Conversas

Eduardo Santini: "O rei Juan Carlos vestia-se na parte de cima da loja, que era a casa dos meus avós."

Novas lojas, novos sabores, um lote de café, parcerias, surpresas... O ano de celebração dos 75 anos da empresa vai trazer muitas novidades. Mas, aqui, a tradição ainda é o que era: os gelados são feitos com as mesmas receitas de 1949, ano em que a Santini abriu em Portugal.

Foto: DR
01 de abril de 2024 | Madalena Haderer

No ano em que o Santini faz 75 anos, fomos até a uma das lojas mais recentes – na praça D. Luís, junto ao Mercado da Ribeira – para conversar com Eduardo Santini, neto do fundador. Ficámos a saber o que mudou nestas mais de sete décadas – muito pouco –, falámos sobre o episódio do "gelado presidencial", que se tornou viral, conversámos sobre os planos para o futuro e sobre como é que uma marca consegue manter a popularidade ao longo de tanto tempo. Tivemos a sorte de marcar a entrevista para o dia em que foi lançado o lote de café Santini, portanto, a conversa começou particularmente bem – e acabou com um gelado, claro. Eduardo partilhou, ainda, o seu segredo infalível para avaliar a qualidade dos gelados de um concorrente – algo que recomenda que todas as pessoas façam. E falou sobre os dois sabores inventados pelos filhos. Um foi um sucesso retumbante, o outro... Ganhou o prémio de originalidade, digamos assim.

Fale-me, por favor, desta novidade que estamos a provar que é o café Santini?

Já há algum tempo que queríamos ter um café próprio, algo que se identificasse connosco, que nos permitisse também vender café para as pessoas consumirem em casa. Tinha de ser num formato compatível [cápsula]. E este ano, como fazemos 75 anos, achámos que seria uma boa ideia, uma boa prenda para os nossos clientes. É um café mais ao meu gosto, um café mais aromático, mais intenso, com bastante espuma. E daqui a uns tempos vamos fazer o gelado de café Santini. Um gelado de café com esse lote.

Lote Santini, um café aromático, intenso e com bastante espuma
Lote Santini, um café aromático, intenso e com bastante espuma Foto: DR

75 anos é muito tempo. Pode contar-me um pouco sobre a história da empresa? Como é que tudo começou?

Abrimos a primeira loja em 1949. O meu avô nasceu em Cortina d'Ampezzo, vem de uma família já com uma tradição na arte da geladaria, e decide aventurar-se pela Europa. Vai para a França, está lá uns anos, depois vai para a Espanha, conhece a minha avó e casa-se lá, na zona de Valência, trabalha num café e é convidado pelo cônsul português em Valência para vir para Cascais, que é uma zona em ebulição, com muitos refugiados [da Segunda Guerra Mundial], muitos membros das realezas europeiras. Abre uma loja junto à praia do Tamariz, no Estoril. Naquela altura não havia muitos gelados, fomos dos primeiros a ter a gelados na região. E resulta. Ganha uma legião de fãs. Faz amizades com a família real italiana e com a família real espanhola. O rei Juan Carlos veste-se na parte de cima da loja, que era a casa dos meus avós. Em 1960, abre uma loja no centro de Cascais, no edifício São José, ao lado do cinema [que já não existe], está ali uns anos, não resulta muito bem, e depois acaba por abrir na avenida Valbom, onde ainda temos uma loja.

É negócio familiar, puro e duro, até que, em 2009, resolvemos abrir o capital social da empresa, e começamos outra fase de crescimento. Abrimos uma loja, um ano depois, no Chiado, abrimos uma loja no Porto, e depois abrimos mais uns quantos pontos de venda na área metropolitana de Lisboa.

Tem mais planos de expansão para os próximos anos?

Temos previsto mais uma loja na zona de Lisboa, ainda não está completamente fechada, por isso não lhe posso dizer a localização. Mas vai ser uma loja um bocadinho diferente, terá até alguma produção na própria loja – vai ser uma surpresa. E iniciámos uma parceria para abrir nos centros comerciais do Grupo Sonae, estando a primeira loja prevista para o final de abril, no Cascais Shopping.

