Conversas

Entrevista. Sharon Stone fala sobre namoros online, Hollywood e Instinto Fatal

Captou a atenção a nível mundial com o seu cruzar de pernas no filme Instinto Fatal, mas Sharon Stone viveu também três décadas como sex symbol da velha guarda de Hollywood e como atriz galardoada com inúmeros prémios. Aos 63 anos, escreveu um livro de memórias desconcertantemente franco – e continua a fazer cair muitos queixos.

A atriz Sharon Stone em Los Angeles, 2020
A atriz Sharon Stone em Los Angeles, 2020 Foto: Getty Images
09 de abril de 2021 | Polly Vernon

Sharon Stone chega à nossa entrevista no Zoom a 100 à hora; está de pé e cheia de energia no preciso momento em que a integro na conversa, deslumbrante e imprevisível, empolgada e irreverente, depois comovida quase até às lágrimas, de seguida indignada e depois a regalar-me com piadas sobre celebridades que me dá imensa vontade de contar.

É o seu 63.º aniversário e está a celebrá-lo em casa, em Los Angeles, e a receber "vídeos incrivelmente queridos!". "Foi um ano de covid, pelo que não houve grande oportunidade para estar com os amigos. Então levantei-me… tarde… e todos eles me tinham enviado estes vídeos hilariantes. Não tenho parado de rir, com gargalhadas de ir às lágrimas. Amor! Tanto amor a chegar até aqui!".

Houve uma atriz de comédia que "me enviou um vídeo dela a cantar vestida de unicórnio" (Stone mostra um largo sorriso) e o casal gay que vestiu o seu bebé e o seu cão "como o Homem de Lata do Feiticeiro de Oz" (Stone dá uma gargalhada), e o ator da série Ratched, da Netflix, na qual Stone desempenha atualmente um papel, que "se filmou a ele mesmo a falar comigo sobre como tenho sido como uma mãe para ele e aquilo que já fiz e que o ajudou na sua vida (Stone faz uma pausa para se recompor, tocando ao de leve com os dedos indicadores nos seus canais lacrimais) e (Stone com a voz abafada e impressionada) "uma amiga em Paris mandou-me uma foto da sua filha com quem tive um estranho momento de ligação psíquica quando ela tinha quatro anos. Elas estavam a viver na Florida e eu, do nada, entrei em pânico e telefonei-lhe a dizer algo como ‘Vê onde é que ela está! Vê onde é que ela está!’ e a filha dela tinha caído à piscina e estava a afogar-se! O que é que tem atrás de si?" Hum? "É uma pintura ou são… flores? De cor preta… num vaso branco?"

Viro o pescoço para ver o que está atrás de mim, consigo ver um Home Hub [dispositivo inteligente que se interliga com o ecossistema da casa], algumas mimosas (amarelas) a murchar e uma taça decorativa repleta de dispositivos de carregamento. "É lindo!", diz Stone. Eu agradeço, mas sem saber ao que se refere.

"Tenho de tapar as porcarias que estão no chão’". Levanta-se, desaparece da vista, depois reaparece com um pequeno quadro pintado a aguarela (mexendo-lhe com uma naturalidade como se tivesse sido ela a pintá-lo, que penso que foi), que posiciona em frente a uma pilha de resíduos domésticos completamente inofensivos. "Eu estava tipo ‘Ai, tenho lixo ali!’".

Stone volta a sentar-se, decide que está com muito calor e tira uma camisola de malha leve e translúcida, revelando um top preto de alças, braços belissimamente moldados e um colo imaculado.

Sei que se está a questionar sobre como está Stone – esta beldade famosa, esta sex simbol à moda antiga, que começou por captar as atenções a nível internacional da forma mais provocadora e impactante que se possa imaginar, em 1992, no papel de Catherine Tramell no filme Instinto Fatal, uma deslumbrante psicóloga que era também uma predadora sexual e serial killer e que seduz o detetive que anda a investigá-la (Nick Curran, interpretado por Michael Douglas) e que o desconcerta a ele e à extensa audiência do filme durante a cena do seu interrogatório policial, ao descruzar e voltar a cruzar as suas pernas sem usar roupa interior.

