Antes de morrer, John Lennon deixou uma cassete com demos de músicas compostas por si, que cantava e tocava no piano, na qual escreveu "For Paul" (para o Paul). Em 1994, Yoko Ono entregou a cassete a Paul McCartney e os três elementos do grupo começaram a trabalhar nessas músicas, transformando-as nos dois êxitos póstumos que o público veio a conhecer como Free as a Bird e Real Love. Mas a cassete continha uma terceira demo que esteve quase 30 anos sem ver a luz do dia, porque, por mais que Paul, Ringo e Harrison tentassem, era um diamante em bruto que não conseguiam polir. E desistiram.
Em 2021, aconteceu uma coisa que levaria Paul e Ringo a soprar o pó à velha demo: Peter Jackson, o realizador de O Senhor dos Anéis – a vida tem coincidências engraçados –, realizou e produziu Get Back, uma minissérie documental sobre os Beatles. Jackson tinha a tecnologia necessária para separar e tornar mais claros os sons da demo, e Paul e Ringo decidiram mandar-lhe a cassete. A voz que Jackson lhes devolveu tinha uma tal clareza e limpidez que era como se John estivesse ali mesmo, com eles no estúdio – um momento particularmente tocante da curta-metragem.
Com os sons separados, podiam agora aumentar a voz de John sem aumentar também o piano, que tinha sido um dos problemas. Paul pode adicionar-lhe o baixo, Ringo acrescentou a bateria, e foram buscar o solo de guitarra que Harrison havia gravado para a tentativa frustrada de 1995. Finalmente, a demo começava a parecer-se com alguma coisa. O resultado final é uma música comovente, que parece, ao mesmo tempo, um hino à amizade e ao amor e uma despedida. Algo que se sente com particular pungência se ouvirmos a música enquanto vemos o videoclip realizado por Peter Jackson, que, como seria de imaginar, o transformou num último tributo à banda. Com uma mistura de imagens dos cantores em jovens, em concertos, e gravações mais intimistas, feitas durante sessões de estúdio e em família. A determinada altura, vemos John Lennon ainda vivo a tocar ali mesmo, ao lado de um Paul McCartney com 81 anos e de um Ringo Starr com 83, acompanhados por um também vivo (e jovem) George Harrison.
Now and Then é, em todos os aspectos, uma última canção perfeita. Se John soubesse que esta seria a sua última música, dificilmente teria feito melhor trabalho.