É com a boa disposição e o carisma habituais que Maria Torres recebe a Must na sua nova casa, o Scarlett Wine & Food. No cargo de diretora-geral desde outubro de 2024, a empreendedora de 38 anos logo começou a planear uma renovação completa do conceito e do menu, de modo a transformar o espaço no destino de eleição dos que procuram uma atmosfera acolhedora e descontraída para apreciar boa comida e bom vinho.
Apesar de manter a ligação à cozinha de inspiração francesa que a caracteriza desde a chegada ao Porto, em 2023, a marca internacional, com presença em Bangkok e Hong Kong, apresenta agora uma abordagem mediterrânica assinada pelo chef Artur Silva. Tornar o restaurante mais inclusivo e elevar o standard de toda a experiência que proporciona são as principais missões abraçadas por Maria. A seu favor, tem o conhecimento adquirido ao longo dos anos em que trabalhou como gerente de produto e gestora de área internacional na Parfois, o que lhe permitiu visitar vários países e conhecer propostas gastronómicas distintas. Esse percurso, que já serviu de inspiração à abertura do Nola Kitchen, em 2018, parece ser o diferencial que faltava ao Scarlett Wine & Food para se destacar na sempre agitada baixa portuense.
Tens uma licenciatura em Economia e um mestrado em Economia e Gestão Internacional. O que te atraiu nesta área?
Na verdade, a aposta em economia aconteceu um pouco por exclusão de partes. Não sou boa a educação física, as artes também não são o meu forte e, na altura em que concluí o nono ano e precisei de escolher o caminho a seguir no ensino secundário, o curso de línguas e humanidades ainda estava associado ao desemprego. Apesar disso, cheguei a ponderar ser professora, uma vez que não só gostava como pensava ter jeito para explicar. No final, com o incentivo dos meus pais, resolvi jogar pelo seguro e optar pelo curso de ciências e tecnologias. Depois, a dúvida estava entre medicina e economia. Desisti da primeira mal percebi que tudo o que envolvesse sangue não dava para mim. Além disso, logo vi que não era muito boa a física e química. Decidi então licenciar-me em economia. Achei que, mais tarde, podia atuar na área que quisesse com essa formação. Acabou por sair tudo ao contrário, mas imaginava-me nas Nações Unidas ou numa organização não-governamental e a ajudar as pessoas a partir de um ponto de vista macroeconómico. Ter o meu próprio negócio não era, de todo, um objetivo.
Passaste logo da licenciatura para o mestrado?
Não. Quando concluí a licenciatura, atuei como auditora. Odiei. Rapidamente concluí que passar o dia todo dentro do escritório e sentada em frente a um computador não era algo que se alinhasse com a minha personalidade. Regressei então à FEP [Faculdade de Economia da Universidade do Porto] para um mestrado em Economia e Gestão Internacional, ainda com aquele sonho de vir a fazer alguma coisa ligada à macroeconomia. O problema é que, nessa época, explodiu a crise do desemprego jovem e, tanto aqui como em Espanha, era quase impossível arranjar trabalho. Também não tinha grande vontade de sair do Porto. Enviei currículos e acabei por entrar no mundo da moda como gerente de produto da Parfois, uma marca portuguesa de acessórios femininos bastante internacional [está presente em mais de 70 países]. Ou seja, era responsável pelo desenvolvimento de vários produtos para todas as lojas. Com o tempo, fui subindo de posição até ser gestora de área internacional da Europa Central e Oriental. Foi nessa altura que comecei a interessar-me pelo mundo do F&B (Comidas e Bebidas).
Como?
Esta profissão permitiu-me viajar imenso e conhecer diferentes realidades e culturas. Nos países que visitava, experimentava coisas novas, nomeadamente em termos de comida saudável — de um bom açaí a uma salada incrível —, que depois não encontrava no regresso ao Porto. Ao perceber que havia uma falha no mercado que podia explorar, comecei a desenvolver o meu plano de negócios, sem nunca deixar de trabalhar por conta de outrem. Primeiro na Parfois e, mais tarde, na Platforme, uma empresa dedicada à customização no mercado de luxo. Era uma área que sempre quisera explorar. Como acabou por não ser o que esperava, mal acabou o contrato, dediquei-me seriamente a criar o meu próprio projeto.
O Nola Kitchen começou a ganhar forma. Qual era a ideia?
O Nola parte da premissa de que uma alimentação saudável e equilibrada também pode ser saborosa. Trata-se, portanto, de uma cozinha em que a origem e qualidade dos produtos é o mais importante. E tudo o que faça mal à saúde, como farinhas e açúcares refinados, ingredientes processados, conservantes ou corantes, não tem lugar nas nossas receitas. Em 2018, quando abrimos, não havia nada igual na cidade, pelo que se tratou de uma revolução. O primeiro ano foi mais tranquilo, porque estávamos a entrar no mercado. Desde então, tem sido um verdadeiro caso de sucesso.
