Prazeres / Lugares

Palacete Severo. O refúgio urbano de cinco estrelas que faz esquecer a agitação típica do centro do Porto

Os muros altos que rodeiam esta casa centenária, da qual a história, a arte e a intemporalidade são protagonistas, escondem uma realidade quase paralela na zona da Boavista. Do jardim à galeria e do spa aos restaurantes com cartas assinadas por Tiago Bonito, há muito para explorar.

Foto: DR
Ontem às 14:38 | Patrícia Santos

Numa rua portuense como tantas outras, aquela que foi uma das figuras mais ilustres do século XX desenhou e construiu o que viria a ser um dos melhores exemplares da chamada "casa portuguesa". Falamos de Ricardo Severo (1869-1940), um homem de espírito inovador que não só se destacou por desempenhar múltiplos ofícios — atuou como arquiteto, engenheiro, arqueólogo, escritor e político —, mas também pela excelência com a qual exerceu todos eles. O seu amor e respeito pela arte e pelo património, visíveis em cada detalhe, tornaram intemporal este edifício centenário, que hoje se considera ter interesse histórico.

A intemporalidade da mansão, assim como a sua versatilidade, ficou particularmente evidente em outubro de 2024, quando reabriu como boutique hotel. A atual vida do Palacete Severo, como foi rebatizado, é fruto de obras de restauro iniciadas em 2022. Além de a elevar a um novo patamar de comodidade e tecnologia, estas pretendiam recuperar o esplendor da residência original, que há vários anos parecia condenada ao abandono. O mobiliário contemporâneo juntou-se então a pormenores únicos que convidam a uma viagem no tempo. Dos tetos em madeira aos azulejos espalhados pelas paredes, das pinturas às janelas, do chão de mosaico com padrões geométricos às portadas, das cerâmicas às estátuas e das cores que se refletem através dos vitrais às ferragens, há muito para apreciar da mente criativa que idealizou todo o conceito. 

A atual vida do Palacete Severo, como foi rebatizado, é fruto de obras de restauro iniciadas em 2022.
A atual vida do Palacete Severo, como foi rebatizado, é fruto de obras de restauro iniciadas em 2022. Foto: DR

A revitalização partiu dos atuais proprietários, um casal de investidores franceses que partilha uma profunda ligação ao património natural e cultural. "Quando andavam à procura de um lugar para investir no centro do Porto, tinham objetivos claros. Queriam um sítio com história, que refletisse o legado da cidade e no qual pudessem criar uma espécie de refúgio urbano. Algo relativamente pequeno e bastante intimista, onde as pessoas conseguissem, com serenidade, conforto e exclusividade, desconectar-se um bocadinho da agitação do dia a dia. Também era essencial que tivesse um jardim a envolvê-lo. Foi, precisamente, o jardim a cair sobre a rua, que vieram a descobrir estar repleto de plantas centenárias e fontes de água, o responsável por atraí-los para o imóvel. Ao verem a casa e perceberem que estava para venda, não pensaram duas vezes", começa por explicar Joana Almeida, a diretora-geral, à Must

O jardim está repleto de plantas centenárias e fontes de água.
O jardim está repleto de plantas centenárias e fontes de água. Foto: DR

Concluída a compra — e passada a pandemia de Covid-19 —, seguiu-se "um cuidado processo de restauração, que manteve todos os materiais originais. Foi um trabalho tranquilo, mas longo e de minúcia, com mão de obra especializada e o maior respeito pelo passado da propriedade. A ideia nunca envolveu grandes alterações. Os donos apenas pretendiam conservar a autenticidade e essência do espaço, honrando a memória do artista que, há cerca de 120 anos, o criou. Acreditavam que só desta forma poderiam vir a posicionar-se como um destino de excelência no turismo de luxo, capaz de proporcionar estadias verdadeiramente memoráveis", acrescenta a responsável por este cinco estrelas na Boavista. 

