Estilo / Moda

O que nos diz a imagem dos políticos? Análise de dois especialistas

Gravata ou gola alta? Ténis ou saltos altos? Vão longe os tempos em que os candidatos políticos se apresentavam aos eleitores quase vestidos e penteados de igual. Mas hoje há uma nova consciência de que a imagem também é comunicação.

Foto: Getty Images / Collage
08 de março de 2024 | Maria João Martins

"Sou política, sou competente, tenho um compromisso profundo com o que eu me proponho fazer dentro da Câmara. Eu também sou moda, sou dança, sou close, sou beleza." A frase é da brasileira Erika Hilton, que, em 2020, obteve notoriedade internacional ao tornar-se a primeira vereadora transgénero eleita por São Paulo, integrada no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Embora a maioria dos políticos não expresse de forma tão assertiva a importância da comunicação visual no seu trabalho (incluindo as opções em matéria de traje e acessórios), a verdade é que o assunto tem vindo a ganhar importância nos últimos tempos. Vão longe os tempos dos debates televisivos em que, de Álvaro Cunhal (pelo PCP) a Freitas do Amaral (pelo CDS), todos pareciam usar o mesmo fato e corte de cabelo.

Especialista em Comunicação Política, Eduardo Bastos confirma que há uma nova geração de políticos (e sobretudo de assessores) que está muito consciente de que, também a este nível, os tempos mudaram: "A moda enquanto expressão do eu é responsável pela primeira impressão que transmitimos aos outros. Mais do que a nossa própria pele, a roupa, como uma extensão do corpo, acompanha a nossa personalidade, variações de humor, valores, identidade. Se quisermos, proporciona a primeira mensagem a quem o vê ou escuta." Como exemplos desta nova tendência aponta homens como Justin Trudeau, Emmanuel Macron ou Pedro Sanchez. "Une-os a opção por uma moda que clássica mas non tropo, algo descontraída e dinâmica. Os três são homens jovens para os cargos que ocupam, que querem passar uma imagem de modernidade e eficácia." 

No caso das mulheres, Eduardo Bastos admite que as dificuldades são acrescidas, na medida em que o escrutínio da imagem é infinitamente maior: "Estou convencido que, apesar do muito que se avançou nas últimas décadas, a maior parte das pessoas ainda tende a ouvir os homens e a ver as mulheres. Se analisarmos o tempo em que é dada a palavra a ambos na rádio e na televisão, constataremos que há uma desproporção enorme, seja na política, na cultura ou em qualquer outra área."

Ana Nisa, consultora de imagem e formadora nessa matéria concorda com a subsistência desse gap entre homens e mulheres na política: "A roupa do homem, neste registo mais formal, é menos complicada. Nós temos mais opções, mas também é tudo mais escrutinado. Os ténis all stars da Mariana Mortágua ou o vestido estampado com kiwis usado pela Assunção Cristas há uns anos são assunto. As pessoas comentam se a candidata está mais velha, se está gorda, se usa óculos e quais são, a cor das unhas. Se usa sapatos caros é criticada, mas se usa sapatos baratos também. Mas é na política, é nas empresas, um pouco por todo o lado."

Ana Nisa pensa, no entanto, que a consciência da mensagem que o guarda-roupa transmite é cada vez mais comum a candidatos de ambos os sexos: "Fala-se muito na gola alta do Pedro Nuno Santos. Claro que há muitas interpretações diferentes. Para mim, ele quis mostrar-se mais moderno e dizer ao eleitorado que, apesar de ser do partido do governo, não é mais do mesmo. Aliás, eu penso que tudo o que nós fazemos na mudança da nossa imagem é intencional. Assim como as cores de gravata do André Ventura ou a mudança de imagem do candidato da Iniciativa Liberal, Rui Rocha. O que eu noto é que as pessoas estão mais modernas nesta área. Antigamente era tudo muito cinzento, nem se pensava nisso."

