Prazeres / Sabores

O restaurante com filas de espera de 50 metros

Pegue em dois franceses, junte comida italiana simples, acrescente uma decoração louca e terá a receita do restaurante mais cool do momento. O editor gastronómico do The Times junta-se à fila de espera.

Foto: Jude Edginton
07 de dezembro de 2019 | Tony Turnbull
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Quando eu ou o leitor damos uma festa, somos capazes de meter umas quantas garrafas de prosecco no frigorífico e comprar uns palitos de queijo. No Big Mamma*, porém, tudo tem de ser maior e mais ousado. Mesmo segundo os padrões da inauguração de restaurantes, as suas festas são superextravagantes: um motim de comida, de bebida e de diversão. Vejamos o caso da inauguração do Circolo Popolare, um espaço gigantesco perto de Oxford Street, em Londres, onde os convidados devoraram 250 litros de negronis e de spritzers, 35 quilos de risotto e massa com trufas e rolos de mortadela do tamanho de troncos de árvores. Dançaram sob enormes pérgulas de glicínias e tiras de luzes, num cenário com 30 mil garrafas de vinho a revestir as paredes. Em determinada altura, uma senhora barbuda saltou de dentro de um bolo de aniversário gigante. "Era como se tivéssemos invadido um casamento siciliano louco", disse, maravilhado, um dos convidados.

É fácil perceber a razão pela qual o grupo tem vontade de comemorar: o seu primeiro restaurante londrino, a trattoria Gloria, em Shoreditch, só abriu há três meses, mas já é um dos locais mais em voga da cidade, sendo praticamente impossível conseguir uma mesa. As reservas são arrebatadas assim que são permitidas – até um mês de antecedência – e todas as outras pessoas têm de lutar pelos cerca de cem lugares disponíveis para quem entra no restaurante sem marcação. Uma vez lá dentro, poderá ver Mick Jagger e as filhas Jade e Georgia bebericando um Anti Brexispritz ou a partilharem um pratalhão de Camina Burrata ou uma pizza I Wanna ‘Nduja. A modelo Alexa Chung poderá estar a dar uma festa com a youtuber Tanya Burr e o leitor não será alguém nas redes sociais se não tiver partilhado fotografias da lasanha de dez camadas, do spaghetti alla carbonara que é misturado ao lado da mesa dentro de uma roda de queijo parmesão vazia ou as Filippo’s Spicy Balls, o nome das almôndegas com núcleo de pecorino derretido. Se as insinuações teatrais lhe parecem um pouco exageradas, espere até ver a decoração. A comida, na opinião consensual de todos os críticos, tem muito melhor relação qualidade e preço do que seria de esperar, mas foi o kitsch descarado que levou o restaurante a figurar em 100 mil contas de Instagram. O ambiente é assumidamente antiquado, com cortinados de voile, um sortido de candeeiros diferentes, paredes cor-de-rosa velho e louça antiga. Caso isto não fosse suficiente, as casas de banho do Gloria têm portas em vidro espelhado para os clientes poderem observar o movimento enquanto estão lá dentro – as do Circolo estão enfeitadas com ímanes de frigorífico com as palavras "Hey dickhead, don’t steal these" rabiscadas por baixo. Os urinóis estão resguardados por cortinados com bolinhas que fazem lembrar uma mercearia da década de 1950. Todos os cantos foram concebidos para levar os clientes a tirarem os seus iPhones do bolso.

Foto: Instagram @bigmammagroup

"A comida é apenas o pretexto para algo mais importante", comenta o coproprietário do Big Mamma, Victor Lugger. "Isto não significa que a comida não seja importante, mas não estamos só a alimentar pessoas. Existem outros restaurantes, o [take away] Deliveroo e supermercados para isso. Aquilo que estamos a tentar proporcionar é a partilha de um momento." Lugger gosta da ideia de os sentidos dos clientes serem tomados de assalto assim que lá entram. "É um pouco como desembarcar do avião num país que estamos a visitar pela primeira vez. É mais quente, mais luminoso, um pouco desconhecido… Sentimo-nos inquietos e é uma sensação fantástica. É exatamente isso que estamos a tentar reproduzir."

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Ele e o sócio, Tigrane Seydoux, têm uma frase promocional de duas linhas para cada um dos seus 10 restaurantes (têm sete em Paris, incluindo o La Felicità, que se diz ser o maior da Europa, e um em Lille, todos com um estilo italiano). "O Gloria evoca o final da estação em Capri", diz Lugger. "É terça-feira à noite e o Sol está a pôr-se. Está calor, mas não há muita gente. É romântico e nostálgico." O Circolo, por outro lado, é cheio de energia. Você acaba de sair de um casamento na igreja e chega a um terraço enorme com as paredes caiadas de branco. Há uma banda a tocar e a empregada de mesa avança na sua direção com tabuleiros repletos de comida e de bebidas… Os funcionários, 80% italianos e com uma média etária de 24 anos em todos os restaurantes do grupo, completam a cena acrescentando-lhe diversão. "Não é que queiramos ser exagerados, mas é assim que funcionamos enquanto equipa", diz Seydoux. "Nós não tentamos ‘ser’ divertidos. Nós tentamos ‘divertir-nos’."

