Tivemos o prazer de participar, o mês passado, numa audição extraordinária – ainda por cima partindo de um streaming digital, considerado o calcanhar de Aquiles da alta-fidelidade. Nestes casos, é comum ler-se que o sistema oferece um som "cristalino" e "potente", mas parece-nos que fazer essa afirmação, depois daquilo que ouvimos, seria como andar de Rolls-Royce e a seguir afirmar que é confortável. O único problema era o elefante na sala, porque aquele som vinha com um preço a condizer: 1,5 milhões de euros.
A audição servia para apresentar, em Portugal, o novo dCS Varèse, provavelmente o sistema de música digital mais avançado do mundo, assim como as novas colunas Wilson Audio Chronosonic XVX – dois monstros em todos os sentidos – e os novos amplificadores Relentless da Dan D’Agostino. As contas eram mais ou menos as seguintes: o Varese custa perto de 400 mil euros; as Wilson Audio, cerca de meio milhão; o conjunto pré-amplificador mais os dois amplificadores mono (ou seja, um por coluna) da Dan D’Agostino, outro meio milhão. Só os cabos que ligam cada amplificador à sua coluna (uns Magnum Opus da Transparent) custam 120 mil euros – o preço de um pequeno apartamento nos arredores de Lisboa. Ou assim era, até há meia dúzia de anos.
Sabemos que há pessoas que gastam estes valores (e superiores) em arte, automóveis, joias ou relógios, mas não resistimos perguntar ao responsável máximo pela Imacústica – representante em Portugal de todas estas marcas – se se justifica gastar esse dinheiro para ouvir música? A resposta de Manuel Dias foi direta: "Não, não se justifica", acrescentando logo em seguida: "Mas para se ter a sensação, a energia e a dinâmica que um sistema destes dá, a única forma é investir nesta escala de valores. Não posso esperar a emoção de um Fórmula 1 num carro de estrada. O realismo que existe a este nível só existe neste nível."
Streaming em modo F1
Ok, e será que um sistema de som de um milhão e meio de euros soa realmente 100 vezes melhor do que um sistema de 15 mil euros? Ou mil vezes melhor do que um de 1500 euros? A questão não se pode pôr nesses termos, explicam-nos, porque a partir de certo nível qualquer salto qualitativo, por mais pequeno que seja, torna-se num desafio titânico. Damos um exemplo: os módulos de som das Wilson Audio são ajustáveis e cada posição precisa de ser afinada pelos engenheiros de som da marca. Cada ajuste milimétrico representa uma diferença de um microssegundo na experiência auditiva.
O mais curioso (e positivo) é que não é necessário ser-se um especialista para desfrutar desta qualidade de som. Qualquer leigo, duro de ouvido, percebe o resultado quando o som enche a divisão de forma quase sobrenatural. As vozes respiram na sala, os instrumentos têm corpo... Em vez de trazer o som até nós, temos a sensação de ser teletransportados para o local onde a música está a ser gravada – não foi à toa que falámos numa experiência metafísica.
Ainda nos recordamos como, há um par de anos, nesta mesma sala e numa audição muito semelhante, um jornalista inglês da especialidade comentava ter finalmente percebido um ruído que o incomodava numa gravação dos Rolling Stones. Afinal, revelava ele maravilhado, era alguém a bater à porta do estúdio. Até ao dia de hoje não nos ocorre melhor exemplo para explicar este conceito. Curiosamente, esse sistema contava exatamente com as mesmas marcas – mas era um pouco inferior. Mesmo as Wilson Audio Master Chronosonic, na altura as estrelas da audição (e que custavam um milhão redondo), já não são superiores a estas Chronosonic XVX, à venda por metade do preço.
É indiscutível que a música em formato digital permite-nos aceder praticamente a todas as gravações da história da humanidade, a partir do nosso telemóvel. Infelizmente, essa conveniência paga-se em qualidade sonora – para além da assinatura mensal. Atualmente, é impossível retirar um som ‘cristalino’ ou ‘potente’ do Spotify ou YouTube. Sendo certo que já existem serviços mais premium, como o Tidal e o Qobuz, cujas qualidades de (não) compressão resolvem boa parte do problema, mas mesmo estes serviços necessitam de um componente dedicado – vulgo DAC, Digital-to-Analog Converter –para entregar a música com a menor perda de qualidade possível.
DACs há muitos, mas nenhum como este
O Varèse é composto por cinco componentes: uma interface de utilizador; um Core, que funciona como o cérebro de toda a operação; dois DACs (mono); e finalmente o Master Clock, que garante uma total precisão e sincronia na gestão dos tempos. No coração do sistema vivem muitas diferentes tecnologias exclusivas, mas sem entrar pela parte técnica, o mais importante é perceber que todo o sistema está desenhado para receber atualizações e upgrades, pelo que é à prova de futuro −seria chato, se assim não fosse.
O Varèse não é evidentemente para todas as bolsas, mas sabemos que pelo menos um ficou por Portugal. Pensando que podem não ser muitos mais, aqui estão algumas alternativas − igualmente superlativas, mas mais em conta (o que, infelizmente, não significa baratas):
dCS Lina DAC X. Possivelmente a melhor alternativa ao Varese. Trata-se da entrada de gama da marca, mas custa: 15 900 euros.
PS Audio DirectStream DAC MK2. Ainda dentro da categoria máxima de sofisticação, mas por metade do preço: 8 900 euros.
Audiolab 9000N Streamer. Um absoluto prazer, e já com valores quase terrenos. Preço: 2 990 euros.