Anthony Hopkins vagueia por um apartamento em Londres, confundindo momentos no tempo, apagando memórias, esquecendo objetos. O ator é o protagonista de O Pai, o filme de Florian Zeller sobre um homem com demência que acaba de ser premiado nos Óscares.
A obra chega aos cinemas portugueses dia 6 de maio, numa altura em que a demência é um tópico cada vez mais discutido, também por causa da pandemia.
"As demências agravaram-se com esta pandemia porque tanto tempo sem estimulação acaba por ter um grande impacto nocivo no cérebro", garante Sandra de Carvalho Martins. A psicóloga acaba de lançar o livro Um cérebro à prova de cansaço, da Editorial Planeta, que pretende precisamente promover um cérebro "ativo, focado e feliz". O livro tem um plano de 7 semanas, com diferentes enigmas mentais, progredindo de exercícios mais simples até aos mais complexos. "A ideia é que a pessoa volte a confiar nas suas capacidades, redescubra o seu potencial e se estimule para conseguir sair da melhor forma desta pandemia, diz em entrevista à MUST.
Foi ao trabalhar com pessoas portadoras de deficiência, que precisavam de muita estimulação, que a psicóloga de Famalicão percebeu a necessidade de ter "material que fosse muito apelativo para captar a atenção". Assim, começou a inventar o seu próprio material, desafios mentais que a divertiam – e aos amigos – no processo.
"A saúde mental não é só a ausência de doença. A saúde mental é nós sentirmo-nos produtivos, sentirmo-nos bem com as nossas capacidades", defende. Mas depois de um ano de pandemia, estará o nosso cérebro efetivamente "mais cansado"? A profissional de saúde não tem dúvidas: "o stress leva a piores desempenhos. Sabe-se que uma pessoa que está ansiosa, que está stressada, comete muitos mais erros no desempenho das tarefas que tem em mãos. Mas sabemos também que o stress e a ansiedade vividos de forma intensa durante longos períodos são muito nocivos para o cérebro, porque liberta-se demasiado cortisol, o que leva a danos no hipocampo e isso faz com que a pessoa envelheça mais cedo a nível cerebral. Os estudos indicam-nos que pode aumentar até 40% a probabilidade de vir a desenvolver uma demência".
Para a psicóloga, a melhor forma de prevenir a demência é com atividades mentalmente estimulantes. "A demência demora décadas a desenvolver-se no nosso cérebro. Um ano pode ser reversível dependendo da forma como continuamos além deste ano", diz.
O foco deve ser tirar o nosso cérebro da zona de conforto, treinar as nossas capacidades mentais, para salvaguardar o passado, mas também até criar reservas para o futuro. Explica Sandra de Carvalho Martins, "há um conceito que começa agora a ser falado que é o conceito de reserva cognitiva. É aquilo que nós vamos construindo no nosso cérebro e é o que dita a capacidade do cérebro em lidar com os danos neurodegenerativos que tem aquando do envelhecimento. Isto quer dizer que quanto mais eu estimular o meu cérebro maior é a minha reserva cognitiva e, aquando do envelhecimento, se houver algum dano no meu cérebro, eu tenho alternativas que me permitem que aquela função continua a ser executada e que eu não demonstro demência – porque efetivamente o meu cérebro encontra uma alternativa."