Conversas

Vítor Matos: "No fundo, o que é uma estrela Michelin? É apenas uma recomendação para as pessoas nos visitarem."

A subida do Antiqvvm ao muito restrito grupo de duas estrelas nacionais (são agora oito) foi a maior novidade da primeira gala Michelin dedicada a Portugal. O transmontano recebeu outra estrela com o 2Monkeys, o restaurante lisboeta que tem em dupla com o jovem chef Francisco Quinta e viu ainda a sua chef do Blind (Porto), Rita Magro, ser distinguida.

Foto: @Blind
29 de fevereiro de 2024 | Miguel Judas

Ao todo são nove os projetos de restauração que já levam o toque de Midas de Vítor Matos, o chef de 46 anos natural de Vila Real, que em vez de transformar alimentos em ouro, como na lenda, parece conseguir multiplicar como poucos o brilho das estrelas Michelin. Na primeira gala do mais famoso guia gastronómico do mundo dedicada em exclusivo em Portugal, foi o grande vencedor da noite, conseguindo uma segunda estrela para o restaurante portuense Antiqvvm, aberto já há nove anos num antigo solar do Vinho do Porto, e uma primeira estrela para o 2Monkeys, o estabelecimento lisboeta que mantém em parceria com o jovem chef – e discípulo – Francisco Quinta. À lista pode-se ainda juntar a atribuição do prémio de Jovem Chef a Rita Magro, responsável pelo também portuense Blind, outro restaurante sob a tutela gastronómica de Vítor Matos, que nesta conversa, mantida logo após a gala, revelou alguns dos segredos (e preocupações) do sucesso.

Como viveu esta noite histórica para a gastronomia portuguesa, que pela primeira vez teve direito a uma gala Michelin só para o país?

Ficou a faltar um três estrelas. Ou se calhar dois ou três. Não quero dizer nomes, mas sei aquilo que me deram hoje e também sei o que os outros fazem. E quando olho para esses projetos, cujo foco é este objetivo das estrelas e depois olho para o meu restaurante, que deve ter uma das cozinhas mais pequenas em Portugal, mais valorizo este feito. Temos uma espécie de corredor transformado em cozinha, para um projeto que foi inicialmente pensado para ser algo muito mais simples, onde se servissem pratos mais tradicionais como arroz de polvo, arroz de pato ou cabrito no forno.

O que mudou, então?

Ao fim de seis meses anunciei que me ia embora, porque já não era o que queria fazer, mas os proprietários deram-me total liberdade para fazer o o meu projeto. Avisei-os que iam perder dinheiro, mas mesmo assim concordaram comigo e o Antiqvvm tornou-se de facto o meu projeto, já pensado com o foco de conquistar uma estrela. Passados dois anos um dos sócios faleceu e pensámos que o restaurante ia encerrar, mas o filho assumiu o lugar do pai e decidiu continuar.

Esta segunda estrela ganha ainda um maior significado...

Culminar estes nove anos com um reconhecimento como este é algo muito importante. A maior parte dos restaurantes com duas estrelas têm grupos económicos por trás, que apoiam esse esforço, já o Antiqvvm tem apenas dois sócios que se não tiverem lucro não conseguem pagar ao pessoal. Não compramos pratos há dois anos, por exemplo. Nós fazemos milagres naquele restaurante.

Haverá uma maior pressão agora?

Sem dúvida, mas acima de tudo dá-nos uma responsabilidade muito maior. No fundo, o que é uma estrela Michelin? É apenas uma recomendação para as pessoas nos visitarem. Ou seja, não é para mim nem para o restaurante, é para os clientes. Nós só temos de corresponder a isso e não podemos falhar.

O que vai fazer quando voltar ao restaurante?

Vou reunir-me com a equipa e dizer-lhes isso mesmo. Tenho a sorte de ter uma equipa fantástica, muito jovem. O meu chef de cozinha, o Tiago Dias, tem apenas 22 anos e está lá 24 horas sob 24 horas. É a minha extensão na cozinha. Ainda hoje [no dia da entrega] me ligou por volta das oito da manhã, só para me dizer que íamos ganhar a segunda estrela. Respondi-lhe que era tolo, mas afinal tinha razão. As pessoas que trabalham comigo, às vezes vivem mais os projetos do que eu. Por isso esta estrela não é só minha, é de toda a gente. E digo-o mesmo a sério, porque se o projeto é bom, é devido à equipa que lá trabalha. Até porque neste momento estou dividido por nove projetos diferentes, entre eles o 2Monkeys, que ganhou hoje a primeira estrela. Neste momento o Antiqvvm é o estabelecimento onde passo mais tempo, mas mesmo assim não é o suficiente e porventura, agora, terei de rever a minha vida. Aliás, já recebi um telefonema da minha mulher a dizer-me para pensar bem naquilo que quero fazer, porque estou em nove projetos e isso começa a ser inconcebível. Estou num momento em tenho de repensar tudo, até porque não vou conseguir levar a vida que levo com um restaurante de duas estrelas.

Como é que consegue?

Não se vive. Faço muitos quilómetros todos os dias. Hoje vim direto aqui para a gala e às quatro da manhã já vou estar de regresso ao Porto, depois ainda vou para Vidago. E é sempre assim todos os dias. A maior parte dos meus colegas vivem para a cozinha, eu tenho uma família, tenho duas filhas às quais também tenho de dar atenção. Além disso também tenho um projeto de vinhos muito ambicioso, o Nature by Vítor Matos, que neste momento já fatura quatro vezes mais do que aquilo que faturo na cozinha. Entre isto, as consultadorias e os restaurantes, chego a casa todos os dias por volta das três ou quatro da manhã. Não vivo só para a comida e cada vez mais tenho de encontrar um equilíbrio entre esses dois lados. Sou de Vila Real e sempre sonhei em voltar às origens. Neste momento estou a construir a casa numa aldeia lá perto, em Jorjais, onde nasci.

Será aí que vai surgir o décimo projeto?

Talvez. Era suposto fazer lá um atelier para receber pessoas, mas a meio do percurso a minha mulher disse que não. E com razão, porque estaríamos a deixar invadir o nosso espaço privado. Mas entretanto comprei um terreno ao lado e já estou a negociar com os arquitetos para fazermos lá qualquer coisa. Vai ser um local muito pequeno, com 10, 12 lugares, mais pelo gozo que propriamente pelo negócio.

Qual é o segredo para se ganhar estrelas Michelin?

Não é preciso ser muito irreverente para ganhar estrelas, basta fazer boa comida e respeitar os produtos. É tão simples quanto isso. E ter uma boa equipa, que saiba receber os clientes com um sorriso e tornar o seu dia diferente.

Acredita que Portugal vai ter um restaurante com três em breve?

Acredito que vão haver três ou quatro. Tem de haver. Temos essa necessidade e já temos restaurantes para isso. À exceção do Antiqvvm, que tem um problema de espaço, quase todos os que já têm as duas estrelas em Portugal podem chegar à terceira em breve. Talvez já no próximo ano.

Saiba mais Gastronomia, Chef Vitor Matos, Estrela Michelin, Blind, Rita Matos, 2Monkeys, Antiqvvm
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