A cena mais emblemáica de Instinto Fatal (1992)
A cena mais emblemáica de Instinto Fatal (1992) Foto: IMDb

Doze atrizes filmaram esta cena até que Douglas cedeu e deixou Stone ir à audição. "Ele não queria testar a cena comigo. Note bem, eu não era ninguém quando comparada com ele, e o filme era arriscado", recorda-se Stone. Stone acabou por se revelar uma atriz de inquestionável talento (41 nomeações e 10 galardões, entre os quais um Globo de Ouro pelo seu desempenho no filme Casino, de Martin Scorsese, são a prova disso), mas foi o filme Instinto Fatal que a tornou decididamente conhecida do público. E eis-nos aqui, quase três décadas depois, a contemplar uma mulher que ficou famosa não só pela sua aparência arrebatadora mas também pela sexualidade que o seu desempenho ímpar injetou no momento cultural mais vasto, pelo que… como é que ela está?

Oh, bom… completamente e perturbadoramente linda. Sei que o protocolo me deveria qualificar esta frase com uma espécie de ressalva, como "para a idade que tem", mas não consigo. Não é relevante. Stone é uma maravilha em todos os aspetos – uma pele radiosa e umas maçãs do rosto estonteantes – e embora tenha falhado nos meus esforços para não estudar o seu rosto à procura de sinais de um facelift que ela sempre jurou não ter feito… o certo é que nada encontrei.

Atenção que sei que fez uma cirurgia aos seios; cirurgia que era suposto ser meramente reconstrutiva, depois da retirada em 2001 de tumores que, embora fossem benignos, eram "gigantescos, maiores do que o meu peito sozinho", mas quando acordou da operação descobriu que o seu cirurgião tinha "achado que eu ficaria melhor com mamas maiores e ‘melhores’. Quando me retiraram as ligaduras, descobri que os meus peitos estavam uma copa acima, eram peitos que ele disse que ‘vão melhor com o tamanho das suas ancas’. Ele tinha mudado o meu corpo sem o meu conhecimento ou consentimento".

Sei isto porque o li no recente livro de memórias de Stone, intitulado The Beauty of Living Twice, um relato cru, rebelde e magnífico de uma vida que começou por ser vivida no limiar da pobreza, numa pequena cidade rural da Pensilvânia, junto a uma comunidade amish, e depois como modelo na Nova Iorque dos anos 80, patinando por entre castings "para queimar gordura", e depois como estrela de Instinto Fatal, uma mulher que atiçou a curiosidade, deslumbrou e desconcertou Hollywood.

Assim, o livro The Beauty of Living Twice é o tema oficial desta entrevista. Começa com Stone – em 2001, com 43 anos – deitada numa cama de hospital, a ser informada por um médico que está com uma hemorragia cerebral: a sangrar do cérebro. Está perante uma dor agonizante, a encarar a morte, assustada e sozinha… E também furiosa, porque o médico é bonito, mas Stone não está em estado de poder flirtar.

O livro começa com este episódio e depois recua até à história da sua família. Uma avó paterna elegante, abastada, que vestia Schiaparelli, que perdeu todo o seu dinheiro quando o seu marido, o avô de Stone, morreu, deixando uma fortuna que ela, por ser uma mulher, não podia herdar; um avô materno predatório e abusivo, a quem a mãe de Stone, Dot, escapou ao casar-se com o pai de Stone, Joe, quando Dot tinha 16 anos, mas que abusaria da irmã mais nova de Stone, Kelly, na sua presença, quando ela tinha oito anos e Kelly cinco.

