Estilo / Guia de Compras

O bom, o mau e o vilão (deste verão)

A estação quente traz muitas novidades na moda masculina. Além das habituais tendências, há consagrações, estreias e toda a espetacularidade que a indústria requer.

Desfile primaveraverão 2019 Louis Vuitton por Virgil Abloh, o desfile de estreia do criador americano na casa francesa
Desfile primaveraverão 2019 Louis Vuitton por Virgil Abloh, o desfile de estreia do criador americano na casa francesa Foto: Getty Images
26 de agosto de 2019 | Carolina Carvalho

A cerimónia dos Óscares deu por acabada a época de prémios de cinema e de passadeiras vermelhas. Com a primavera à porta, no que diz respeito à moda estamos oficialmente na nova estação. Afinal, o que de novo nos reserva a primavera/verão 2019? Antes de se assustar com tendências, como as do peito à mostra, das cores néon ou as camisas alternativas, analisemos também o ponto em que está a moda masculina, neste momento, de indústria criativa a negócio em crescimento.

A indústria da moda é um dos poucos territórios maioritariamente femininos. Modelos, atrizes, cantoras, celebridades, influencers e até princesas mantêm a funcionar uma máquina que quase não aguenta o seu próprio ritmo. Mas talvez isso esteja a mudar. A estação quente de 2019 trará um desfile de novidades que pode fazer florescer muitas mudanças nesta primavera da moda masculina. Este parece ser um território cada vez mais apetecível, tanto para veteranos, como para novatos. Por exemplo, depois de Stella McCartney se ter lançado na moda masculina com uma primeira coleção para a primavera/verão 2018, agora é a vez de Simon Porte com a sua marca Jacquemus. Com uma carreira curta, mas um rápido sucesso no que se refere às criações femininas, o jovem francês tinha a fasquia muito elevada para esta estreia, talvez por isso tenha decidido levar todos os seus convidados para uma praia paradisíaca, em Marselha, e fazer lá um desfile memorável. Esta é também a primeira estação em que a moda masculina terá uma coleção Celine, assinada por Hedi Slimane, o novo diretor artístico, criativo e de imagem da marca. O criador é uma daquelas figuras do enredo da moda que desperta tantas paixões como ódios, mas a sua passagem recente pela maison Saint Laurent fez desta marca a número dois do grupo de luxo Kering. A marca fundada em 1945 por Céline Vipiana pertence hoje ao grupo LVMH e esta contratação (feita um ano antes do desfile de estreia) é vista como uma forte aposta, uma vez que, segundo um artigo do The New York Times, em janeiro de 2019, Bernard Arnault (o homem forte da LVMH e o quarto multimilionário mais rico, em 2018, segundo a Forbes americana) tem planos para chegar a receitas de 2 ou de 3 mil milhões de euros contra os mil milhões que a Celine rende, neste momento. Como conclui o mesmo artigo, "a moda de homem constitui menos de 25% do mercado global de vestuário de, aproximadamente, 1,2 mil milhões de libras, de acordo com dados do Euromonitor, mas está disposta a ultrapassar a de mulher em 2022, com receitas em expansão por uma taxa de crescimento anual de 2%".

Quererá isto dizer que a moda masculina está decidida a tornar-se tão relevante como a feminina? Então o assunto é sério! Na verdade, cada vez que os criadores de moda feminina trocam a marca onde trabalham por outra, escrevem-se textos infinitos como se de contratações de futebol se tratasse. Contudo, no início de 2018 foram os departamentos masculinos de duas grandes casas que marcaram o ritmo desta "dança de cadeiras". Kim Jones trocou a Louis Vuitton pela Dior Homme. Surpresa! E foi substituído por Virgil Abloh. Surpresa ainda maior! O inglês Kim Jones começou a trabalhar na Louis Vuitton, em 2011, e como explica Teo van den Broeke (diretor de style e de grooming da GQ britânica), que entrevistou o designer na casa deste, em Paris, por essa altura o mercado da moda de homem em Londres valia cerca de 11,7 mil milhões de libras, esperando-se que em 2021 valha 16,3 mil milhões de libras. Além disso, segundo o autor, em 2011 a moda masculina era muito diferente do que é agora. Mas Jones fez dos sapatos de ténis um acessório-chave na Louis Vuitton e tornou-se um mestre do sportswear. Por isso, impôs-se a questão sobre o porquê da sua mudança para uma casa com tradição na Alta-Costura? Talvez para voltar a provocar alguma agitação na moda masculina e também para nos surpreender. E conseguiu. O seu primeiro desfile em nome da Dior (ele retirou a palavra Homme do nome da marca) inspirou-se nas técnicas de couture e o primeiro modelo do desfile foi o príncipe Nikolai da Dinamarca. Houve peças clássicas, tonalidades pastel, preto e pinceladas de amarelo.

