Sebastian Herkner, designer de mobiliário. "Consumimos demasiados produtos para a casa"
Com uma mesa que mais parece uma escultura, o alemão é o designer estrela de uma nova coleção Man of Parts, à venda na QuartoSala.
"Consumimos demasiados produtos para a casa", queixa-se Sebastian Herkner. "Quase como se fossem pipocas a ver uma série da Netflix." A frase, dita por qualquer pessoa depois de mais uma ida ao Ikea ou à Zara Home seria perfeitamente banal, mas proferida por alguém que dedica a sua vida a desenhar e a produzir artigos para a casa, torna-se um pouco mais surpreendente. "É assim o mundo em que vivemos’", atiramos "‘fast food, fast fashion e, agora, fast furniture". "Sim, mas não faz qualquer sentido" responde Herkner, "as pessoas compram, usam por dois ou três anos e deitam foram. Já ninguém cria uma relação com as peças, nem dá valor aos materiais ou à mão de obra." Toda a sua lógica de criação, vamos perceber, gira em torno destes dois conceitos: "Matérias-primas verdadeiras" e "saber-fazer". "Temos de voltar a acarinhar os móveis como se fazia no tempo dos nossos avós".
Uma perspetiva que faz todo o sentido atualmente, e numa lógica de sustentabilidade para o planeta, mas que no seu caso carrega ainda um lado emocional. "Sou de Offenbach", conta. Uma cidade quase colada a Frankfurt [Alemanha], famosa pela sua produção de cabedal. "Temos um museu do cabedal, e uma feira dedicada ao cabedal, mas já não temos ninguém a produzir com cabedal. Desapareceram todos nos últimos 20 anos e isso foi (é) um grande problema para a cidade, porque todas as famílias estavam, de uma maneira ou de outra ligadas a essa produção. Mesmo colocando a vertente económica de lado, psicologicamente a cidade perdeu aquilo que a unia, a sua alma, e ainda não encontrámos nada que o substitua." Vocês, em Portugal, têm uma grande tradição em cerâmica. Imagine que isso desaparecia, ou que em Veneza já não trabalhavam mais o vidro. Considero que é minha responsabilidade preservar essas tradições."
Herkner não é um velho nostálgico. Tem 41 anos e uma forte presença nas redes sociais, onde conta mais de setenta e dois mil seguidores na página de Instagram. Nada mau para uma figura que não é influencer, ator ou jogador da bola. É um dos designers mais proeminentes da nova geração alemã, e já colaborou com Cappellini, ClassiCon, Dedon, Gubi, Moroso, Pulpo, Rosenthal, Thonet, Wittmann ou Zanotta. Sobre ele, Roland Heiler, o diretor da Porsche Design, dizia: "Mesmo numa fase muito inicial a sua careira atraiu atenções com alguns produtos extraordinários. Vamos certamente continuar a ser surpreendidos no futuro."
Um desses primeiros modelos que desenhou foi a Bell Table, que vira de cabeça para baixo a aplicação habitual dos materiais. Aqui, a base é realizada em vidro transparente, sobre o qual repousa um tampo em metal. O vidro ajuda o metal a "flutuar", dando assim uma sensação de leveza à peça, que é inteiramente trabalhada à mão – e o vidro soprado.
Desde muito cedo, Herkner procurou conciliar o lado mais tradicional do design, ou seja, os artesãos que "mantinham vivos os saberes antigos", com novas tecnologias "sem as quais não conseguíamos fazer peças como a Savini Table" − um dos seus trabalhos mais recentes para a Man of Parts, que passou agora a estar representada na QuartoSala. A mesa, impactante, está construída numa peça de madeira sólida, como se fosse uma escultura, e é um dos produtos mais destacados da marca canadiana.
"É uma peça única de carvalho maciço, feita por uma empresa alemã, na Baviera" explica-nos. "Foi inspirada no trabalho de artistas plásticos como os ingleses Barbara Hepworth e Henry Moore, e pretende ser uma peça de diálogos, entre a estrutura e o ar que flui à sua volta, e entre a tradição e o lado industrial", uma vez que a estrutura necessita de uma máquina CNC, controlada por computadores, para ser esculpida naquela forma. O artesão entra em ação mais tarde, tratando do acabamento final. Existem várias opções e cores, mas todas "apenas ao alcance da mão humana".
A ideia para a mesa – que recebe nome em homenagem à Savini Platz, uma zona boémia de Berlim − surgiu-lhe já em pleno confinamento, enquanto pensava na importância do contacto humano. Como mesa generosa que é, pretende ser um novo espaço de encontros e de reunião, algo que nós, portugueses, compreendemos muito bem.
Desenha para si, ou para algum tipo de cliente em particular?
Para ninguém em particular. Desenho para seres humanos, porque embora os nossos gostos sejam muito diferentes, as necessidades básicas são muito parecidas, em qualquer parte do mundo. A forma e a função são sempre importantes.
Como é que funciona o processo criativo?