O cuidado processo de restauração manteve todos os materiais originais.
O cuidado processo de restauração manteve todos os materiais originais. Foto: DR

Uma obra de arte em cada esquina

Entre quartos e suítes, o hotel conta com 20 acomodações arquitetadas por Paulo Lobo, reconhecido designer de interiores, que conquistam com camas largas, casas de banho amplas com piso aquecido e vista para o jardim e/ou piscina. No palacete, ficam os 11 Heritage, com pequenas varandas ou terraços e tons neutros e serenos. Um deles, com porta privada para o jardim, tem a particularidade de já ter funcionado como o escritório de Ricardo Severo. Os nove Garden, com a mesma decoração estética, mas maiores, ficam num edifício construído do zero, nas traseiras. Todos têm vista para a piscina e tons aconchegantes e quentes. 

Independentemente do aposento que escolher, é certo que todos terão pelo menos uma obra de arte para admirar. Isto porque a residência foi o local eleito para abrir uma segunda Perspective Gallery. A primeira nasceu em Paris, há 20 anos. Com essa abertura, Géraldine Banier, uma das novas proprietárias, tinha apenas como ambição oferecer diferentes perspetivas sobre a arte contemporânea, através de um diálogo contínuo entre criadores de múltiplas origens culturais, públicos e territórios. 

Todos os aposentos apresentam, pelo menos, uma obra de arte para admirar.
Todos os aposentos apresentam, pelo menos, uma obra de arte para admirar. Foto: DR

"Uma das partes mais apelativas do hotel é a possibilidade que nos dá de coabitar com uma galeria de arte que tem vida e programação própria. A cada dois meses, há uma exposição para conhecer, que traz ao Porto uma série de quadros, pinturas, esculturas e instalações, capazes de atrair um público letrado e que se interessa por arte. Esta transformação constante dos espaços permite uma dinâmica curiosa, visto que a forma como os vivemos muda sempre que uma mostra dá lugar a outra. E é tudo pensado ao pormenor para que cada peça faça sentido no local em que é inserida. Acabamos quase por ter vários hóteis, uma vez que um hóspede que venha este ano e no próximo depara-se com ambientes distintos. Aconteceu há pouco. Um cliente antigo pediu para ficar no mesmo quarto. Acedemos. Ao vê-lo, insistiu que era outro. Dizia que não estava igual. Na verdade, apenas alteramos os quadros", conta Joana Almeida.

Até 7 de julho, mediante reserva, pode ver "Corps Prodiges". A exibição, com curadoria de Paul Ardenne, parte da premissa que "o corpo humano, para o próprio ser humano, não basta", de modo a explorar a sua dimensão simbólica, espiritual e transcendente. As propostas plásticas de Tia-Calli Borlase, Anne Brenner, Philippe Desloublières, Qin Han, Maël Nozahic, Agnès Pezeu, Rachel Renault e Wang Yu, ainda que muito díspares, unem-se aqui "em torno desta noção de ‘prodígio’, ou seja, segundo o dicionário, aquilo que se distingue por uma disposição ‘extraordinária, de caráter mágico ou sobrenatural’", como se pode ler na página da galeria. "A maneira como esses(as) artistas se figuram ou nos figuram", ecoa esse corpo dos prodígios que "detém a capacidade insólita de entrar em conexão com mundos ocultos, invocar espíritos ou alcançar o êxtase, em virtude desse princípio maior: a capacidade de fazer evoluir a sua condição humana, de a metamorfosear". 

Neste sentido, surgem pinturas como as de Anne Brenner, através das quais é possível observar "corpos projetados em universos florais, no seio acolhedor e nutriente de paraísos artificiais onde a vida, de repente, deixa de ser pesada, sufocante e cheia de angústias existenciais". Já o universo criado por Maël Nozahic "permite que uma mulher se torne um corpo celeste, se veja vestida de poeira estelar e reivindique o status cobiçado — ao mesmo tempo maravilhoso e fantasioso — de figura cósmica, à semelhança do colar de estrelas e galáxias". Isto porque o corpo, na obra de Nozahic, "não pode, de facto, ser contido em si mesmo: adquire poderes superlativos, o dom inesperado da metamorfose mágica ou jubilosa".

