Prazeres / Sabores

Série ímpar Solitário, um vinho feito em paz e sossego

Chegou finalmente um tinto à Série Ímpar, marca que pretende homenagear vinhos diferentes e fora do comum. Este Solitário vem de uma região famosa pelos brancos.

Foto: Sogrape
11 de abril de 2023 | Bruno Lobo
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Solitário não é um vinho de todo evidente ou comum, mas não hesitamos em afirmar que será muito fácil de gostar. Trata-se de um vinho suave, com grande elegância e frescura. Um perfil muito na moda atualmente, e que fica nos antípodas dos vinhos com mais extração e madeira, que dominaram os últimos anos. Não é leve no sentido alcoólico – a graduação está nos 13,5% −, mas o álcool está tão bem integrado que mal se nota. E tem esse espírito de terroir e de autenticidade que nos remete para os "vinhos de antigamente" como admite o enólogo, Diogo Sepúlveda. De tal forma que nos fez lembrar um dos momentos icónicos do velho cinema português. 

Em O Pátio das Cantigas, Vasco Santana está a tentar pregar um estendal e, inadvertidamente fura a pipa do outro lado da parede, fazendo jorrar vinho. Alguém grita "é um milagre!", e o ator responde "qual milagre, é mas é palhete!"
O pátio agita-se à procura bilhas, garrafões ou qualquer outro recipiente que permita apanhar o vinho, e enquanto isso um dos vizinhos espeta mais pregos na parede: "só espero é que saia branco, só espero é que saia branco…".

E depois de três primeiras edições a saírem brancos, já havia muita gente a espetar pregos desejando um Série Ímpar tinto. Afinal, trata-se da marca com que a Sogrape pretende homenagear os melhores tesouros escondidos deste Portugal vinhateiro. Como referiu Fernando Guedes, quando lançou o repto às suas equipas de enologia, "produzir vinhos de forma livre, sem preconceitos nem qualquer precedente." 

Foi claramente esse o caso das duas versões do raro Sercealinho, da Bairrada (colheitas de 17 e 19), e do Retorto (18), feito com vinhas muito velhas na Serra de Portalegre. E agora deste Solitário, "um tinto numa região típica de brancos, o que cumpria com esse desafio da inovação e originalidade", avança Diogo Sepúlveda, acrescentando, "mas mais do que isto, foi o potencial de uma vinha velha que impulsionou a criação". 

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O Solitário nasceu em Bucelas, a terceira região demarcada mais antiga do país, a seguir ao Douro e ao Dão, e a única apta a produzir apenas vinhos brancos. Uma região de solos calcários e argilosos, de grande influência atlântica e invernos frios e verões solarengos, com um potencial enorme para fazer vinhos de qualidade e de forte capacidade de envelhecimento. Assim foi ao longo da história, como provam as referências feitas por William Shakespeare, na peça Henrique VI. Wellington, que chefiava as tropas inglesas durante as invasões francesas, também os adorou, ao ponto de enviar várias barricas para Inglaterra, muitas destinadas ao próprio rei. 

Foto: D.R

Infelizmente, Bucelas está situada perigosamente perto de Lisboa, e por isso sujeita a uma pressão imobiliária que a condena a ser apenas uma região de nicho e com um tamanho diminuto. No caso deste Solitário, falamos ainda de uma vinha de castas tintas plantada a quase 350 metros de altitude no Monte de Serves, a mancha mais alta em toda a região. Vinhas plantadas por um velho agricultor que vendia regularmente uvas à Quinta da Romeira, por isso, quando a Sogrape adquiriu a histórica propriedade (onde o próprio Wellington terá ficado hospedado) em 2019, o potencial dessas vinhas não passou despercebido. A vinificação foi então feita na adega da Romeira, com fermentação em pequenos lagares de pisa manual e maturação em barricas de carvalho francês (de 2 a 4 anos), durante 24 meses. No que toca a castas, a ficha técnica refere apenas "100% Outras" e perante a nossa insistência a própria Sogrape admitiu não saber muito mais, apenas que "inclui castas tradicionais da região vitivinícola de Lisboa, não estando identificadas." Percebe-se o desejo de fazer uma enologia com o mínimo de intervenção, de forma a "preservar a identidade da região" e alcançar o tal "perfil de vinho de antigamente, discreto, fino e elegante" que Diogo Sepúlveda nos falava. Ainda assim, com técnicas, conhecimentos e meios que antigamente não dispunham. Seguiram-se mais 10 meses de estágio em garrafa, pelo que o vinho chega ao mercado perfeitamente apto a ser consumido, embora o potencial de evolução em garrafa seja enorme. 

Conta-se, ainda, que o agricultor fez estas plantações na zona do terreno mais afastada de sua casa, para poder tratar das vinhas sem ser incomodado e que daí, também lhe virá o nome: Solitário. Um vinho feito em paz e sossego. E isso nota-se. 

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