Como se desenvolveu o processo?
Pensamos em tudo ao pormenor para alcançar um elevado nível de qualidade e nunca apresentar nada abaixo deste. No início, estava dia e noite no restaurante. Ora na sala a formar a equipa, ora na cozinha a desenvolver e aprimorar o receituário. Tinha outros sócios, mas ver como tudo podia ser otimizado, seja a nível de recursos humanos ou de pratos, eram responsabilidades minhas. Afixamos fotos das receitas nas paredes e criamos uma espécie de cookbook onde anotávamos todos os possíveis erros que poderiam surgir, de modo a sabermos como evitá-los. Porque se há algo que aprendi nas empresas pelas quais passei, é que o segredo de qualquer negócio está relacionado com a capacidade de manter o standard para que o cliente viva sempre a mesma experiência. As pessoas tendem a achar que, nesta área, as coisas se podem fazer um bocado a olho, mas não é assim. Se não estiver tudo bem definido, e tiveres de preparar, por exemplo, um arroz, dependendo de quem estiver a cozinhar naquele momento, tanto pode ficar mais seco como mais empapado. Não é isso que o cliente quer. Por isso, acredito que tem que haver um padrão que deve ser seguido por todos.
As coisas correram como esperavas?
Sim. Não entro em nada com baixas expectativas. Sabia que o Nola era um projeto que tinha tudo para dar certo e tudo foi feito com isso em mente.
Como é que o Scarlett Wine & Food entra na tua vida?
A baixa do Porto é um mundo muito pequenino e como Nola fica a uns dois minutos do Scarlett e tem um café incrível, a antiga diretora-geral ia lá com frequência. Uma vez, em conversa, contou que estava de saída do restaurante e eu comentei que ia deixar o Nola e ficar apenas como sócia. Perguntou: ‘então por que é que não vens para o meu sítio?’ Disse-lhe logo que não. ‘Achas que vou trabalhar aqui ao lado?’ No final, acabei por ir a uma entrevista e correu bem.
O novo emprego surgiu de uma coincidência feliz. Qual era o teu plano quando resolveste ficar ligada ao Nola Kitchen apenas como sócia?
Não tinha. Só decidi que queria sair do Nola e abraçar outros projectos. Nem sabia se ia continuar na área do F&B. A ideia era ter um tempo para mim, durante o qual pudesse descansar, e depois logo via o que fazer a seguir. Mais uma vez, as coisas aconteceram de uma forma bem diferente da que imaginei. Surgiu esta oportunidade e as férias ficaram para outra altura. Estava a deixar o meu próprio negócio e queria fazê-lo da melhor maneira, pelo que fui adiando a saída até estar completamente satisfeita. Quando chegou a data que tinha acordado para começar no Scarlett, já só tive tempo para dois dias de folga.
O que te atraiu no Scarlett?
Toda a história da marca e o facto de se tratar de um projeto internacional, que vai além deste restaurante, foi o mais interessante para mim. Porque antes de chegar à cidade, o conceito já existia em Bangkok e Hong Kong. Quando vamos visitar esses espaços, ou simplesmente espreitamos o Instagram, percebemos logo a dimensão da marca e o quanto é bem-sucedida na Ásia. Além disso, o Scarlett está dentro de um grupo com diferentes conceitos gastronómicos. Ou seja, neste momento estou a trabalhar no Porto, mas, no futuro, posso estar num outro espaço do grupo. Esta flexibilidade e a possibilidade de adquirir mais conhecimento no mundo do F&B são mais-valias que me atraíram.
Ocupaste o cargo de diretora-geral em outubro de 2024. Quais são exatamente as tuas funções?
O meu principal objetivo é elevar o standard de toda a experiência proporcionada pelo Scarlett, da comida que servimos à forma como o fazemos e às iniciativas que promovemos. Devido ao conhecimento que adquiri ao longo dos anos, uma das minhas principais preocupações foi garantir que tudo o que pudesse ser produzido cá, seria, dos molhos à manteiga e aos hambúrgueres. Esta é uma das melhores formas de assegurar a excelência do que servimos. Além de produzirmos tudo aquilo que conseguimos, melhoramos a qualidade de produtos considerados indispensáveis pelos clientes, como o pão, que agora é de fermentação natural. Também tornamos o menu, construído a partir de ingredientes locais e de acordo com a sazonalidade, mais inclusivo. Até então, estava muito focado na carne e no peixe. Atualmente, dispomos de opções vegetarianas e vegan, o que nos permite chegar a mais pessoas, sejam clientes do hotel, do qual somos independentes, ou passantes. Estamos ainda a apostar numa happy hour diferenciadora. Todos os dias, entre as 17h e as 19h, temos ostras portuguesas a 1€ — o que não se encontra em qualquer lado — e uma seleção de bebidas com preços especiais. É um processo, mas sentimos que estamos a chegar onde queremos. O número de reviews tem aumentado e a nossa posição nos rankings está a subir. Vamos continuar a melhorar.