Desfile primaveraverão 2019 Dior por Kim Jones, o desfile de estreia do criador inglês na casa francesa
Desfile primaveraverão 2019 Dior por Kim Jones, o desfile de estreia do criador inglês na casa francesa

Tanto Jones como Abloh apresentaram as suas novas coleções em junho de 2018, mas é agora que o público as vai ver nas lojas. Se o primeiro foi bem-sucedido com uma reorientação do seu trabalho numa direção mais clássica, o segundo também o foi na adaptação do seu streetwear ao luxo do universo Louis Vuitton. O desfile no jardim do Palais Royal, em Paris, reuniu uma audiência de cerca de dois mil convidados sentados e outros tantos de pé (entre estes encontravam-se muitos estudantes) ao longo de uma gigante passerelle arco-íris. O primeiro afro-americano à frente da marca francesa, que começou a trabalhar na área da moda com Kanye West, desdobra-se em parcerias com marcas criativas, mas é a marca que fundou – a Off-White – que realmente pesa no currículo. Não só é um maestro na fórmula improvável, mas vencedora, de conjugar streetwear e luxo, como também é um sucesso junto das celebridades. Ele apresentou uma coleção em que os fatos com cortes largos unem elegância com descontração, variados casacos, blusões e o branco como cor-estrela e, claro, muitos acessórios. As criações de Mr. Abloh têm uma característica muito importante no mundo da moda: vendem. E isto é quase equivalente a um superpoder.

A moda masculina tem calendários próprios. As coleções de inverno são apresentadas em janeiro/fevereiro e as de verão em junho/julho. Além da azáfama de Paris e da explosão de cor de Milão, em Londres começou por dedicar-se um fim de semana da própria semana de moda de mulher às coleções de homem em 2012 e em Nova Iorque a semana de moda masculina foi impulsionada pelo Council of Fashion Designers of America (CFDA) e começou em 2015. Contudo, uma série de circunstâncias fizeram este evento perder o fôlego em pouco tempo e no outono passado a semana de moda feminina prolongou-se por dez dias, sendo os três primeiros ocupados com as coleções masculinas. Além disto, muitos criadores estão a apostar em desfiles mistos e das 90 marcas iniciais a apresentar coleções masculinas restam apenas 24, atualmente. De tudo o que é apresentado em desfiles e apresentações para cada estação, há sempre elementos comuns que serão considerados as tendências e depois de descodificados são apresentados ao público como as apostas a fazer no momento de ir às compras. São roupas, acessórios, estilos, estampados, conjuntos e até formas de estar.

Desfile primaveraverão 2019 Alexander McQueen por Sarah Burton
Desfile primaveraverão 2019 Alexander McQueen por Sarah Burton

O que vai usar

Para esta primavera/verão, os fatos recomendam-se em variadas versões: com casacos assertoados, em branco, ou com o peito à mostra para os mais audazes. Porque afinal é verão, os calções muito curtos, as cores néon, o efeito tie dye e a ganga vão estar em alta. Quanto aos acessórios, as sandálias são uma forte aposta no calçado, bem como as carteiras de mão e as bolsas ao pescoço para quem preferir manter as mãos livres. Moda é criatividade e também há sugestões arrojadas, como peças em texturas réptil, misturas de padrões, camisas com cortes alternativos ou o uso de body art. Assim como no próximo inverno as saias para homem serão tendência. A ideia não é nova. Jean Paul Gaultier já o fez nos anos 90 e os escoceses andam a usá-las, há séculos. Vejamos o que acontece…

O que os criadores de moda apresentam nas passerelles pode parecer distante, mas eventualmente chegará ao mercado de massas. O triunfo do streetwear e do sportswear não é ocasional. Se os camisolões de capuz são vestuário cool e os ténis são um calçado aceitável em praticamente todas as ocasiões é porque, primeiro, se tornaram um objeto de luxo e para isto contribuem não só as criações com assinatura, como também quem as usa. Jon Caramanica, o cronista do The New York Times que assina a coluna Critical Shopper, decidiu em junho de 2018 "desabafar" sobre os oito meses de angústia que uns certos ténis Balenciaga Triple S, que custavam uns redondos 900 dólares, lhe causaram. Desde a primeira vez que os viu até finalmente os ter no seu guarda-roupa tudo aconteceu porque o autor decidiu apaixonar-se pelo calçado mais cobiçado e (inusitado) da estação. Como a Balenciaga, tantas outras marcas decidiram dar asas à imaginação no calçado desportivo e do site de luxo Mr Porter ao site da Zara foi um "saltinho". O estilo athleisure (athletic + leisure, ou seja, o uso de roupa de desporto no dia a dia) já se instalou, há algum tempo, e está em crescimento.

