhecimento científico mais avançado juntam também este lado empírico, sem dogmas – malucos, mas "dos inteligentes", lembram-se?. A verdade é que há cada vez mais produtores em todo o mundo a acreditar nos benefícios de adotar estas práticas ou como diria Shakespeare (citação livre): "Há mais coisas entre o céu e a terra, Horatio, do que a sua filosofia consegue imaginar."

Os vinhos

O Natcool, branco, de que já aqui falámos, é uma excelente porta de entrada para os vinhos da Quinta de Baixo, mas há muito mais, como o surpreendente Caracolete, um branco (Maria Gomes e Bical) de vinhas velhas que esteve num processo fermentativo durante cinco anos, o que lhe valeu o nome.

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O VV Vinhas Velhas Branco 2018 é um dos ex-líbris da Quinta. Um branco mineral, com notas de giz muito evidentes devido aos solos calcários. Frescura, acidez e elegância no seu melhor, sendo que ainda impressiona pela leveza, embora até seja encorpado. Estagiou 20 meses em fudres de 1000 litros.

Nos tintos, o destaque vai para este Poeirinho Garrafeira 2015. Poeirinho era o nome dado antigamente à casta Baga. Um vinho vibrante nos aromas, fresco (como sempre) e taninos muito polidos. Enorme complexidade e equilíbrio, vai muito bem à mesa.

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