Negócios do Luxo

Jérôme Lambert “tinha saudades de imaginar os relógios de amanhã e de montar um plano para os tornar realidade” — por isso regressou à Jaeger-LeCoultre

Chamaram-lhe “a contratação do ano” na indústria relojoeira, mas para Jérôme Lambert, o regresso à Jaeger-LeCoultre foi também uma escolha emocional. Nesta conversa bem-humorada, o executivo fala sobre o novo capítulo da sua carreira, de Portugal e, claro, de relógios e da visão que tem para o futuro da Grande Maison.

Foto: DR
Ontem às 13:25 | Bruno Lobo

Para Jérôme Lambert, "a criatividade não é algo que se decide, é algo que se organiza". E foi para a organizar que decidiu regressar à Jaeger-LeCoultre, como nos revelou durante a mais recente edição da Watches & Wonders — a maior feira mundial de relojoaria — onde deu à Must a sua primeira e única entrevista para Portugal, desde o regresso à marca.

O anúncio de que deixaria a direção de operações do grupo Richemont para se dedicar em exclusivo a uma das suas maisons apanhou de surpresa o mundo da relojoaria. Mas, depois de sete anos na gestão corporativa do grupo — que detém nomes como Cartier, Van Cleef & Arpels, Montblanc, A. Lange & Söhne, IWC ou Vacheron Constantin, e que é o o segundo gigante no setor do luxo a nível mundial, apenas atrás da LVMH — Lambert percebeu que queria "voltar a uma Maison, voltar a ter essa experiência". E acrescenta: "Estávamos a abrir um novo ciclo, com a chegada de Nicolas Bos à administração, vindo da Van Cleef & Arpels, por isso o momento era perfeito para a mudança. Perguntei então ao Nicolas e ao chairman (Johann Rupert, que ainda recentemente acompanhou o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa numa visita à Casa Branca para tentar apaziguar o presidente Trump) se concordavam que eu voltasse à linha da frente — e aqui estou."

Jérôme Lambert
Jérôme Lambert Foto: JohannSauty

Lambert, francês, entrou para a marca suíça em 1996, com o cargo de controlador financeiro. Teve oportunidade de trabalhar com nomes míticos do setor, como Günter Blümlein, que há de citar nesta conversa. Três anos mais tarde seria promovido a Chief Financial Officer e, volvidos outros três anos, era convidado para CEO. Tinha apenas 33 anos quando chegou ao topo de uma das marcas mais prestigiadas da relojoaria suíça. Ocupou o cargo de 2002 até 2013, naquilo que é visto como uma época vibrante de inovação e crescimento – e a julgar pelas primeiras impressões colhidas em Genebra, esse sentimento parece estar de regresso — com muitos colaboradores a falarem já numa "energia contagiante".

Durante esse primeiro período na marca, Jérôme Lambert esteve especialmente ativo em Portugal. "Devo ser o CEO com o maior número de eventos e ações em Portugal", brinca. Mas justifica: "O país tem uma excelente cultura relojoeira, e desde muito cedo reconheceu o papel que a Jaeger-LeCoultre (JLC) desempenhou na relojoaria, no mundo das complicações e o icónico Reverso".

Relógio 'Reverso Tribute Minute Repeater'
Relógio 'Reverso Tribute Minute Repeater' Foto: DR

O papel da marca nesse capítulo é, de facto, inegável, com mais de 430 inovações patenteadas e mais de 1300 movimentos exclusivos. Em 1929, por exemplo, inventou o calibre 101, um movimento miniaturizado para ser utilizado em modelos femininos e que permanece, até hoje, como o calibre mecânico mais pequeno do mundo — e sempre em utilização. Muito desses movimentos seriam depois fornecidos a outras marcas famosas, como a Cartier – com a qual teve um contrato de exclusividade durante anos − Patek Philippe ou Audemars Piguet. Foi, aliás, um movimento seu (calibre 920) que esteve na base dos modelos mais icónicos dessas duas marcas: Nautilus e Royal Oak. Por este papel, a JLC ganhou inclusivamente o título de "relojoeira dos relojoeiros".

Todas estas histórias (e muitas outras) ficam a conhecer-se nas visitas que a marca organiza à manufatura, em Le Sentier, no Vallée de Joux, com maior frequência do que os seus concorrentes. Visitas para as quais também já foram convidados diversos clientes nacionais. "Sim, vêm muitos portugueses", confirma o CEO. "É uma forma maravilhosa de ficarem a conhecer melhor a relojoaria e tudo o que ela implica. Afinal, são 192 anos de história. Fomos a primeira manufatura suíça", conta, referindo-se ao facto de Antoine LeCoultre, o fundador da marca, ter integrado pela primeira vez todas as especialidades relojoeiras debaixo de um mesmo teto. "Foi aqui que nascemos e, provavelmente, somos também os últimos a ter uma verdadeira manufatura", acrescenta — desta vez referindo-se aos 180 ofícios que ainda albergam. "A Manufatura é um lugar do qual temos muito orgulho, onde nos sentimos muito bem e adoramos convidar as pessoas e recebê-las em nossa casa."