Há uma nova consciência de que "a forma como nos apresentamos e como nos vestimos, a linguagem corporal, o timbre e o tom da voz tudo isto é comunicação e mensagem", diz ainda Ana Nisa. "É uma questão tribal. Não quer dizer que sejamos todos iguais, tem a ver com os códigos visuais que todos temos e com o estabelecimento de empatia." E não tem dúvidas em afirmar: "Para o comum dos mortais, que percebe pouco de Política e não lê os programas dos partidos, a apresentação dos candidatos tem peso na decisão."

Um pouco de História

Na década de 1980, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher passou à História como a "dama de ferro". Para este epíteto, que assinalava essa aparente contradição que era ser mulher e mostrar-se inflexível nas políticas que adotava, contribuiu a sua postura assertiva, mas também o penteado, quase um capacete, que nenhum vendaval parecia derrubar. 

Nos Estados Unidos, onde ainda não houve uma mulher a chegar ao mais alto cargo da nação, não podemos ignorar que o guarda-roupa de uma primeira-dama é uma escolha política. Melania Trump mostrou isso mesmo na tomada de posse do marido como presidente dos Estados Unidos. Ao optar pela réplica de um modelo usado por Jacqueline Kennedy, nos anos 1960, prestou vassalagem à mais icónica e amada das suas antecessoras. 

No entanto, não é carismático quem quer, mas quem pode. Que o digam Carla Bruni-Sarkozy ou Valerie Trierweiler, fugazes primeiras-damas de França, que, à partida, tinham tudo para seduzir as multidões. Belas, impecavelmente vestidas, penteadas, perfumadas, conhecedoras dos mecanismos da exposição mediática, ficaram-se, no entanto, por uma performance discreta nesse palco particular que é um regime presidencialista (caso da França ou dos Estados Unidos). O mesmo em que brilharam, às vezes com menos armas, Jackie Kennedy, Michelle Obama ou Eva Péron, na Argentina.

Quando as mulheres já chegam por direito próprio aos mais altos cargos, como devem comportar-se as mulheres dos presidentes? Como rainhas de ocasião que acenam aos plebeus? Ou como aspirantes a voos mais altos, como aconteceu com Hillary Clinton e muitos gostariam que acontecesse a Michelle Obama?

Portugal não é excepção a esta regra, como demonstra a já referida atenção ao vestido com kiwis de Assunção Cristas ou, por exemplo, os comentários suscitados pelas pregadeiras usadas por Graça Freitas, diretora Geral de Saúde, nos comunicados diários durante a pandemia de Covid 19. Também entre nós, esta consciência não é nova e existiu mesmo durante a ditadura, quando as mulheres portuguesas estavam relegadas para plano muito secundário na vida pública. No entanto, já então, de uma forma quase instintiva, o traje desempenhava uma função política muito clara.

Recorde-se o caso de Berta Craveiro Lopes, mulher de um Presidente (1951-1958) pouco consentido por Salazar, Francisco Craveiro Lopes. Alta e loura, soube valorizar o seu porte natural com vestidos que a representaram bem na recepção à jovem Isabel II, em Lisboa, em 1957,  mas também na gala do Teatro de São Carlos em que brilhou Maria Callas ou em várias visitas de Estado. Foi precisamente numa ocasião destas, numa visita a Inglaterra, que a primeira-dama recusou a oferta de Salazar para mandar adquirir uma peça compatível com um banquete no Palácio de Buckigham, pagando do seu próprio bolso o colar e brincos com que se apresentou. E acrescentava, entre dentes, que «não queria dever favores» ao ditador. Também ela sabia, mesmo nessa sociedade tão mais secreta e lenta do que a nossa, que, para quem está na Política (por opção própria ou de outrem, como era o caso) as escolhas de guarda-roupa nunca são ocasionais ou isentas de consequências.

Saiba mais Moda, Políticos, Imagem, Roupa, Eleições, Mulheres na política, Política Portuguesa, Pedro Nuno Santos, Mariana Mortágua
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