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Os maiores (e mais insólitos) roubos de joias em Cannes

Nos últimos 76 anos, as ruas desta cidade têm-se enchido de histórias. Mas um pouco de ficção pode ser perigoso, especialmente se conjugada com muitas joias.

Foto: Netflix
20 de maio de 2022

Os diamantes são para sempre – a menos que se esteja em Cannes. O ano passado, aquando da sua primeira aparição no festival anual de cinema de Cannes, a atriz britânica Jodie Turner-Smith foi vítima de roubo de joias. Os ladrões entraram no seu quarto no hotel Marriott, à beira-mar, numa altura em que Jodie Turner-Smith tinha saído para tomar o pequeno-almoço, e provavelmente procuravam as soberbas joias da Gucci, em ouro e diamantes, que ela tinha usado na estreia do seu novo filme, After Yang, apenas algumas horas antes. Se assim foi, não tiveram sorte – as joias regressaram à Gucci logo após o evento –, mas, ainda assim, conseguiram levar joias que se diz valerem várias dezenas de milhares de euros, entre elas a aliança de casamento da sua mãe.

A atriz Jodie Turner-Smith foi vítima de roubo de joias em Cannes.
A atriz Jodie Turner-Smith foi vítima de roubo de joias em Cannes. Foto: Getty Images

A atriz e a sua filha de apenas um ano foram de imediato transferidas para o hotel Majestic, nas proximidades, sempre acompanhadas de seguranças. No domingo à noite, Turner-Smith escreveu no Twitter: "Não pensei que passaria duas horas e meia na esquadra da polícia no meu último dia em Cannes, mas eis-me aqui…". Até agora, não houve qualquer relato de recuperação das joias.

Para a atriz, o incidente foi uma aberração – foi repentino, perturbador e estranho. Mas, para Cannes, a cidade azul e branca instalada na ponta oriental da Riviera francesa, foi apenas a mais recente história sobre ladrões tão descarados e misteriosos que fariam muito mais sentido na cena de um filme. E, muitas das vezes, foi precisamente nos filmes que se inspiraram.

O The Carlton Hotel tem sido alvo de roubos.
O The Carlton Hotel tem sido alvo de roubos. Foto: Getty Images

O primeiro Festival de Cinema de Cannes oficial teve lugar numa altura em que França estava a emergir dos traumas da Segunda Guerra Mundial, como que num correr de cortinado sobre os horrores do que tinha acontecido. Durante algumas semanas do mês do maio, os grandes nomes do circuito cinematográfico europeu e as estrelas cintilantes de Hollywood juntaram-se, bebendo martinis naquela orla costeira ensolarada, e continuaram a fazê-lo anualmente desde então (numa decisão pouco habitual, a edição deste ano foi transferida para julho).

O festival é famoso pela sua sumptuosidade, repleto de celebridades envergando alta-costura e cravejadas de joias, que bebem o valor da baía em champanhe. Foi também lá que Taxi Driver, Apocalypse Now, Pulp Fiction, Dirty Dancing, The Virgin Suicides, Parasite e muitos outros filmes foram visionados pela primeira vez. Alguns foram vaiados, outros receberam estrondosas ovações, todos eles entrando nos cânones do cinema tão facilmente como um banhista entra na água.

Nos últimos 76 anos, as ruas desta cidade têm-se enchido de histórias. Mas um pouco de ficção pode ser perigoso, especialmente se conjugada com muitas joias.

Em agosto de 1994, três homens mascarados entraram no hotel Carlton – um cremoso bolo de casamento da arquitetura da Belle Époque, com cúpulas que se diz terem sido modeladas a partir do corpo da atriz espanhola Carolina Otero – e encheram o lobby com o som dos disparos de metralhadoras. Enquanto os hóspedes e funcionários se mantinham deitados no chão, aterrorizados, os ladrões conseguiram levar várias malas de diamantes da joalharia do hotel. Conforme o fumo se foi dissipando e os candelabros surgiram miraculosamente intactos, a escadaria dourada sem quaisquer marcas de balas, tornou-se evidente que as suas armas não tinham munições.

Cary Grant e Grace Kelly  no filme To Catch a Thief, 1955.
Cary Grant e Grace Kelly no filme To Catch a Thief, 1955. Foto: Getty Images

A história rapidamente se tornou um mito no hotel – em 1996, o Livro de Recordes do Guinness classificou aquele crime como o roubo mais caro da história –, em parte devido ao seu assombroso paralelismo com o clássico de 1955 de Alfred Hitchcock chamado To Catch a Thief. O filme era protagonizado por Grace Kelly, no papel de uma herdeira americana que se apaixona por um ladrão de joias, personagem desempenhada por Cary Grant, enquanto estavam hospedados no Carlton. Durante o Festival de Cinema de 1955, Grace Kelly apaixonou-se pelo Príncipe do Mónaco enquanto estava hospedada no Carlton. O mais estranho é que não existem registos do roubo de 1994: não há recortes de imprensa, nem relatórios policiais, nem registos no hotel. Os representantes do Guinness reconheceram que tinham publicado a história durante vários anos, mas que também não tinham conseguido encontrar material que a sustentasse. Em Cannes, os factos tendem a ser difíceis de separar da ficção.

