Cura: entre a comida lá de casa e as estrelas Michelin
Quando Pedro Pena Bastos saiu do Cura, não faltou quem vaticinasse a morte da estrela Michelin do Ritz. Meio ano depois, a aposta na tranquilidade − foi o subchefe quem assumiu as rédeas − revelou-se a mais acertada.
Tem nome de lavrador - literalmente, Rodolfo Lavrador - e as mãos calejadas por muitos anos de cozinha. De Nova Iorque a Lisboa, com escala em Londres. Foi com essa bagagem e confiança que assumiu, no início do ano, a chefia do Cura, o restaurante de fine dining mais exclusivo do Hotel Ritz, onde já trabalhava como subchefe. Nesta nova fase, conta também com a ajuda de Marina Garcia, a antiga junior subchef, agora promovida a número dois - uma espécie de revolta das segundas linhas, ou de como o talento, tantas vezes, está apenas à espera de ser visto.
Rodolfo Lavrador não foge ao discurso clássico dos chefs - “sem boa matéria-prima não há boa cozinha” ou “a sazonalidade é o que dita as alterações do menu” - mas, as suas palavras são para ser levadas à letra, uma vez que anda efetivamente à procura de novos ingredientes por esse país fora.
Entre as descobertas está o feijão “bago de arroz”, uma variedade diminuta (daí o nome) e mais saborosa de feijão-frade, típica da Beira Baixa e praticamente desconhecida fora da região. No novo menu do Cura, acompanha um tagliatelle de lulas com esferificação de algas e flores de sabugueiro. O conjunto é harmonioso, mas é a textura firme do feijão que faz a diferença no prato.
Há mais exemplos, como a raiz de alface, ingrediente que aprendeu a trabalhar em Londres, com Nuno Mendes, e que hoje já encontra em produtores de Torres Vedras. “Acho que neste momento conseguimos cobrir todo o continente e ilhas”, diz, em linha com o ADN do Cura - uma verdadeira curadoria do melhor de Portugal.
“Gosto que a comida seja uma coisa emocional, com um toque de nostalgia”
Esta será, talvez, a frase que melhor define a sua gastronomia. E ao longo da carta - que ultrapassa os dez momentos - sentimos esse lado emocional, mesmo quando não é evidente ou quando os ingredientes vêm de outras latitudes. “Também não é preciso ir ao receituário tradicional de forma muito óbvia”, admite. “Por vezes basta um pequeno toque para fazer a diferença.”
O lírio dos Açores com berbigão, pepino e wasabi é um exemplo, com um molho de leche de tigre típico do ceviche, mas com subtis notas de Bulhão Pato.
A açorda de carabineiro é, talvez, o prato que mais “lembra a casa”, mas continua a surpreender. Tem por base um pão de massa mãe feito no restaurante e um molho super apurado, preparado com as cabeças e cascas do carabineiro. Acompanha com acelgas temperadas com balchão macaense — ligeiramente picante e especiado. É um elemento dissonante, mas confere originalidade. O prato é finalizado à mesa, com um sal muito fino feito das cabeças do carabineiro trituradas e secas, que intensifica o sabor e perfuma o ar.
Tem tudo: tradição, técnica, criatividade e sustentabilidade - nada se perdem tudo se aproveita. É um prato guloso, cheio de sabor, mas surpreendentemente leve.
O cherne do Atlântico é outro destaque. Grelhado, com pele estaladiça, vem acompanhado por um molho de pimentos assados e pimentos vermelhos fermentados, além de um picadinho de pimentos verdes temperado com uma vinagrete de coentros e hortelã. Junta-se caviar Oscietra e uma salada de espinafres do mar, ligeiramente fumada. “É um prato que representa as nossas festas de verão”, conta Leonor Bessa, da equipa de cozinha. “Tem muito fumo e muita frescura, com os pimentos e a vinagrete.” Finaliza-se com uma manteiga de algas, que acrescenta doçura e liga todos os elementos.
O cherne surge logo após o momento do pão - um dos melhores que já provámos. Servem pão de massa mãe feito com trigos ancestrais (o mesmo que será aproveitado na açorda) e um brioche de leite com manteiga de algas. Este último é irresistível para molhar no molho do cherne. E, convenhamos, não há nada “mais casa” do que limpar um prato com pão.
Cinco anos e uma nova vida
O Cura nasceu como o restaurante de Pedro Pena Bastos, que lhe deu identidade e alma, elevando a oferta gastronómica do Ritz. A estrela Michelin chegou depressa, mas a segunda nunca veio. Cinco anos depois, o chef decidiu sair e o grupo hoteleiro apostou em promover quem já conhecia o terreno.
Até porque as distinções não eram novidade para Rodolfo Lavrador, que começou por se formar em Direito na Universidade de Lisboa antes de trocar os códigos por receitas. Em Nova Iorque, formou-se no International Culinary Center e integrou a equipa do Agern, restaurante com estrela Michelin. Mais tarde, em Londres, ajudou Nuno Mendes a conquistar outra estrela no Mãos. De regresso a Portugal, liderou a cozinha do Ofício antes de aceitar, em 2022, o convite do Cura para ser subchefe. “A alta gastronomia falou mais alto”, admite.
Consciente do legado que recebeu, Rodolfo tem evoluído a carta com respeito pela herança recebida, mas imprimindo cada vez mais o seu cunho pessoal. E foi ele já quem recebeu a notícia de que o Cura tinha entrado para a lista 50 Best Discovery e conquistado os dois Sóis no Guia Repsol.
Jantares de aniversário
Para assinalar o quinto aniversário, o chef decidiu convidar dois nomes maiores da gastronomia portuguesa para jantares a quatro mãos. O primeiro acontece já a 6 de novembro, com Rui Silvestre (1 estrela Michelin no Fifty Seconds), e o segundo a 13 de novembro, com Rui Paula (2 estrelas Michelin na Casa de Chá da Boa Nova). Em ambos, serão servidos menus de dez momentos que juntam alguns dos pratos mais emblemáticos de cada chef - incluindo, claro, a Açorda de Carabineiro e o momento do pão, assinatura do Cura. Cada jantar terá um custo de 345 euros, com harmonização vínica ou não alcoólica incluída.
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