Como é que vão celebrar o aniversário? O que é que têm preparado?

Temos uma série de coisas, ainda não temos tudo fechado. Uma delas é o café, que foi lançado hoje [dia 1 de março]. Vamos fazer algumas ações, vamos celebrar alguns dias especiais, vamos criar um sabor especial dos 75 anos. Vão ser umas coisas giras, vai haver algumas surpresas, umas parcerias com outras empresas que se identificam connosco.

A Santini tem uma lista de mais de 500 sabores
A Santini tem uma lista de mais de 500 sabores Foto: DR

E como é que é ter o Presidente da República a comentar, frequentemente, que vem aqui comer um gelado? É uma publicidade engraçada, não?

Está-se a referir à última, ali ao lado do Museu dos Coches, em que ele, em plena crise política...

Bem, o Presidente come gelados por todo lado. Essa foi particularmente caricata, mas não foi a primeira vez...

É uma volta que ele costuma dar. Portanto, com crise ou sem crise, é algo que é perfeitamente normal. É nosso cliente de toda a vida. Temos muito orgulho de tê-lo como cliente. Falamos algumas vezes. Mas foi engraçado porque todos os comentadores falaram nisso. Aparecemos nas bocas do mundo. Fomos tema principal de conversa no Twitter durante um dia. Estávamos nos primeiros lugares das trends. Tivemos direito a tempo de antena com o "gelado presidencial". [risos]

E o que é que têm feito para não perderem a notoriedade nestes 75 anos? Qual é o segredo para manterem a popularidade?

Temos de nos manter atualizados, sem perder o que faz de nós o que sempre fomos. Há aqui um cuidado muito grande em manter tudo como era. Se provasse um gelado em 1949 e provasse agora, é precisamente a mesma coisa, o mesmo procedimento, a mesma maneira de trabalhar, o mesmo receituário. Até as receitas que na altura não se faziam, como a manga, fazemos da mesma forma. E somos completamente naturais, só usamos fruta fresca, a melhor que há no mercado. Somos muito exigentes com as matérias-primas. Não abdicamos desta parte. Mas vamos acompanhando os gostos das pessoas, criando algumas novidades, como o nosso Depois-das-Oito [tradução literal do chocolate com recheio de menta cujo sabor emula], que é mesmo um chocolate natural, e uma infusão de hortelã-pimenta feita no leite. Provando este gelado, é tal e qual. É o mesmo sabor, mas sem qualquer aditivo. O que não conseguirmos fazer de forma natural, não fazemos.

As receitas e os procedimentos mantêm-se imutáveis desde 1949
As receitas e os procedimentos mantêm-se imutáveis desde 1949 Foto: DR

Isso leva-me a outra questão: qual é a diferença entre um gelado muito bom e um gelado normal?

Não sei como é que se faz um gelado normal. [risos]

Mas conhece a desilusão de provar um gelado normal.

Já provei, confesso que já provei. Aliás, o que eu uso como bitola para avaliar a qualidade de um concorrente é o gelado de limão. Se comer o nosso gelado de limão...

Como. É o meu favorito, portanto, como muito.

Então sabe que é gelado de limão, limão. Prova, fecha os olhos, e sente todo o limão. A casca, a polpa. Consegue notar estas fases. Se provar o limão de outra marca, é completamente diferente. E a questão é: se não se faz [um gelado bem feito] com o limão, que é uma fruta barata, imagine como será o resto, que custa três, quatro, cinco vezes mais. A manga. A vagem de baunilha, por exemplo, que está a quatrocentos euros o quilo. O pinhão, que está a oitenta ou noventa euros o quilo. Portanto, é com o limão que testo a concorrência.

E alguma vez é surpreendido pela positiva?