Relógio Reverso Tribute Enamel “Shahnameh”
Relógio Reverso Tribute Enamel “Shahnameh” Foto: DR

Acha que um dos problemas da JLC é de reconhecimento? Porque se fala mais noutras marcas que têm um passado menos rico.

Claro… Sabemos que a receita da JLC é feita de muito conteúdo, de muitas inovações e de muitos calibres. Por vezes, quando se tem tantos pontos para falar, é mais difícil fazer chegar a mensagem a um elevado número de pessoas. Mas não sei o que é melhor: se ser conhecido por mais pessoas ou mais profundamente por menos… Mas, evidentemente, que gostávamos de ter os dois.

Qual será, então, o seu maior desafio neste regresso ao cargo de CEO?

Diria que, em primeiro lugar, garantir que a nossa filosofia relojoeira e a nossa criatividade continuam a ser preservadas e desenvolvidas. Diria que, por si só, esse desafio já é bastante grande e requer muita atenção e paixão para o concretizar. Por outro lado, a criatividade não é algo que se decida, é mais algo que se organiza. É preciso ter sempre uma equipa talentosa capaz de a realizar — e é preciso ser relevante e ter uma oferta suficientemente diferente dos outros para nos destacarmos no mercado.

Nesse aspeto, está satisfeito com as atuais linhas de produto da JLC ou sente que falta algo?

Estou muito satisfeito. Temos uma coleção extraordinária de relógios de pulso e de mesa. Mas, se há algo que os 192 anos nos ensinaram, é que se pode sempre evoluir, desenvolver, crescer. Günter Blümlein (ndr: antigo presidente da JLC e da IWC e um dos responsáveis pelo ressurgimento da Lange & Söhne — três marcas que uniu e que estão na génese daquilo que é hoje o grupo Richemont) dizia sempre que as "gerações não crescem só em altura, mas também na cabeça". Por isso, o que se espera da nossa relojoaria é que continue a evoluir — com mais substância e mais engenho para desenhar o futuro.

Há quem diga que a JLC tem atualmente poucos relógios masculinos, ou pelo menos, menos do que antes... O que pensa disso?

Diria que são diferentes. Temos mais Reversos para homem do que antes. O Geographic, como este aqui (e aponta para o pulso, onde está uma das novidades da marca no Watches & Wonders), é um relógio bastante masculino. O Polaris também é um relógio muito forte. E, se olharmos para as complicações na linha Master, temos muitos relógios para homem. As Grandes Complicações são, geralmente, um território mais masculino. Por isso, diria que temos vários relógios para homem, embora talvez menos visíveis — e acrescento o "talvez", porque os Reverso não são certamente discretos.

Relógio 'Reverso Tribute Geographic'
Relógio 'Reverso Tribute Geographic' Foto: DR

Ok, talvez menos desportivos então… Acha que o Polaris chega para cobrir essa necessidade?

O Polaris é um relógio mais casual. É um relógio com o qual se pode praticar desporto, sem dúvida, mesmo sendo Alta Relojoaria. Mas não perdeu nenhuma das características físicas de robustez e fiabilidade que se esperam dele.

O que o levou a pedir para regressar à JLC?

Bem… Foram sete anos em processos corporativos. Aspirava voltar à linha da frente, voltar ao processo criativo e a ter um impacto e interação mais diretos no produto.

Sentia falta dos relógios...

Sentia falta de uma atmosfera como a deste stand, da interação com pessoas como você, e da oportunidade de sonhar os relógios de amanhã e de montar um plano para os tornar realidade.

Que relógios sonhou nesse período e que pretende agora criar?

Acredito que os relógios podem desenvolver ainda mais a arte e o artesanato. Queremos trazer complicações úteis, criar novos tamanhos, etc., etc. É todo um programa para desenvolver nos próximos anos.

Tenho uma pequena provocação para si…

É a minha última entrevista da Watches & Wonders, por isso força, não me vou importar...

Jérôme Lambert e a atriz NiNi, no W&W.
Jérôme Lambert e a atriz NiNi, no W&W. Foto: DR

Ótimo. Em Portugal temos um ditado − não sei se existe noutros países – mas em Portugal dizemos: "Não voltes ao lugar onde foste feliz". E você foi muito feliz na JLC. Isso preocupa-o?

Diria que essa ideia é tipicamente portuguesa... Não, eu nunca me proibiria de voltar. Vivo a centenas de quilómetros do lugar onde nasci, e quando volto a casa, quando encontro a minha família e os meus pais, os meus amigos de antigamente, não penso que não devia voltar. Nem eles. De certo modo, do ponto de vista emocional, voltar a casa, reencontrar os amigos da Maison, compreender o propósito de tudo o que fazemos — é um privilégio raro. Uma oportunidade imperdível.

O que aprendeu durante esse período e que pode trazer de diferente neste regresso?

Acho que aprendi, antes de mais, que a JLC é muito diferente das outras maisons. Antes tinha essa perceção, mas não uma visão tão clara — e até conhecermos melhor os outros, não se percebe o quão profundo isso é, nem o quanto pode ser um verdadeiro fator de diferenciação. É isso que pretendo capitalizar.

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