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60 anos de Lamborghini: dos tratores aos super-carros

Incompatibilizado com o Commendatore Ferrari, um industrial de tratores decidiu fundar a sua própria marca de automóveis desportivos de luxo. Em 1963, há 60 anos, nascia a Lamborghini.

Foto: Lamborghini
14 de agosto de 2023 | Luís Merca

Prelúdio

Ferruccio Lamborghini (1916-93) fez fortuna como fabricante de tratores. Na reconstrução da Itália do pós-guerra, o trator era um bem de enorme valor e a Lamborghini Trattori obteve grande sucesso num mercado que voltava a dar os primeiros passos depois da total destruição. Amante de automóveis desportivos de grande gabarito, o que na altura se apelidava Gran Turismo, comprou vários modelos de um recém-lançado fabricante de automóveis, um tal Enzo Ferrari. Mas não apreciava alguns pormenores da marca de Maranello: os interiores espartanos, aos quais faltava o toque de luxo que justificasse o elevado preço, materiais de menor qualidade – como, por exemplo, as embraiagens, que obrigavam a idas frequentes à oficina – e o serviço pós-venda, que não estava à altura da exclusividade que a marca pretendia. Levando essas críticas ao próprio Enzo Ferrari – pessoa cuja personalidade não era, digamos, a mais fácil de se lidar – Lamborghini viu-se enxovalhado pelo futuro Comendador, que questionou o que é que um fabricante de tratores saberia de automóveis para estar a fazer tais críticas. Vexado e completamente certo de que ele próprio conseguiria fazer melhor, Ferruccio Lamborghini lançou-se então num novo projeto da sua vida industrial: criar um verdadeiro Gran Turismo, um GT, que na altura significava um automóvel de grandes prestações e elevado luxo, capaz de fazer longas viagens num ambiente de grande conforto.

Ferruccio Lamborghini (1916-93) fez fortuna como fabricante de tratores.
Ferruccio Lamborghini (1916-93) fez fortuna como fabricante de tratores. Foto: Lamborghini
O que a Lamborghini fez de bem diferente da Ferrari.
O que a Lamborghini fez de bem diferente da Ferrari. Foto: Lamborghini

Automobili Lamborghini

Em 1963, na localidade de Sant’Agata Bolognese, entre Bolonha e Modena, nascia o fabricante automóvel Lamborghini. Característica fundamental do(s) carro(s) do novo construtor: motor central, tração às rodas traseiras, motorizações de arquitetura nobre – a mais nobre, aliás, os 12 cilindros em V. Outra peça do conceito muito próprio da marca e que se mantém até hoje: apesar de produzidos em (pequena) série, os modelos Lamborghini são objeto de trabalho específico por parte de empresas externas, carroçadores na sua maioria, que afinam e elevam ainda mais a exclusividade dos automóveis, quer nos interiores, quer no exterior. Ainda mais uma particularidade: os primeiros Lamborghini de série derivavam de protótipos apresentados em salões automóveis e em concursos de design e elegância – medindo a reação do público, submetendo, aqui e ali, o protótipo a exercícios de personalização de acordo com o gosto do (endinheirado) cliente, a marca recolhia importantes dados e ensinamentos que depois aplicava na linha de montagem.

Ao centro, Ferruccio Lamborghini.
Ao centro, Ferruccio Lamborghini. Foto: Lamborghini

350 GT, o primeiro Lamborghini de série

Entre 1964 e 1966, o 350 GT inspirou-se precisamente num desses protótipos, o 350 GTV, antes de ser fabricado em série. As linhas exteriores foram retrabalhadas e o motor V12 de 3500 cm3, derivado da competição, foi "esvaziado" dos 400 para uns ainda assim muito respeitáveis 270 cavalos, de forma a assegurar maior longevidade e uma utilização mais civil – e civilizada – na estrada. Há que notar que, em 1964, um automóvel atingir os 254 km/h de velocidade máxima só estava ao alcance de poucos, muito poucos, fabricantes.

