Prazeres

Constança Cordeiro, bartender. “Se o cocktail é um luxo, queremos criar experiências de bem-estar”

Irrequieta e apaixonada pelo seu trabalho, Constança Raposo Cordeiro tem vindo a afirmar-se numa profissão que era tradicionalmente masculina. Cinco anos depois de abrir o bar Toca da Raposa criou o UNI, com novo conceito, e promete voltar a surpreender.

Foto: UNI
08 de março de 2023 | Maria João Martins
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O ambiente é intimista e convida à partilha de confidências. Só que, ao contrário do que acontece nas canções de Sinatra, do lado de lá do bar não está um bartender solidário com corações partidos que ali aportem, mas a bartender Constança Raposo Cordeiro, que há 5 anos já abrira em Lisboa o bar Toca da Raposa (Rua da Condessa, 45). Em dezembro passado, Constança inaugurou um segundo espaço com novo conceito: Chama-se UNI e mora na Rua do Século, 204. 

O nome não foi escolhido ao acaso nem em função da sonoridade. Corresponde à proposta que a bartender faz ao cliente: a partir do álcool como condutor de sabor, a ênfase é colocada nas frutas, plantas, minerais e cereais nacionais. A ideia é encarar e saborear cada cocktail como se de um bom perfume se tratasse, já que cada um leva entre 10 e 15 ingredientes, trabalhados através de técnicas diversas como a maceração, destilação, força centrífuga ou infusão, até que se chegue a um sabor único e indivisível, que seja uma verdadeira soma das partes. "O segredo é chegar a algo em que quem bebe não consegue identificar os elementos ali presentes. A Coca-Cola é um bom exemplo do que se pode considerar um uniflavor."

Foto: UNI

Na sua belíssima estação de bar, Constança serve-me um dos dez cocktails da lista do Uni, todos ao preço unitário de 16 euros. Mas primeiro há que limpar o palato com uma rodela de kiwi amarelo e gengibre. Só depois entra em cena o protagonista do momento: em tons rosáceos, servido num copo de vidro fino, leva, entre outras coisas, fermentado de kiwi, alga, arroz tostado, pêra nashi, aneto, jasmim, líquenes e pedras. Movida pela criatividade e pela intuição, Constança gosta de trabalhar "com matérias-primas em bruto, frutas, legumes, cereais, plantas silvestres, plantas de cultivo e o objetivo é sempre extrair o sabor da forma mais eficiente possível sem grandes manipulações". Para além do mais, ao longo dos vários anos que já leva de trabalho, constituiu uma impressionante base de dados, onde "já estão identificados mais de 200 ingredientes." Abastece-se nos mercados da cidade mas vai também a ervanárias (como a clássica Rosil, na Rua da Madalena) ou na própria mata de Monsanto, que é um bom repositório de ingredientes como os líquenes ou o pinheiro. 

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Foto: UNI

"Tinha muita vontade de ter um bar pequeno e intimista, diferente da Toca da Raposa", diz Constança. "Assumindo que beber cocktails é um luxo, concebi este espaço como um lugar que proporcione a quem o procura um bem estar incrível. Ao contrário do que acontece n'A Toca da Raposa, aqui só se pode beber um dos dez cocktails da carta. Não se servem margaritas, vinhos ou cervejas." Para chegar aos dez "eleitos" (com identidades diversas como tropical, leve, frutado, forte, aveludado, ácido, elegante ou até mesmo selvagem), a bartender fez mais de um ano de testes: "Tive de me libertar das minhas referências anteriores, incluindo a tentação da auto-cópia", assume. Para o conseguir, desenvolveu um método próprio: "Comecei por me focar na cor. Para um cocktail que é branco decidi usar leite de coco, sementes de coentros, maracujá, aipo e por aí adiante." O mesmo para as outras cores e com um espírito aberto e disponível: "Se eu quero criar uma coisa nova, nem sequer posso saber para onde vou. Ia misturando, equilibrando, até chegar a algo que funcionasse de facto como um sabor único." Age muito por intuição e aprende com o que, neste laboratório de gostos, acontece por acidente: "É o caso do fermentado de kiwi. Houve um sumo que fermentou, provei e percebi que era delicioso. Pensei logo: vou usar isto para o UNI."

Foto: UNI

Neste pequeno gabinete de prazeres, o requinte passa também pelo ambiente criado. A estação de bar, à volta da qual há espaço para nove convivas, espelhada no topo, é assinada pela empresa norueguesa Behind Bars, sendo a base de esponja recortada trabalho de João e Carolina Parrinha, da Softrock. 

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Foto: UNI

Formada em Gestão Hoteleira, Constança, natural de Lisboa, começou por trabalhar na área da restauração de um hotel de cinco estrelas na capital. Mas por ter achado o trabalho pouco criativo, experimentou o bar e apaixonou-se "quer pela dinâmica, quer pelo contacto com o cliente, que se faz muito mais frente a frente." Foi para Londres estudar e experimentar, aí ficou 4 anos. No regresso a Lisboa, abriu o bar Toca da Raposa.

Foto: UNI

Irrequieta por natureza, sentiu mais recentemente que precisava da excitação de um novo desafio: "A Toca é um sucesso, felizmente, mas, para mim, precisava de algo novo. O UNI acaba por ser um reflexo dessa minha inquietude." Mulher numa profissão ainda muito associada ao universo masculino, Constança nunca se sentiu menosprezada ou desconfortável: "Pelo contrário, senti que beneficiei de uma descriminação positiva quando apareci. Era uma novidade, por isso, as pessoas procuravam-me muito por causa disso." Não se deslumbrou e prosseguiu o seu domingo: "Tenho trabalhado muito para provar que estou à altura desse palco."

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Onde? Rua do Século, 204. Horário: aberto de 4ª a domingo, das 18 às 2 horas. Dada a dimensão do espaço, é muito recomendável fazer reserva prévia (968759192).

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