Teremos sempre a sagrada e intocável alfaiataria. É uma verdade universal que um bom fato faz um homem elegante e há muitos criadores que fazem do classicismo a sua base de trabalho. Todavia, alguns desafiam a rigidez das formas com uma dose de irreverência ao seu estilo, como Paul Smith, Thom Browne ou a dupla Dolce & Gabbana que apresentou neste mês de fevereiro uma coleção de Alta Sartoria (algo como alta-alfaiataria), uma sequência de 104 looks em que a exuberância era a palavra-chave no Palácio Litta, em Milão, para um público recheado de clientes milionários provenientes da Rússia, da Índia, do Japão, da China e dos Estados Unidos da América. Mas estará a mistura de estilos em desenvolvimento para atingir um patamar de nova elegância? Segundo a Brand Directory, as dez marcas de moda mais valiosas são, da primeira à última: Nike, H&M, Zara, Adidas, Hermès, Louis Vuitton, Cartier, Gucci, Uniqlo e Rolex. O que nos leva a concluir que desporto, luxo e massmarket partilham a atenção do público. Tom Ford, que depois de ter estado ao leme de gigantes como a Gucci e a Saint Laurent, deixou para trás as marcas europeias, em 2004, e começou a construir o seu próprio império de luxo, disse em entrevista à How To Spend It, em abril de 2018, que "há uma década, quando comecei a minha marca, as pessoas não iriam querer admitir que estavam a usar Zara ou outras marcas assim. Agora, não existe estigma em usar uma mistura".

Desfile primaveraverão 2019 Dries van Noten
Desfile primaveraverão 2019 Dries van Noten

Mas, numa época em que o carisma se mede em likes e ser-se influencer, é mais do que uma profissão, um estatuto, quem são as referências de estilo masculinas? No cinema reinam os super-heróis da Marvel, mas apesar do sucesso de bilheteira, mais depressa se tornam tendência os mantos Jedi do que as capas e os collants coloridos. Clássicos, tais como James Bond, que atravessam gerações ou as diferentes interpretações de Thomas Crown e de Jay Gatsby são referências de bom gosto, mas não surpreendem. Até a lista de 18 magníficos contemplados entre os mais bem vestidos para a Vanity Fair americana, em 2018, é variada e eclética, do músico Jay-Z ao curador Shanay Jhaveri, do arquiteto David Adjaye ao basquetebolista  LeBron James, ou do artista David Hockney, de 81 anos, ao ator Timothée Chalamet, de 23. Na edição de 2019 dos Globos de Ouro, este último surpreendeu na passadeira vermelha com um look em preto total composto por camisa, calças e uma espécie de arnês bordado a envolver o tronco. Segundo o jornalista do El Pais que por essa altura cobria a semana da moda de homem em Paris, o look deu tanto que falar que se levanta a questão "se a moda masculina podia salvar do aborrecimento uma disciplina tão cansada como a passadeira vermelha". Outro membro de honra da famosa lista da Vanity Fair é Ralph Lauren. O criador norte-americano não só é um ícone de elegância, como anda há 50 anos a vendê-la (e a ensiná-la). Poucas pessoas reúnem numa celebração Steven Spielberg, Pierce Brosnan, Anderson Cooper, Nick Jonas, Kanye West, Henry Golding (o protagonista de Crazy Rich Asians), Chance the Rapper, Robert De Niro… quanto mais na primeira fila de um desfile de moda. Todos estes convidados (e também lá estavam Oprah Winfrey, Hillary Clinton, Anna Wintour e Martha Stewart) estiveram no desfile de celebração dos 50 anos da marca Ralph Lauren a 7 de setembro de 2018 em Bethesda Terrace and Fountain, no Central Park (Nova Iorque), uma festa com um dress code quase de gala e uma guest list tão diversa em áreas de trabalho e em estilos. Podemos dizer que na moda as diferenças que nos separam são também o que nos une? Claro que sim. A moda adora baralhar e voltar a dar.

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