A sequela da história, que surgiu em 2013, foi muito curta. Ao final de uma manhã de domingo, um ladrão com uma bandana preta e um boné de basebol, de arma em punho, entrou no Carlton através do terraço e foi diretamente à coleção de diamantes do multimilionário uzbeque Lev Leviev, que estavam nessa altura numa exposição temporária no hotel. Menos de um minuto depois, ele saltou de uma pequena janela, levando consigo diamantes no valor de 90 milhões de libras numa sacola. Caiu e bateu com a sacola no chão, espalhando diamantes ao sol, mas conseguiu agarrar na maioria deles e fugiu antes que alguém tivesse conseguido travá-lo. No saque estavam um diamante de 55 quilates, uma esmeralda de 30 quilates e uma safira de 29 quilates.

Uma vez mais, o Cinema parece ter emprestado o seu brilho ao crime. Apesar da inexplicável ausência de seguranças (Leviev não tinha informado a polícia de que a exibição estava a ter lugar, nem tinha contratado seguranças armados para ficarem de olho), a eficiência e precisão daquele trabalho revelavam perícia profissional. A Interpol acredita que o ladrão era membro dos Pink Panthers [Panteras Cor de Rosa], uma rede internacional de ladrões de joias cujo nome alude às comédias protagonizadas por Peter Sellers no papel de inspetor Clouseau (em 2003, conseguiram sair de uma joalharia da Mayfair [em Londres] com um diamante num boião de creme facial, numa homenagem direta a uma cena de O Regresso da Pantera Cor de Rosa. Mas pode um crime ser uma homenagem?).

A rede, que se crê ser essencialmente composta por ex-soldados que combateram nos Balcãs, é notória por roubos que atingiram uma teatralidade de topo, ao nível do realizador Steven Soderbergh. No Dubai, irromperam com duas limusinas por um centro comercial adentro para roubarem uma joalharia, em Paris usaram perucas loiras e lenços na cara para roubarem a loja [de joalharia e relógios] Harry Winston, em Saint Tropez usaram camisas floridas e fugiram com o saque numa lancha.

Alguns dos roubos ocorridos em Cannes não são tão facilmente "glamorizados". Em 2002, as apresentadoras de televisão Susannah Constantine e Trinny Woodall ("Trinny and Susannah"), que protagonizavam o programa da BBC de mudança de visual, chamado What Not To Wear, foram despojadas das suas joias, cartões de crédito e dinheiro enquanto dormiam, quando um intruso entrou na villa onde estavam, através de uma janela aberta. O elemento mais dramático desta história, inicialmente avançada pelo Evening Standard, foi o facto de as apresentadoras terem sido deixadas inconscientes com esponjas embebidas em clorofórmio nas suas bocas. Mas depois a BBC desmentiu esse relato.

O roubo de 2013 no Carlton, por outro lado, foi o terceiro quase de seguida: nesse mesmo ano, no Festival de Cinema, um colar supostamente ladeado por 80 seguranças desapareceu durante uma festa no Hôtel Du Cap-Eden-Roc, em Antibes, local que o escritor  F. Scott Fitzgerald usou como cenário para o seu romance Terna é a Noite. Enquanto isso, vários outros colares foram roubados do quarto de hotel de um funcionário da joalheira suíça Chopard, uma das patrocinadoras do festival, horas antes de adornarem a passadeira vermelha, como era suposto, nos pescoços de várias estrelas de cinema.

Com o toque típico de um roubo em Cannes, ocorreu enquanto a maioria dos críticos, estrelas de Cinema e imprensa estavam sentados a ver a estreia de The Bling Ring [em Portugal, com o nome The Bling Ring: o gangue de Hollywood], um filme de Sofia Coppola sobre um grupo de adolescentes privilegiados de Los Angeles que ocupavam as suas horas mortas a roubar joias de mansões de celebridades que estivessem fora. O prejuízo total dessa noite ascendeu a dois milhões de dólares em joias, uma carteira Birkin e vários soutiens caros. O mesmo tipo de artigos roubados que constavam do filme.

Uma dúvida que paira sobre a estranha história criminal desta cidade glamorosa é a negligência em termos de segurança. Por que razão é que as estrelas de Cinema continuam a guardar diamantes nos cofres de hotel? Por que motivo é que a promessa de seguranças armados parece nunca se materializar? É quase como se as celebridades do Cinema achassem que o risco não é real, que os ladrões são uma fabricação e que os diamantes acabarão por reaparecer. É quase como se pensassem que estão num filme.

Susannah Goldsbrough/The Telegraph/Atlântico Press

Tradução: Carla Pedro
Saiba mais Cannes, Jodie Turner-Smith, Gucci, Grace Kelly, Hollywood, The Bling Ring, Carlton, Lev Leviev, Cinema, BBC, festival de cannes, roubos, joias
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