Protótipo 350 GTV, que serviu de base ao primeiro Lamborghini de série.
Protótipo 350 GTV, que serviu de base ao primeiro Lamborghini de série. Foto: Lamborghini
Salão de Genebra de 1966.
Salão de Genebra de 1966. Foto: Lamborghini

Miura, uma beleza intemporal

É atualmente uma das coqueluches dos leilões de automóveis clássicos e, quando aparece um, atinge por norma valores astronómicos. Batizado com o nome de um touro (sobre a ligação entre a Lamborghini e a tauromaquia, já lá iremos), o Miura foi produzido entre 1966 e 1973 – o choque petrolífero desse ano acelerou o seu fim. As linhas exteriores, desenhadas por Marcello Gandini – que viria a desenhar também o Countach e o Diablo, além do Citroën BX, BMW Série 5, Lancia Stratos e Renault Super 5 – são de uma beleza que o passar dos anos não belisca minimamente. O motor V12 estava acoplado à caixa de velocidades e ao diferencial, todo o conjunto montado em posição central sobre o eixo traseiro, num modelo que, pasme-se, foi desenvolvido em segredo por engenheiros da Lamborghini, já que o patrão Ferruccio não queria carros tão agressivos e tão evocativos da competição automóvel, coisa que deixava para o rival Ferrari.

Miura, um dos mais belos automóveis de sempre.
Miura, um dos mais belos automóveis de sempre. Foto: Lamborghini
Lamborghini Miura em andamento.
Lamborghini Miura em andamento. Foto: Lamborghini

Countach, a besta automóvel

Poderiam bem tê-lo batizado 666, tal o ar monstruoso da carroçaria desenhada pelo já referido Marcello Gandini para o estúdio de design Bertone. Apresentado no Salão de Genebra de 1971 mas apenas produzido em série em 1974 – um mau timing, com a crise petrolífera a arrasar a economia mundial – o Countach deve o seu invulgar nome à palavra "contacc", uma expressão de espanto do dialeto piemontês. O motor viu a cilindrada aumentar para os 3.9 litros e a potência subir aos 370 cavalos (ainda assim, como medida de precaução, era menos do que seria possível extrair do V12, cerca de 440 cavalos).

Lamborghini Countach e as famosas portas-tesoura.
Lamborghini Countach e as famosas portas-tesoura. Foto: Lamborghini

Lamborghini & tauromaquia

Em 1962, Ferruccio Lamborghini – ele próprio um nativo do signo do Touro – visitou uma ganaderia em Sevilha e ficou impressionado pelo poder físico e a altivez dos touros criados para a arena. Nasceu aí o logótipo da marca e, desde então e com apenas algumas exceções, os modelos Lamborghini são batizados com nomes de touros famosos: Miura, Islero, Urraco, Jalpa, e até mesmo os mais modernos Murciélago e Reventón (lançados depois da morte de Ferruccio Lamborghini), aludiam às touradas e à arte da tauromaquia.

Modelos Miura e Countach.
Modelos Miura e Countach. Foto: Lamborghini

Lamborghini, 60 anos and counting...

Ferruccio Lamborghini vendeu o negócio do fabrico de automóveis em 1972, retirando-se para o centro de Itália, onde se dedicou a outro dos seus negócios e paixões: a viticultura. Após várias décadas em que mudou de mãos por meia dúzia de vezes, com uma falência pelo meio, a Lamboghini foi adquirida em 1998 pela Volkswagen e mantém-se até hoje sob a alçada de um sólido grupo fabricante de automóveis. A atual gama inclui o Revuelto, o Huracán, o SUV (!) Urus, além das séries limitadas Countach LP800-4 e Sián. Quem diria que um "fabricante de tratores" saberia tanto de automóveis...

LM002, o primeiro SUV Lamborghini.
LM002, o primeiro SUV Lamborghini. Foto: Lamborghini
Lamborghini Urus.
Lamborghini Urus. Foto: Lamborghini
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