De olhos postos nas estrelas

Após deixar o Largo do Paço, em Amarante, onde manteve uma estrela Michelin durante seis anos, não faltaram propostas a Tiago Bonito. Conquistado pelo legado do Palacete Severo, o chef de Montemor-o-Velho acabou por eleger e desenhar as suas propostas gastronómicas. "Conheci o projeto através dos proprietários, que frequentavam o restaurante na Casa da Calçada. Quando me falaram deste sítio e contaram que queriam dar-lhe uma nova vida, sem desrespeitar o passado e o património, pareceu-me ser o desafio certo para mim. Gostei, sobretudo, de estarem interessados em conservar, ao invés de apagar ou reescrever a história. Não queriam escrever um novo livro, mas novos capítulos", partilha o cozinheiro. 

Tiago Bonito:
Tiago Bonito: "Quando me falaram deste sítio e contaram que queriam dar-lhe uma nova vida, sem desrespeitar o passado e o património, pareceu-me ser o desafio certo para mim. Gostei, sobretudo, de estarem interessados em conservar, ao invés de apagar ou reescrever a história. Não queriam escrever um novo livro, mas novos capítulos". Foto: DR

O Bistrô, no pátio interior, é o ideal para quem quer experimentar as criações mais informais de Tiago. "Para este espaço, que é bastante descontraído e casual, fizemos uma homenagem à cidade. Contamos, portanto, com vários pratos baseados na gastronomia portuense, feitos com bons produtos regionais. A essência da cozinha portuguesa, de um modo geral, está igualmente presente, pois acreditamos ser o que os clientes procuram. Apostamos então em ingredientes como o bacalhau, que é uma das grandes bandeiras do país, e a carne de raças autóctones, da maronesa à minhota e da mirandesa à alentejana, para temos um bocadinho de tudo o que nos representa em termos de produto nacional. Agora, claro que a carta não é 100% tradicional. Também temos inovação e recriação. Por exemplo, o leitão à bairrada tem a mesma receita, o mesmo tempero e a mesma maneira de confecção, só apresentamos de maneira diferente, num bao, que é um pão tailandês cozido a vapor. A essência permanece na crocância, no molho, no alho e na cultura", explica. 

No Bistrô é possível contar com vários pratos baseados na gastronomia portuense, feitos com bons produtos regionais
No Bistrô é possível contar com vários pratos baseados na gastronomia portuense, feitos com bons produtos regionais Foto: DR

Para começar a refeição, as amêijoas à Bulhão Pato com maionese de alho negro (€29/250g) e o carpaccio de polvo, com pimento fumado, cebola roxa e azeitona kalamata (€21), são opções a considerar. Nos pratos principais, há clássicos como o arroz malandrinho de peixe e camarão (€34), a presa de porco ibérico, servida com migas de espargos, amêijoas, pimentão e coentros (€30), e a paletilha de cordeiro de leite, acompanhada por arroz de forno e grelos salteados (€60 para duas pessoas). Finalize com um mil folhas de chocolate branco, framboesa e gelado de pistáchio (€10) ou o creme brulée de yuzu, com sorbet de maracujá, iogurte grego e gengibre (€11). 

Mil folhas de chocolate branco, framboesa e gelado de pistáchio.
Mil folhas de chocolate branco, framboesa e gelado de pistáchio. Foto: DR

Numa das salas mais icónicas do hotel, fica o Éon, o restaurante de fine dining que Joana Almeida acredita poder vir a ganhar uma estrela Michelin. Não sendo uma prioridade, Tiago mostra-se confiante. "O nosso trabalho passa por apresentar um serviço de excelência todos os dias. Se com isso vier a estrela, ficamos gratos, claro. Sendo um reconhecimento para toda a entidade e a equipa, é algo que toda a gente gostaria de conseguir. O mérito maior, contudo, será sempre para quem nos visita e acredita em nós", garante. 

