Viver

O que move o homem mais rico do mundo?

A MUST publica um excerto do novo livro do empresário e magnata fundador da Amazon, 'Inventar & Criar', editado pela Planeta.

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23 de março de 2022 | Rita Silva Avelar
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De cartas originais dirigidas aos acionistas, a discuros e entrevistas inéditos, mas também partilhas mais pessoais sobre o seu trajeto, Inventar & Criar é uma relíquia para os empreendedores, mas não só. Editado pela Planeta Estratégia, o novo livro autobiográfico de Jeff Bezos abrange uma variedade de temas, de negócios a políticas públicas, e outros que marcam a atualidade, como as alterações climáticas. Além de ser uma masterclass sobre valores, estratégia e execução nos negócios, é um guia inspiracional para a mudança. Arriscar é a palavra de ordem.

"Somos o que escolhemos ser" (Comunicação aos finalistas de Princeton de 2010).

"Em miúdo, passei os verões com os meus avós no rancho deles no Texas. Ajudei a consertar moinhos de vento, a vacinar gado e outras tarefas. Também víamos telenovelas todas as tardes, como Days of our Lives. Os meus avós pertenciam a um clube de caravanismo, um grupo de donos de caravanas Airstream que viajavam juntos pelos Estados Unidos e Canadá. E de vez em quando, no verão, juntávamo-nos à caravana. Prendíamos a caravana Airstream no carro do meu avô e lá partíamos em fila com outros 300 aventureiros Airstream. Adorava e venerava os meus avós e ansiava imenso por aquelas viagens. Numa delas, quando eu tinha uns dez anos, ia a rebolar no grande assento do carro. O meu avô ia a conduzir. E a minha avó ia no lugar do passageiro. Ela passava as viagens a fumar e eu detestava o cheiro. 

Naquela idade, eu aproveitava qualquer pretexto para fazer estimativas e aritmética simples - calculava o gasto médio de combustível ou descobria estatísticas inúteis sobre matérias como gastos de mercearia. Eu tinha ouvido um anúncio sobre fumar. Não me lembro dos pormenores, mas basicamente o anúncio dizia que cada passa num cigarro subtrai uma determinada quantidade de minutos à nossa vida: penso que poderia ser dois minutos por passa. Seja como for, decidi fazer as contas para a minha avó. Estimei a quantidade de cigarros por dia, a quantidade de passas por cigarro e por aí fora. Quando achei que teria chegado a um número razoável, enfiei a cabeça entre os assentos da frente, dei uma palmadinha no ombro da minha avó e com orgulho anunciei: «A dois minutos por passa, perdeste nove anos da tua vida!» Tenho uma memória vívida do que aconteceu e não foi o que eu esperava. Contava ser elogiado pela minha esperteza e talento para a aritmética: «Jeff, és tão inteligente. Tiveste de fazer umas estimativas complexas, descobrir a quantidade de minutos que há num ano e fazer umas divisões.» Não foi o que aconteceu. Em vez disso, a minha avó desatou a chorar. Encostei-me para trás no meu assento e não soube o que fazer. Enquanto a minha avó chorava, o meu avô, que ia a conduzir em silêncio, parou na berma da estrada. Saiu do carro e deu a volta para me abrir a porta e esperou que eu saísse. Estaria eu em apuros? O meu avô era um homem extremamente inteligente e calmo. Nunca me passara um raspanete e talvez esta viesse a ser a primeira vez. Ou talves me fosse dizer para voltar ao carro e pedir desculpa à minha avó. Eu não tinha experiência neste domínio com os meus avós e não havia como avaliar quais poderiam ser as consequências. Parámos ao lado da caravana. O meu avô olhou para mim e após um momento de silêncio disse com gentileza e calma: «Jeff, um dia vais compreender que é mais difícil ser amável do que inteligente.»