Muito de vez em quando. Não há muita gente a trabalhar como nós. Há muito a tentação de baixar os custos da produção. Se nós quiséssemos fazer um gelado muito mais rentável, muito mais barato, era abrir uma compota, misturar com um produto, pôr um bocadinho de água, um bocado de leite e estava feito. Era uma maneira rentável de fazer as coisas e se calhar tínhamos outros resultados. Mas não trabalhamos assim. Temos uma herança para defender.

Então, e quais são os sabores mais vendidos?

O de morango. Depois temos o chocolate, a manga. As frutas são muito procuradas. Temos a maça verde, o limão com framboesa, a nossa avelã de sempre, o turrón de toda a vida. Temos uma lista de sabores fixos – se faltar um deles, o caramelo, a baunilha, a avelã, é uma desgraça – e depois temos outros, que vamos rodando para termos alguma novidade. Ao todo, temos mais de 500 sabores.

500 sabores?! Então têm inovado muito…

Sim. Temos clientes que vêm todos os dias. Alguns, várias vezes por dia. As pessoas gostam de ter os favoritos e, ao mesmo tempo, qualquer coisa nova para experimentar. E nós também gostamos de surpreender. É uma forma de manter o trabalho divertido. Pensar em novos sabores liberta a imaginação. Para mim, um dos melhores que criámos foi o limão com fios de chocolate. E depois há o gelado do meu filho Manel. Há uns anos ele disse-me que tinha tido uma ideia para um sabor: romã com framboesas. E eu disse: "Olha, é capaz de ficar bom…" Então, levámos a família toda para a produção: o meu pai e o meu filho mais novo, que, entretanto, também quis criar um gelado – tomate com mozzarella. Fizemos também. Não ficou grande coisa. [risos] Mas o gelado de romã com framboesas ficou espectacular. E os clientes gostam desta parte da história do sabor. Gostam de saber que aquele sabor foi criado por um menino que estava habituado a comer gelado e a vir à loja. Sendo uma empresa familiar, temos esta facilidade.

Loja das Amoreiras – as lojas de shopping ajudam a combater a sazonalidade
Loja das Amoreiras – as lojas de shopping ajudam a combater a sazonalidade Foto: DR

É difícil pôr as pessoas a comer gelados no inverno?

Não é fácil. Por isso é que criámos o café. Fazemos affogatos [café com gelado]. Temos parcerias com o Melhor Bolo de Chocolate do Mundo, com a Joana Reymão Nogueira. Temos os brownies, os crepes, a nossa tarte de amêndoa, que é muito boa. E toda esta oferta é complementada com bolas de gelado. Tentamos atrair os clientes assim. E temos as lojas de shopping, que ajudam a combater a sazonalidade. Temos que ir ter com as pessoas onde elas estão no inverno.

Daqui a 25 anos a marca faz 100 anos, já tem planos para essa altura?

Não. A única preocupação é esta de manter tudo como deve ser. Sempre ouvi dizer que a primeira geração cria, a segunda mantém e a terceira destrói. Eu sou a terceira. Portanto, tenho muito medo e muito cuidado, porque não quero destruir. Mas acho que as coisas estão a correr bem. E acho que o meu avô ficaria orgulhoso de todo o caminho que temos feito. Mas não pensamos muito no futuro. Somos uma empresa que vai aproveitando as oportunidades.

E a quarta geração? Algum dos seus filhos lhe diz que quer tomar conta do negócio? Que idade têm eles?

Um tem 12 e outro tem 16. Fala mais o de 12 do que o de 16. [risos]

E qual deles inventou o gelado de romã e framboesa?

Foi o que tem agora 16, mas que tinha 12 na altura.

Ah, então, se calhar...

Não, não. Prefiro que façam a vida deles. O mais velho vai começar a fazer umas horas nas lojas este ano, até para ganhar uns trocos. Coisa que toda a gente fez. Mas quero que goze a vida, que viva o que tem a viver agora. E depois, um dia, se entender que é esta a área que quer seguir, logo falamos.

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