Numa das salas mais icónicas do hotel, fica o Éon, o restaurante de fine dining que Joana Almeida, diretora-geral do Palacete Severo, acredita poder vir a ganhar uma estrela Michelin.
Numa das salas mais icónicas do hotel, fica o Éon, o restaurante de fine dining que Joana Almeida, diretora-geral do Palacete Severo, acredita poder vir a ganhar uma estrela Michelin. Foto: DR

O espaço, a funcionar apenas de quinta-feira a domingo, ao jantar, convida a uma viagem sensorial por histórias que ultrapassam o tempo. "O Éon baseia-se nas memórias, tanto nas minhas como nas do palacete, e na identidade da nossa gastronomia. Isto nota-se na reinterpretação de clássicos como o bacalhau à Brás [com gema curada e azeitona], que me lembra o da minha mãe. Já o cozido à portuguesa evoca o inverno, o fumeiro e a matança do porco, muito cultural no norte. Um ritual que reúne a família e no qual até os vizinhos participam. Apesar dessa ancestralidade, o prato surge numa versão moderna e desconstruída, mas o caldo, os enchidos, as carnes e os legumes — tudo o que o tornam especial — continuam lá.  É a partir destas recordações de infância, assim como das nossas raízes e vivências, que usamos a criatividade e vamos além da imaginação para proporcionar uma experiência imersiva. Mais do que reavivar e preservar memórias, queremos que os clientes possam criar novas. E ambicionamos superar expectativas. Porque fazer boa comida é a parte fácil. Quando se tem um produto de qualidade, é só não estragar. Difícil é surpreender e desafiar, constantemente, quem nos visita", conclui.

O Éon disponibiliza dois menus de degustação, um de 14 (€150 ou €230 com pairing de vinhos) e outro de nove momentos (€100 ou €150 com pairing de vinhos), construído a partir de ingredientes como o atum rabilho, o carabineiro, o cherne, a lula, o novilho e o caviar.

O bem-estar como modo de vida

Numa casa em que o tempo parece abrandar de modo a possibilitar uma desconexão total com o mundo para lá dos muros altos que a envolvem, não podia faltar um spa. Banho turco com luz direta, haloterapia — que tem lugar numa sala de sal dos Himalaias com cromoterapia e luz direta —, ginásio 24 horas e piscina exterior de água salgada e aquecida são alguns dos destaques deste centro de bem-estar, onde acontece uma estreia. "A Olivier Claire, uma marca francesa de excelência que é pioneira em cuidados naturais da pele, escolheu-nos para a sua entrada em Portugal. Ou seja, somos o único sítio no país a trabalhar com estes produtos, conhecidos pelas elevadas concentrações de ingredientes ativos à base de plantas, o que causa um efeito imediato e duradouro", revela Joana Almeida. 

O spa conta com banho turco com luz direta, haloterapia — que tem lugar numa sala de sal dos Himalaias com cromoterapia e luz direta —, ginásio 24 horas e piscina exterior de água salgada e aquecida.
O spa conta com banho turco com luz direta, haloterapia — que tem lugar numa sala de sal dos Himalaias com cromoterapia e luz direta —, ginásio 24 horas e piscina exterior de água salgada e aquecida. Foto: DR

O Grand Soin (€200/105 minutos), um "tratamento holístico à base de plantas, especialmente concebido para restaurar a firmeza e a vitalidade da pele", é um dos ex-líbris do spa. Este "reforça a atividade celular" através da "sinergia de princípios ativos únicos e naturais, combinados com uma série de manobras envolventes, oxigenantes e suavizantes", indica o menu.

Onde? Rua Ricardo Severo, 21 (antiga rua do Conde, no Porto). Horário? Éon Restaurant — Quinta a domingo, das 19h30 às 23h00. Bistrô — Todos os dias, das 7h30 às 10h30 e das 12h30 às 15h. Spa — Todos os dias, das 9h às 20h. Reservas? 22 967 7000 / hotel@palacetesevero.com.

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