Outra coisa que queremos fazer é tirar o máximo partido do espaço. Temos um pátio exterior incrível e uma adega onde podemos organizar eventos como workshops, lançamentos de livros ou exposições. Nestes primeiros meses de 2025, o espaço foi transformado em estúdio pop-up para acolher a residência artística de Ritchelly Oliveira [um artista visual brasileiro que, nas suas obras, capta as expressões mais profundas das relações emocionais]. Esta iniciativa dá a quem nos visita a oportunidade de conhecer o artista e o seu processo criativo, ver as suas peças já concluídas e como constroi as outras enquanto bebe um copo ou espera pela refeição.
Que pratos destacas da nova carta?
É difícil. A ter de destacar alguns pratos, começava pelo de couve-flor assada com tahini, molho romesco e crumble de pistáchio (€16). Tem sido um sucesso e acho que até quem não gosta de couve-flor deve dar-lhe uma hipótese. Outra boa opção é a salada de queijo halloumi grelhado — um produto com pouca gordura, bastante proteína e muito conhecido nos mercados americano e australiano —, que chega acompanhado por espinafre, beterraba, maçã verde, abacate, romã e noz pecan tostada (€20). Temos ainda o pappardelle ragoût, uma massa feita com caldo de carne, que leva carne desfiada, bacon, cogumelos e queijo parmesão (€24). Neste caso, como não reunimos as condições necessárias para fazer a nossa própria massa e utilizar pastas secas estava fora de questão, procuramos um bom fornecedor local e encontramos a Nonna Pasta Fresca. Recomendo, igualmente, o polvo grelhado com tupinambo em texturas e nduja (€30).
A oferta de bebidas também foi reformulada.
Sim. Além de renovarmos o menu de cocktails de autor, com criações como o Spritz Me Baby One More Time, que leva gin Bombay Sapphire, cordial de limão, maracujá, puré de maracujá e espumante (€12), introduzimos mocktails. Isto porque notamos que há cada vez mais pessoas a tentar diminuir o consumo de álcool, ou que não queiram consumir bebidas alcoólicas de todo, e pretendemos que se sintam bem-vindas. Surgiram assim propostas como o Berry Zen, com chá verde, puré de frutos vermelhos, sumo de limão e ginger ale (€9), e o No Gin, No Sin, com gin Tanqueray 0.0%, sumo de limão, xarope de açúcar e Magic Foamer (9€). Para uma experiência mais personalizada, o cliente pode tornar-se coautor da sua própria bebida, ao escolher a sua base preferida entre um sour [rum, tequila ou whisky] e um spritz [Aperol, Campari ou St. Germain].
Trazes muito das tuas viagens para o trabalho. Dos mais de 50 países que já visitaste, quais foram os primeiros?
O primeiro país que visitei foi Espanha. Lembro-me de ir de férias com os meus pais para Palma de Maiorca. O segundo foi o Reino Unido. Fui para Londres fazer uma pós-graduação em Fashion Buying and Merchandising. Adorei.
E como é que começou esta paixão pelas viagens? Vem de família?
Não. De todo. A minha família é exatamente o oposto. Os meus pais sempre estiveram focados em trabalhar e poupar. Acreditavam que tinham a vida toda para viajar. A verdade é que agora, com uma certa idade, já não lhes apetece. Esta paixão, junto com a que tenho pelo F&B, nasce, em grande parte, devido ao meu emprego na Parfois. Conheci todo o tipo de países nessa altura, da Áustria à Alemanha, Grécia, Estónia e Hungria. Como ia em trabalho, nunca sobrava grande tempo para visitar as cidades em que estava, mas arranjava sempre algum para ir a bons restaurantes. Cheguei a ter mais de 300 fotografias, só de menus, no telemóvel. Ainda hoje, ao viajar sem compromissos, procuro conhecer novos sítios.
Ou seja, és adepta de um turismo gastronómico?