Gosto de visitar outros países, e tento sempre absorver a cultura local. Tenho várias ideias assim, sobretudo a ver os artesãos locais a trabalhar. Se calhar é o mesmo tipo de trabalho há 100 anos, mas eu, como designer, posso ter uma visão totalmente distinta e desafio-os a fazerem coisas diferentes. Pela minha experiência, os artesãos gostam desse tipo de desafios, de tentar fazer o mesmo com outros materiais, por exemplo, ou numa escala completamente diferente ou encontrando outros formatos para o mesmo produto.
Um clássico exemplo é a sua Bell Table (mesa sino), uma mesa de centro onde o vidro está na base e o latão por cima. Ninguém achou que era louco quando a apresentou?
Quando o fiz, em 2009, nenhuma marca se mostrou muito interessada, porque não era suficientemente futurística ou algo assim… Nessa altura estava apenas a começar, por isso tinha algumas limitações financeiras e só procurei fornecedores [localizados] onde conseguisse chegar com o meu Volkswagen. Não podia viajar para Itália ou outros países à procura de quem conseguisse trabalhar o vidro. Mas foi assim que descobri uma empresa na Baviera com 450 anos de história, que aceitou fazer os primeiros protótipos. A ClassiCon pegou no projeto em 2012, e desde então que a produzem nessa mesma fábrica de vidro da Baviera. Ou melhor…produziam, porque a fábrica não aguentou o aumento dos custos energéticos e viu-se obrigada a fechar. Ao fim de 450 anos de história, é uma tristeza! Parece que o governo alemão só tem dinheiro para ajudar as grandes empresas e os produtores automóveis, quando há tantas empresas a produzir tantas coisas diferentes neste país…é realmente uma pena.
São sobretudo os pequenos negócios a sofrer com esta crise.
Sim, em Itália, em Murano, que conheço bem, está a acontecer o mesmo. No caso de empresas assim, não se trata apenas de uma companhia que se perde, perde-se todo um know-how, séculos de experiência acumulada. Na indústria da moda, a Chanel e a Hermès são mais inteligentes e compram todos os seus fornecedores. Assim não vão ter este problema e protegem o negócio, mas, claro, essas marcas faturam muitos milhões e podem investir a sério.
A QuartoSala vai começar agora a vender a Man of Parts em Portugal. Conhece?
Sim, conheço bem a QuartoSala, há uns bons 10 anos. Tem uma excelente curadoria. Acho até que foram dos primeiros a vender a Bell Table.
Como foi receber o convite para trabalhar com a Man of Parts?
Foi ótimo, porque é uma empresa nova, mas muito criteriosa. O Stephan Weishaupt [fundador da Man of Parts] é de Munique, e há uns dez anos mudou-se para o Canadá e montou uma loja de decoração em Toronto. Uma loja como a QuartoSala. Conhecemo-nos porque vendia algumas das minhas peças, e como partilhamos muitos dos mesmos interesses em arte e design, tornamo-nos rapidamente amigos. Temos gostos parecidos. Entretanto, o negócio expandiu-se para Nova Iorque, Miami e Vancouver, e decidiu apostar em coleções próprias. Foi nessa altura que me convidou para colaborar, porque outra coisa que temos em comum é a importância que damos ao saber-fazer e à qualidade. Nenhum de nós quer fazer produtos baratos, mas sim peças com valor, que vão durar muitos anos, e têm uma origem. O Stephan procura no Canadá e na Europa pelo melhor craftsmanship, e foi assim que surgiram os mármores em Portugal.
Como assim, os mármores em Portugal?
Temos um projeto em andamento com mármore. Uns vasos, para a secretária que devem ser apresentados no início do próximo ano.
Então já conhece Portugal?
Só o Porto.
Mas os mármores são mais no sul.
Acho que sim, mas ainda não tive oportunidade de visitar. Conheço bem o trabalho, no entanto, e os primeiros protótipos já estão terminados e são lindos. Fizeram um excelente trabalho.
Além da cerâmica e do mármore, também trabalhamos bem a cortiça.
É verdade, os bancos de cortiça da ClassiCon são feitos em Portugal, pela empresa Amorim, acho. Aqui na Alemanha temos imensa oferta de cerâmica portuguesa. Há uma marca – da qual agora não me lembro o nome – que está em imensos sítios. Os meus amigos compram muito e sempre que vão a Portugal trazem essas taças em cerâmica ou em forma de folhas. Acho que isso é muito importante para a vossa identidade enquanto país. E todos os meus produtos têm essa característica: são feitos com matérias-primas "verdadeiras", como a madeira sólida, a cerâmica, as pedras naturais, o bronze, o vidro, as lãs… têm sempre esse lado mais "honesto".
Oda Lamp para a Pulpo
Inspirado nas torres de água que se vêem no topo dos prédios nos EUA, especialmente nas fotografias de Bernd e Hilla Becher, dois fotógrafos industriais alemães, a Oda Lamp é outra das peças mais famosas de Sebastian Herkner à venda na QuartoSala. Como nos explica, "a ideia é que o candeeiro funcione como um reservatório de luz".
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