Sabores / Prazeres

Vinhos do Outro Mundo. Como anda a coleção cósmica vendida a mil e tal euros a garrafa?

Chegámos ao quarto planeta da constelação de nove vinhos a preços estratosféricos. Depois de Portugal, Espanha e Alemanha, chegou a vez de Itália, com um toscano que não é super, mas puro.

Coleção de vinhos
Coleção de vinhos Foto: DR
20 de outubro de 2025 | Bruno Lobo

O mercado internacional do mudou muito nas últimas décadas. Depois do domínio de , os colecionadores voltaram-se para a Borgonha, com os rótulos mais cobiçados a valer tanto ou mais do que os da região do Gironda. A procura alargou-se e, para não colocar todas as uvas no mesmo cesto, Champagne, Toscânia, Piemonte, Califórnia ou Espanha viraram as próximas grandes apostas. 

Cláudio Martins, consultor e Wine Advisor of the Year no Reino Unido por dois anos consecutivos, gostava de ver Portugal nesse mapa. Foi assim que nasceu o , que junta vinhos portugueses a outros de outras origens excecionais. O primeiro foi um alentejano de talha, seguido pelo Priorat, em Espanha, Mosel, na Alemanha, e Toscânia, em Itália. 

Os preços variam entre os 900 euros (Mosel) e os 2000 euros (Priorat), podendo chegar aos 28 mil em grandes formatos. Faltam ainda cinco vinhos para completar a constelação, mas já se conhecem as origens: dois franceses (de Bordéus e Champagne), um da Napa Valley, na Califórnia (único fora da Europa) e um da Geórgia, berço milenar da cultura do vinho. Para fechar, mais um português, desta vez fortificado. Provavelmente um Porto. 

Claudio Martins em Florença, nas caves onde envelheceu o Neptuno
Claudio Martins em Florença, nas caves onde envelheceu o Neptuno Foto: DR

Um toque de polémica 

Ao mesmo tempo que o consumo global de vinho abrandava, as novas gerações começaram a procurar vinhos mais leves, mas com história e identidade. Como refere Dominik Huber, do Terroir al Límit (produtor do vinho espanhol da coleção), “os millennials estão dispostos a pagar mais por vinhos de qualidade, se souberem que lhes dá prazer e prestígio”. É precisamente essa a filosofia da coleção — que junta produtores fora da caixa, interessados em recuperar castas autóctones e ancestrais, técnicas e saberes esquecidos.  

Entre as inspirações de Cláudio Martins está claramente o Liber Pater, a loucura bordalesa de Loïc Pasquet do qual também é embaixador. A sua colheita de 2015 chegou a ser vendida a 30 mil euros a garrafa, algo que o produtor justifica com a autenticidade: “os meus vinhos são feitos como no tempo da classificação dos Grand Crus em 1855. Agora está tudo mal, desde as castas aos lugares onde se plantam”, conclui sem meias palavras. Para tal resgatou castas pré-filoxera e plantou-as em pé franco - sem as enxertias que salvaram as videiras da praga – uma atitude encarada como um sacrilégio. 

Também os Vinhos do Outro Mundo nasceram envoltos em polémica. Houve quem criticasse os preços elevadíssimos sem historial que o sustentasse ou duvidasse do seu impacto na imagem do vinho português. Cláudio Martins será o primeiro a aceitar que o seu método está longe de ser convencional. “É muito diferente de vender vinhos en Primeur. Muitos foram comprados antes sequer de anunciarmos o produtor. É necessário ter uma fé muito maior” - daí que a qualidade destes vinhos iniciais fosse fundamental para o sucesso do projeto, algo que foi possível descobrir numa recente prova com os quatro vinhos já lançados.  