Sim. E noto que isso faz toda a diferença na minha profissão. Foi numa viagem a Bali, em 2016, que me inspirei para a abertura do Nola Kitchen. Nessa época, andava mais focada na cozinha saudável, mas sempre experimentei de tudo e tive curiosidade em saber as tendências e descobrir o que se fazia nos sítios que visitava. Em conversa com colegas da área, são poucas as vezes em que falam de alguma coisa que não tenha visto ou provado em algum lado e isso é muito importante na hora de fazer uma carta ou desenvolver um projeto. Gostar de ler também ajuda. Há ótimos livros de culinária disponíveis. Adoro comer sozinha e quando estou nos restaurantes fico a observar o ambiente. Se algum livro me chamar a atenção, tiro uma fotografia ou tomo nota para comprar mais tarde.
Pela tua experiência, qual o destino gastronómico mais interessante?
Copenhaga. Sem dúvida. Por toda a envolvência, desde a vibe da cidade à das pessoas que a fazem. Depois vais tomar o pequeno-almoço e é um sourdough bread [pão de fermentação natural]. No Bæst, por exemplo, eles fazem a mozzarella que servem. É uma coisa completamente decadente. Já estive em Itália, mas nunca tinha ido a um restaurante que produzisse a sua mozzarella. Foi uma das melhores experiências que vivi. Um autêntico orgasmo gastronómico. [Com queijaria e charcutaria próprias, o Bæst produz, além da sua mozzarella, outros queijos como a burrata, bem como linguiças e carnes curadas]
De todos os pratos que já provaste, qual foi o que mais te surpreendeu?
No Orfali Bros, que tem uma estrela Michelin e fica no Dubai, provei uma sobremesa com yuzu e sésamo negro que era qualquer coisa de extraordinário. Gostei tanto que, quando pude, fui ao restaurante uma segunda vez. Na Austrália, que cheguei a visitar com a chef criativa do Nola, comi um cogumelo frito em couve espetacular. Algo que acho curioso na Austrália, é que aposta muito no conceito de partilha e pequenos pratos, o que permite experimentar coisas diferentes sem ter de pagar uma conta estupidamente cara.
Quais os países que te faltam visitar?
Gostava de conhecer o México, por exemplo. Como sou louca por ceviches, o Peru é outro destino que me atrai. Na verdade, relativamente à América Latina, ainda tenho imenso por explorar.
És o tipo de pessoa que vai com tudo planeado ou preferes improvisar?
Tenho que ir com tudo organizado. Dos monumentos e museus que quero visitar aos restaurantes que me apetece experimentar. Às vezes, quem vai comigo, acha um bocado estressante e pergunta se não podemos improvisar. Para mim não dá. Normalmente, o tempo é pouco para o que queremos fazer. Se a viagem não estiver bem pensada, fica metade por concluir. Volta e meia, como a lista de restaurantes costuma ser grande, comemos um bocadinho de mais. O primeiro jantar é às 19h e às 21h vamos ao segundo.
Lembro-me de ir a Bali e levar um excel com tudo o que planeara. Só tinha dois dias e acabei por ficar ansiosa, então fui à receção e perguntei ao senhor como podia ver tudo. Ele perguntou-me se estava tudo bem comigo. Se não vinha de férias. Disse-lhe que sim, mas tinha várias coisas para ver e estava a pagar. Pedi-lhe que me arranjasse um guia privado e lá me consegui orientar.
A trabalho, acabaste por viajar sozinha diversas vezes. É algo que gostas de fazer quando vais de férias?
Não. De férias, só fui sozinha uma vez, à Tanzânia. Já faz alguns anos. Correu tudo muito bem. Inscrevi-me numa daquelas viagens de grupo e tive sorte com as pessoas que me calharam. Fiz alguns amigos para a vida e foi memorável. Já pensei em ir novamente, mas como a experiência foi tão boa da primeira vez, tenho algum receio que a segunda não corresponda às expectativas. Um dia vou arriscar.
A comida e as viagens são um hobbie e uma ocupação. Que outras coisas te interessam?
Gosto imenso de ler, apesar de não ler tanto quanto gostaria. Às vezes, chego a casa bastante tarde e com várias coisas na cabeça, depois de um dia longo ou de passar muito tempo ao telemóvel, pelo que acabo por não ter grande paciência. Aproveito para ler quando viajo. Também adoro moda e design, além de ser apaixonada por arquitetura minimalista e decoração. Vou com frequência ao NorteShopping só para estar na Area. E gosto de espreitar o Pinterest. Sou mega criativa e adoro ter inspiração para fazer coisas diferentes.
Onde? Rua de Avis, 10 (Porto). Horário? Todos os dias, das 17h às 23h. Reservas? 93 210 1833 / scarlettporto@randblab.com.