Cinalfama: o mundo no bairro; do bairro para o mundo
A terceira edição do peculiar festival internacional de cinema independente, que se realiza num dos mais populares bairros de Lisboa, está quase a começar. Além da programação, importa saber que festival é esse e porque é que ele existe.
"Correram muito bem. Centenas de pessoas juntaram-se a nós e sentaram-se nas escadarias de Alfama para ver filmes." É desta forma que João Gomes, diretor do Cinalfama - Lisbon International Film Festival, resume o sucesso do peculiar festival de cinema que, numa tradição recente, vem animando as escadarias do antiquíssimo bairro lisboeta com projeções de filmes independentes.
Este ano, na sua terceira edição oficial, o Cinalfama propõe-se, uma vez mais, a celebrar o cinema independente com projeções ao ar livre e de acesso gratuito, entre os dias 22 e 26 de julho. Como nota adicional em relação às edições anteriores, o festival inclui um projeto de recolha de oralidades de Alfama, "exaltando o bairro e as ruas" que o acolhem.
FESTIVAL, FILMES E PRÉMIOS
Nesta edição, o Cinalfama apresenta uma programação com 50 filmes que reúne um total de 31 estreias nacionais e 46 filmes internacionais. Há obras vindas de França, Alemanha, Espanha, Turquia, Bélgica, Irão, Brasil, Tunísia, Argentina, China, Japão, Itália, Irlanda, EUA, Noruega e Islândia, entre outros. Alguns dos realizadores estão presentes durante as exibições (pelo menos) dos respetivos filmes. São os casos de Hannes Schilling, Mariame N’Diaye, Ezster Hojdu, Gabriela Nobre ou Laura García, entre outros, muitos deles estrangeiros.
O festival tem várias categorias para os filmes a concurso, sendo algumas delas bastante características, como a City in Film Award, destinada aos filmes em que a cidade está no centro da história, ou a Micro & No Budget, que, como o nome indica, é dirigida aos filmes de (muito) baixo orçamento e parcos recursos. Além destas, existem as categorias Animalfama (animação para público adulto), Best Script Competition, Medium Length e Best Soundtrack. Há duas categorias nacionais, uma para os filmes portugueses, outra para os filmes alemães, já que a Alemanha é o país convidado. Existe ainda uma categoria especial para os Melhores Filmes de Estreia. A principal distinção do festival é o Grande Prémio Cinalfama.
O júri é constituído por algumas figuras da cena cinematográfica portuguesa e também internacional, englobando ainda vencedores das edições anteriores. Este ano, compõem o painel Leonor Teles, Pedro Cabeleira, Florence Rochat, Denise Fernandes, Agnes Meng, Edgar Morais, Kaveh Mazaheri, Fatema Abdoolcarim, João Paulo Miranda Maria, Marta Andrade, Ely Chevillot, Gabriela Nemésio Nobre, Diogo Figueira, João Gomes e Joana Niza Braga.
Os realizadores Pedro Costa, Leoner Teles e Pedro Cabeleira, entre outros, têm ainda uma participação na edição deste ano do Cinalfama. São eles que inauguram o projeto piloto de Recolhas Filmadas de Histórias e Oralidades de Alfama, trabalhando os fragmentos recolhidos, que serão depois exibidos ao público na noite de encerramento do festival, a 26 de julho.
A ORIGEM
Agora que sabemos o que esperar da 3.ª edição do Cinalfama, gostaríamos de esclarecer algumas questões que nos intrigam. Por exemplo, como é que um festival de cinema independente, recheado de filmes internacionais, foi parar às ruas e escadarias de um bairro lisboeta que é, hoje, pouco mais do que um cenário visitado por turistas. João Gomes, o diretor do festival, tem a bondade de explicar com tudo começou e porque é que aconteceu assim. "Em 2009, sem grandes ambições, reuni um grupo de cinéfilos que projetava cinema contra as paredes dos becos de Alfama. Tudo muito anti-glamouroso e informal. Pela mesma altura, começava a minha carreira no cinema e uma transformação inexorável da paisagem social de Alfama por meio do turismo de massas."
Essa transformação que João Gomes identificou no bairro, encontrou em si próprio eco ou semelhanças, nomeadamente nas suas criações. "Percebo, 15 anos depois, vários paralelos e tangentes entre Alfama e os filmes que entretanto realizei. Vários dos seus protagonistas parecem perdidos entre um passado idealizado e um futuro incerto, tal como Alfama parece também viver num certo exílio no presente, combalida entre a nostalgia comunitária e a transformação acelerada." O realizador especifica: "Em 2016, o meu projeto final de mestrado em realização – a média-metragem A Noite de Santo António – partia de uma premissa metodológica: a de descobrir o percurso e o sentido do filme (e da noite) na própria experiência de filmar. Queria catalisar o caos irreplicável da mais louca noite de Lisboa filmando a sua protagonista on location e numa lógica de câmara oculta."
Alfama ganhou então, para João Gomes, uma nova perspetiva, como uma nova personalidade. Transformou-se "numa narrativa aberta e mágica que nunca mais revisitei sem lembrar as tribulações de ‘Ana’, passiva e agressivamente a furar a algazarra ao encontro de um homem perfeito que supostamente a espera no topo da colina. É o mesmo espírito de pesquisa emocional que me levou a transformar a tertúlia de rua que fundei em 2009 num festival internacional de cinema. Mostrámos desde filmes que comungassem da mesma motivação de pesquisa, subjetividade e busca de novas formas de olhar." O sucesso da ideia é incontestável e há números que o demonstram: o Cinalfama recebeu, em quatro anos, mais de 15.000 candidaturas e 5.000 espectadores nas suas sessões. "Construiu-se assim um novo património Alfamense", remata João Gomes.
E hoje, 15 anos depois dessas primeiras sessões improvisadas, qual é a relação entre o bairro que mudou e o festival que se fundou e desenvolveu? Qual é o envolvimento entre essas duas entidades dinâmicas e orgânicas? João Gomes toma de novo a palavra e diz que "Alfama é a somatização do anseio e da intimidade e o Cinalfama um elo e uma ponte: entre o nativo que a conhece por dentro, que ainda lá vive ou de lá já saiu; do lisboeta ou português que nunca a viveu; ao visitante ou expatriado que ao seu postal pitoresco não se quer resignar". "É o único momento em Alfama em que estas pontes são feitas", afirma. Explica ainda que nas recolhas de histórias e oralidades que fizeram por Alfama "estão bem patentes as feridas abertas pelo turismo", e acrescenta que "os turistas estarão lá [no festival, durante a exibição] para refletir sobre o assunto connosco" - há legendas em inglês.
ABERTURA E ENCERRAMENTO
É nas Escadinhas de São Miguel que tem início a edição deste ano do Cinalfama, com a exibição, dia 22 (segunda-feira), às 21h00, de Judgement in Hungary (Hungria). Na sessão de abertura, estarão presentes a realizadora, Ezster Hajdu, para um debate com Rogério Roque Amaro. A programação prossegue até dia 26, sexta-feira, dividindo-se as projeções entre as Escadinhas de São Miguel e o Museu do Fado, com sessões sempre às 17h00 e às 21h00. Na sessão de encerramento, nas Escadinhas de São Miguel (dia 26, às 21h00), serão divulgados os premiados e será ainda também exibido Recolhas Filmadas de Histórias e Oralidades de Alfama. O acesso é livre em todas as sessões.
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