Foto: Getty Images

Seria de esperar que Lugger e Seydoux fossem tão extravagantes como as suas criações, mas eles parecem pessoas curiosamente discretas, sentados nos bancos luxuosamente almofadados do Circolo. Ambos com 34 anos, oriundos, respetivamente, de Estrasburgo e do Mónaco, conheceram-se na faculdade de gestão, em Paris, e pensaram seriamente naquilo que torna um restaurante bem-sucedido. Criar um "momento de caos organizado" para os seus clientes, nas palavras de Seydoux, não é tão espontâneo como eles nos tentam convencer que é.

Lugger é o mais volúvel dos dois. Casado e com dois filhos pequenos, mudou-se para Hampstead para estar mais perto do negócio inglês. Descreve-se como o mais criativo da dupla. "Eu não tenho limites, não tenho medo e não respeito regras ou normas", declara, gesticulando na direção das prateleiras repletas de garrafas de vinho. "Quando se trata de pôr 30 mil garrafas de vinho nas paredes, é comigo." Ele resume o look como "feio bonito". "É como quando a minha mulher pega num vestido numa loja e eu penso ‘Oh, não, é tão feio’, mas depois ela experimenta-o e é lindo", confessa. A comida, a decoração – nada deveria funcionar, mas, tudo junto, funciona.

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Foto: Instagram @bigmammagroup

A dupla namoriscou inicialmente com a ideia de abrir uma creperia. "Mas depois de dominarmos o fiambre, o queijo e os ovos, que mais há para fazer?" Em vez disso passaram dois anos a viajar por Itália provando comida e procurando fornecedores e, ainda hoje, ficam comovidos ao lembrarem-se dos pastéis que provaram na Sardenha e nos agnolotti de Piemonte. "Como compramos diretamente a pequenos produtores, podemos gastar menos 30% num produto 30% melhor", afirma Lugger. "Em segundo lugar, nós temos margens mais pequenas. Eu gostaria de dizer que é porque somos mágicos, mas é uma questão de volume, por isso [o nosso lucro] é uma fatia mais pequena de um bolo grande."

"Não conseguimos filas que dão a volta ao quarteirão por termos um conceito fabuloso ou por sermos uns génios", prossegue Lugger. "No instante em que pensarmos dessa maneira, acabou-se. Conseguimos filas que dão a volta ao quarteirão porque temos uma boa relação qualidade/preço. Ponto final."

Foto: Instagram @bigmammagroup
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O Instagram deu-lhes um inegável empurrão. Sem qualquer ajuda da imprensa, tinham uma fila de 50 metros pela rua abaixo quando o Circolo abriu as portas – e os seus 280 lugares foram ocupados em 20 minutos. No entanto, ambos afirmam que não são suficientemente espertos para terem planeado uma estratégia específica para as redes sociais. Seydoux, que vive em Paris com a mulher e os dois filhos e é "o homem dos pormenores", só fez dois posts no Instagram na vida e Lugger nem sequer tem conta. Além disso, dizem que os 162 mil seguidores do grupo são poucos, tendo em conta que alimentam até 10 mil pessoas por noite nos seus 10 restaurantes. "Tentamos fazer um restaurante bonito e, sim, as coisas bonitas são instagramáveis", diz Seydoux. "Por isso uma coisa dá lugar à outra." E insiste que eles não tentam seguir as modas. "Quanto tempo dura uma moda? Dois meses? Não estamos a fazer este tipo de investimento para resultar durante dois meses." Mais importante para ambos é o facto de todos os restaurantes corresponderem à fórmula que os dois conceberam quando iniciaram o seu negócio, há oito anos. "É muito simples", diz Lugger. "Fazemos boa comida, vendemo-la a um preço razoável e servimo-la com um sorriso num ambiente espetacular. Quem diria não a isto?" É bem verdade que os preços são simpáticos, segundo os padrões londrinos. Cocktails a sete libras, pizzas generosas a 10 libras e taças de trufas pretas, tartes de limão com ondas de merengue e um tiramisu perfeito fazem até a geração "sem açúcar nem hidratos" perder a cabeça. É como se o cenário instagramável lhes desse licença para saborearem comida à moda antiga. E sabe que mais? Eles até gostam. Não é estranho dois franceses serem tamanhos defensores da comida italiana? "Não vejo porquê", diz Lugger, encolhendo os ombros. "A minha mulher é morena e eu não acordo todas as manhãs a pensar que me poderia ter casado com uma loura. A dada altura, temos de confiar nos nossos sentimentos e ficarmos com o nosso primeiro amor."

*Grupo composto de restaurantes italianos fundado por Victor Lugger e Tigrane Seydoux, em Paris, em 2013.

Exclusivo The Times Magazine 
Tradução: Erica Cunha e Alves

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