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Aquilo de que vos quero falar hoje é da diferença entre dons e escolhas. Inteligência é um dom; bondade é uma escolha. Os dons são fáceis - afinal de contas, são-nos dados. As escolhas podem ser compliadas. Se não tiverem cuidado podem deixar-se seduzir pelos vossos próprios dons e, se assim for, provavelmente será em detrimento das vossas escolhas. 
Este é um grupo com muitos dons. Tenho a certeza de que um dos vossos dons é ter um cérebro inteligente e capaz. Estou convicto disso porque a admissão é competitiva e, se não houvesse alguns indícios de que são inteligentes, o responsável pela admissão não vos teria deixado entrar. 
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A vossa inteligência vai dar jeito pois irão viajar pelo país das maravilhas. Nós, seres humanos - monótonos como somos -, vamos espantar-nos. Vamos inventar formas de gerar energia limpa, e muita. Átoma a átomo, montaremos máquinas minúsculas que penetrarão em paredes celulares para fazer reparações. Este mês surgiu a notícia extraordinária, mas também inevitável, de que sintetizámos vida. Nos anos vindouros, não só a vamos sintetizar como também arquitetá-la segundo especificações. Acredito que em breve vão até ver-nos a compreender o cérebro humano. Júlio Verne, Mark Twain, Galileu, Newton - todos os curiosos do passado teriam desejado viver no nosso tempo. Enquanto civilização, dispomos de imensos dons, tal como vocês individualmente, aí sentados diante de mim, contam com tantos dons individuais. 

Como vão usar esses dons? E vão orgulhar-se dos vossos dons ou das vossas escolhas?

Há 16 anos ocorreu-me a ideia de lançar a Amazon. Deparei-me com o facto de a utilização da web estar estar a crescer 2300% ao ano. Para mim, foi uma absoluta novidade ver algo crescer tão depressa e a ideia de montar uma livraria online com milhões de títulos - algo impossível no mundo físico - entusiasmou-me bastante. Acabara de fazer 30 anos e estava casado há um ano. Disse à minha mulher, Mackenzie, que queria deixar o meu emprego para fazer esta maluquice que provavelmente não resultaria, tal como a maioria das start-ups, e eu não sabia ao certo o que aconteceria depois disso. MacKenzie (também ela licenciada em Princeton e aqui sentada na segunda fila) disse-me que devia avançar. Em rapaz, eu fora um inventor de garagem. Inventei um aparelho para fechar automaticamente portões feito com pneus cheios de cimento, um fogão solar, que não funcionou muito bem, a partir de um guarda-chuva e papel de alumínio, e alarmes para forno para armar ciladas aos meus irmãos. Sempre quisera ser inventor e ela quis que seguisse a minha paixão.

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Eu trabalhava numa empresa financeira em Nova Iorque com um bando de gente inteligente e tinha um chefe brilhante que muito admirava. Fui ter com o meu chefe e disse-lhe que queria montar uma empresa de venda de livros na Internet. Ele levou-me a dar um longo passeio pelo Central Park, ouviu-me com atenção e por fim disse: «Parece uma excelente ideia, mas seria uma ideia ainda melhor para alguém que não tem já um bom emprego.» Aquela lógica fez-me algum sentido e ele convenceu-me a pensar no assunto por mais 48 horas antes de tomar a decisão final. Visto sob aquela perspetiva, era realmente uma escolha complexa, mas acabei por decidir que tinha de arriscar. Achei que não me arrependeria de tentar e falhar. E desconfiei que seria sempre atormentado pela decisão de nem sequer tentar. Após muita ponderação, escolhi o caminho menos seguro para poder seguir a minha paixão e orgulho-me de tal escolha. Amanhã, num sentido muito real, a nossa vida - a vida que vocês escrevem do nada - começa. 


Como é que vão usar os vossos dons? Que escolhas vão fazer?
Vão deixar-se levar pela inércia ou seguir as vossas paixões?
Vão seguir o dogma ou vão ser originais?
Vão escolher uma vida de facilidades ou uma vida de empenho e aventura?
Vão vacilar face às críticas ou seguir as vossas convicções?
Vão fazer de conta que não é nada convosco quando errarem ou pedir desculpa?
Vão resguardar o vosso coração face à rejeição ou agir quando se apaixonarem?
Vão jogar pelo seguro ou ser um pouco arrogantes?
Quando for complicado, vão desistir ou persistir?
Vão ser cínicos ou construtores?
Vão ser espertos à custa dos outros ou amáveis?
Vou arriscar uma previsão. Quando tiverem 80 anos e, num pacato momento de reflexão, ao narrarem a vocês mesmos a versão mais pessoal da vossa história de vida, o relato que será mais compacto e significativo será o da série de escolhas que fizerem. No fim de contas, somos as nossas escolhas. Construam uma grande história para vocês mesmos. Obrigado e boa sorte!"
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