Estilo / Moda

Como se produz Moda sustentável em Portugal? A ISTO leva-nos a saber

Desde o ano de 2017 que a ISTO exibe a bandeira da sustentabilidade, que é hoje a sua imagem de marca. Assim, e na lógica da transparência que apregoa, convida clientes e curiosos a passar um dia nas fábricas têxteis do norte de Portugal, para conhecer todos os processos de fabrico. Chamou a esta iniciativa Factourism e nós fomos à primeira edição.

FACTOURISM
21 de outubro de 2022 | Patrícia Barnabé
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O dia ainda não tinha rompido, estava noite cerrada, e nós a caminho do norte do país. Foi a última semana de setembro de um verão tardio, uma madrugada fácil, tanto quanto conseguem ser fáceis as madrugadas, e fizemo-nos à estrada recolhendo também no Porto os que se inscreveram para esta pequena aventura: uma marca de Moda portuguesa que acredita num futuro mais verde para a indústria e quer mostrar como o faz partindo da sua t-shirt. A t-shirt que é a peça mais vendida da marca, feita em algodão Supima, o que lhe confere um nível de conforto superior, mas também uma durabilidade e retenção de cor invulgares. Todos sabemos que essa durabilidade é a chave para a quebra do ciclo de consumo desenfreado onde entrámos desde os anos 90 até sermos obrigados a perceber o que isso tem significado para a destruição do planeta.

Foto: FACTOURISM

A malha dos jerseys de algodão da t-shirt da ISTO – que significa independent, superb, transparent e organic - é feita na Ferreirotex, depois é lavada e tingida e amaciada, para um toque mais confortável, na tinturaria Iris e na NGS Malhas, cosida, finalizada e empacotada na Junius Têxteis. Este algodão Supima, que representa menos de 1% do algodão plantado no mundo inteiro, é proveniente dos Estados Unidos da América e o seu fio é importado para Portugal. A maioria do algodão orgânico que cá chega vem da Turquia ou da China, a Ferreirotex diz apostar na proveniência de fornecedores mais confiáveis, "onde haja alguma traçabilidade e não haja falsificação de certificados", diz-nos Paulo, o responsável pela tricotagem, "e há uma parte em nós que tem mesmo de confiar: 80% está garantido, mas ninguém me diz que o algodão seja todo 100% orgânico. Até porque, aqui e agora, não temos como saber o nível logístico e organizativo da maioria das empresas que trabalham o orgânico, e se têm uma rigorosa preocupação ambiental e social. Aqui na Europa e nos países ocidentais há uma maior rigidez em relação a esses parâmetros", acrescenta.

"São milhares de agulhas a produzir esta malha para que ela seja como é, uma mistura de algodão e elastano" muito suave e com um toque luxuoso. Claro que existem máquinas para fazer a malha específica dos colarinhos, ou dos punhos das sweatshirts, "e se for uma t-shirt de dupla face, usamos fios diferentes, para faces diferentes", explica Paulo. Também ficamos a conhecer as malhas de algodão com caxemira, de viscose com elastano, com linho, e as mais grossas, a felpa, precisamente para as mesmas sweats, e outras derivações mais finas ou caneladas para desporto, com qualidades extra de conforto e elasticidade. "No caso da ISTO, eles não querem misturar fibras, por isso as malhas e as máquinas que as fazem são separadas do resto da produção." É curioso perceber como as máquinas mais novas mantêm a mecânica das mais antigas, mas são mais rápidas, resistentes e fazem pontos mais complexos, assim como tecidos com larguras maiores. E existem, naturalmente, as especializadas em malhas mais abertas e em malhas mais fechadas. No fim da linha de produção, uma tela iluminada faz "uma espécie de raio X da malha, para perceber se tem riscos ou buracos", explica o responsável desta pequena fábrica de tricotagem. "Para as lycras há ultravioletas, como é mais "clara" precisa de uma luz especial para detetar defeitos criados por alguma agulha aberta, ou um fio com uma espessura e gramagem diferentes." Por isso, fazem meio rolo de tecido para perceber se está tudo bem, e só depois continuam a sua produção. Para se ter uma ideia, na Ferreirotex produz-se entre 350 e 450 metros de tecido num dia médio de trabalho.