WFAW Almoço de apresentação do Neptune, junto às vinhas de Bibi Gratez e com vista para Florença
WFAW Almoço de apresentação do Neptune, junto às vinhas de Bibi Gratez e com vista para Florença Foto: DR

Júpiter, Alentejo. Ano de lançamento: 2021 

Nasceu de uma vinha com mais de 80 anos, perto da Vidigueira, com várias castas misturadas. Envelheceu em ânforas durante 48 meses — algo quase impensável em talha. “A evolução não parava de nos surpreender”, refere Pedro Ribeiro, da Herdade do Rocim. O resultado é um tinto profundo, com uma forte componente mineral e um lado de barro, terroso, a fazer lembrar um grande de Bordéus. Taninos polidos, fruta pura e um final muito longo. Continua a mostrar sinais muito positivos da sua evolução em garrafa.  

Uma edição de 800 garrafas, a 1000 euros cada, e esgotaram rapidamente. “Hoje podemos dizer que é um vinho de investimento”, avança Claúdio Martins, explicando que as “as garrafas já são transacionadas ao dobro do preço”. Chegou a ser servido num restaurante londrino de Gordon Ramsay a 500 euros o copo. 

WFAW Jupiter Box
WFAW Jupiter Box Foto: DR

Saturno, Priorat. Ano de lançamento: 2022 

Produzido por Dominik Huber, da Terroir al Límit, é um vinho leve e pouco alcoólico que rompe com o perfil típico do Priorat. Na realidade, nem sequer pode ter essa denominação de origem, que exige um mínimo de 13,5 graus de álcool. Este tem apenas 12,5 – mas Dominik garante que esse era o perfil verdadeiro da região, no início do século passado.  

Feito de 95% Garnacha Peluda e 5% Garnacha Branca, destaca-se pela fruta limpa e uma elegância notável, assim como pela evolução muito positiva em garrafa. A mais surpreendente dos quatro. É o mais caro da coleção — cerca de 2000 euros — e o primeiro a ser lançado em grandes formatos, incluindo uma Balthasar de 12 litros. Apenas sobra 10% da edição e alguns grandes formatos.  

WFAW Priorat
WFAW Priorat Foto: DR

Saturn, Mosel. Ano de lançamento: 2023 

A seguir viajámos até ao rio Mosel, na Alemanha, onde a família de Ernst Loosen está ligada ao negócio há mais de 200 anos. A parte mais difícil está, portanto, “despachada”. O primeiro branco da coleção é um tributo aos Rieslings antigos, mais secos, tensos e menos doces. Das vinhas da família saem algum dos melhores Grand Crus de Mosel, mas nem mesmo os melhores estagiam 8 anos em foudre como fez este Saturno. “Em descanso total, sem battonage ou qualquer intervenção”, dizem-nos. Austero e complexo, é surpreendentemente fresco, jovem e gastronómico. Custa cerca de 900 euros e metade das unidades já foram vendidas.  

WFAW Saturn Box
WFAW Saturn Box Foto: DR

Neptuno, Toscânia. Ano de Lançamento 2025 

A mais recente novidade chegou já em setembro, vinda da Toscânia, das vinhas de Bibi Graetz, artista e pintor, transformado em viticultor. Bibi apostou exclusivamente em castas tradicionais, como a Sangiovese, quando todos preferiam fazer os chamados Super Toscanos, com mistura de castas francesas no lote. Bibi Graetz prefere os “Puro Toscanos”, como este Neptune, um vinho muito mais aberto e elegante. Edição limitada de 565 garrafas, de 75 cl apenas, por 1100 euros. Sessenta por cento já estão vendidas. 

A melhor forma de seguir e comprar estes Wines From Another World é juntar-se ao clube WFAW. “São peças de coleção e queremos que estejam nas mãos de conhecedores”, explica Cláudio Martins, que mesmo sem ter concluído a coleção, desvenda já alguns dos planos para o capítulo seguinte: “A versão 2.0 estará mais ligada às experiências, com provas exclusivas de vinhos raríssimos ou a possibilidade de criar um vinho feito à medida.” 

WFAW Neptune
WFAW Neptune Foto: DR
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