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Foto: FACTOURISM

"O camião descarrega aqui a malha", seguimos todos, fábrica fora, atrás de Nuno Cunha e Silva, o CEO da NGS malhas, até onde vamos assistir ao tingimento e acabamento da malha que, sabemos nós, é a fase mais poluente do processo de confeção têxtil. É a que gasta mais água e energia e a que produz os resíduos tóxicos que poluem rios no mundo mais pobre, por isso ficamos particularmente curiosos. "Os rolos são desenrolados aqui e unidos numa só peça, numa espécie de tubo, para entrarem nas máquinas de tingimento e lavagem", diz. É simples e é a primeira vez que vemos dois rapazes em frente a uma máquina de costura. Seguimos para a zona das grandes máquinas, responsáveis por aqueles processos, e empoleiramo-nos para espreitar o grande tambor em centrifugação. Reparamos que elas expelem os "excessos" da lavagem, os excessos do algodão dos tecidos, como pequenos fios e penugens, que depois solidificam numa espécie de espuma, que irá juntar-se aos sacos de restos de corte dos têxteis, e depois será recolhida por empresas de reciclagem para outro destino, como solas para calçado desportivo, por exemplo.

Foto: FACTOURISM

As malhas são "amaciadas e secadas" e depois voltam a ser "abertas para assegurar a sua estabilidade e que as medidas são as certas, que está tudo controlado para seguirem para a confeção", ou seja, de que a coloração está homogénea e "a gosto", explica Nuno. Observamos enormes máquinas que as estendem, esticam e voltam a enrolar em longos tubos, que são embalados. Neste caso, seguem para a Junius, que vai fazer as t-shirts da ISTO, mas a maioria vai para exportação, para a Europa, em especial França, mas também Estados Unidos. Quando chegamos à sala de corantes, perguntamos pelos mais naturais que já vimos serem utilizados noutras fábricas nacionais, e o jovem CEO diz que esse é o caminho que quer percorrer, mas que a fixação da cor destes novos processos ainda é difícil. Acrescenta que 20% da energia elétrica que a sua fábrica utiliza provém de painéis solares, enquanto atravessamos a sala de amostras, são centenas de pequenos tecidos coloridos pendurados. O grupo desta primeira edição do Factourism desagua numa grande varanda sobre as traseiras onde observamos três pontos de tratamento de águas: as fábricas são obrigadas a devolver ao rio a água que utilizaram, já devidamente limpa.

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Depois de almoçar um dos pratos típicos no norte, seguimos para a Junius, que pertence ao grande grupo Valérius Têxteis, dos mais comprometidos com a sustentabilidade, no nosso país. É deles o projeto 360º que faz a separação de todas as matérias-primas e transforma os restos das fábricas nacionais, e não só, em novo fio ou, quando não é possível, em papel de algodão. A Junius foi a primeira fornecedora da ISTO, e é sua a produção da peça propriamente dita, e o seu acabamento antes de chegar às lojas e a nossa casa. Fazem a receção do tecido, testam-no, fazem a modelagem, o corte, a costura, o acondicionamento e a embalagem, que observamos em passo lesto e em fascínio com aquele batalhão de mulheres concentradas nas suas grandes mesas de trabalho e nas suas máquinas de costura que mal respiram. Até a zona onde passam a ferro é bela, um formigueiro colorido e compenetrado sob uma luz dura e branca. Alguns elementos da equipa mostram-nos, cheios de brio, os detalhes do seu trabalho.

Foto: FACTOURISM

"É um grande orgulho para nós saber que os nossos clientes apoiam a marca e têm vontade de conhecer mais do que está por detrás dos nossos produtos", escreve-nos Pedro Palha, o sócio mais visível da ISTO entre os seus três fundadores, dias depois. Foi ele quem acompanhou o grupo, ao lado da diretora de marketing Leonor Ferreira Lopes. Queria um feedback dos participantes desta primeira experiência. "Foi um dia de aprendizagem e já estamos a pensar na próxima oportunidade de repetir esta experiência", sobre a qual terão novidades, no seu site, em breve. Ficamos com a sensação de ter ido numa visita de estudo, é uma excelente ideia levar os portugueses a conhecer a sua excelente indústria têxtil, que dá cartas internacionalmente e, acima de tudo, saber exatamente o que vestimos e de onde vem cada peça até chegar ao nosso armário. Um dia, tudo isto será um mantra natural, será mesmo uma exigência de cada um de nós.

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