Na escola, Stone era demasiado inteligente e demasiado estranha ("uma excêntrica") para se divertir o suficiente. Os concursos de beleza para adolescentes levaram-na à carreira de modelo – embora só depois de o seu irmão mais velho ser detido e preso por venda de droga é que os pais de Stone acharam que a sua filha poderia, afinal de contas, estar mais segura na Nova Iorque dos anos 80, o que a leva a um papel num filme de Woody Allen, que a leva até Hollywood, que a leva ao acidente vascular cerebral que quase a matou mas que não chegou a isso. Tudo isso nos leva até agora. Mais ou menos.

Sharon Stone em 1990 numa gravação para o canal VH1
Sharon Stone em 1990 numa gravação para o canal VH1 Foto: Getty Images

The Beauty of Living Twice é uma deambulação, por vezes pouco clara – muitas vezes devido a imperativos jurídicos –, mas tão encantadoramente descrita que nem nos importamos. O livro está repleto de expressões deliciosas, como (em relação a Lela, a avó que vestia Schiaparelli) "ela punha a lua a um canto [achava-a excecional]", (em relação a uma vizinha) "ela é tão bisbilhoteira que seria capaz de cheirar os nossos puns para saber o que tínhamos almoçado". Há muitas fofocas sobre celebridades (o alegadamente abominável Steven Seagal disse a Stone para ela não se aproximar muito dele porque perturbava a sua bioenergia). Há até mesmo uma pitoresca contemplação da condição humana. É divertido; é impactante; é bom.

Portanto, fiquei surpreendida, e ao mesmo tempo não, ao saber que tinha sido a própria Stone a escrevê-lo. Fiquei surpreendida porque achava que todos os livros sobre celebridades eram redigidos por escritores fantasma; não fiquei surpreendida porque há algo de tão pessoal no livro que mais ninguém poderia tê-lo escrito.

Peço desculpa se pareci condescendente, digo-lhe.

"Não é ser condescendente! Por que razão saberia a Polly que eu conseguia escrever uma frase?", respondeu-me.

Até que ponto está Stone nervosa com a reação à… crueza bruta do seu livro? Da mesma forma que Stone é honesta sobre si mesma, também o é (quando os advogados permitem) sobre as outras pessoas: pessoas famosas, pessoas do meio cinematográfico, família. É um nível de honestidade que nem sempre é lisonjeiro. "Bom, há coisas duras no livro. Porque há ali uma voz que assusta as pessoas. Aquele tigre! Aquele tigre puro e duro! Tal como o Dalai Lama sempre me disse, ‘um tigre nunca pede desculpa’. Por isso, não podemos pedir desculpa sobre a forma como abordamos este tipo de verdade. Ele disse-me que sou uma espécie de coisa muito particular que é ao mesmo tempo destruição e criação. E que o impacto da destruição que vem com a minha criação será sempre muito semelhante ao de um tigre e irá sempre abalar as pessoas à minha volta, e a questão é essa. E foi essa a questão ao ter vivido quando estava a morrer [após o AVC]. Ele diz que há um impacto de cada vez que faço algo do género e que vou ter este tipo de efeito-chicotada… Tenho sido muito ameaçada por causa desta história".

Por quem?, pergunto. "Não posso dizer".

Mas foi ameaçada recentemente e especificamente devido ao conteúdo do livro? "Não posso falar sobre isso. Mas posso dizer-lhe que, ao longo da minha vida, fui ameaçada e ameaçada e ameaçada e ameaçada".

A atriz com Dalai Lama em Los Angeles, 2014
A atriz com Dalai Lama em Los Angeles, 2014 Foto: Getty Images

Digo a Stone o quão impensável isso é para mim, na minha perspetiva, enquanto consumidora do seu trabalho e da sua fama; conto-lhe de como fiquei a saber da sua existência, quando o filme Instinto Fatal estreou, de como ela me parecia (eu tinha 19 anos) personificar nada mais do que força, confiança sexual, glamour, sucesso, e do quão inspirador isso tinha sido para uma jovem mulher. Como poderia alguém aparentemente tão poderosa sentir-se ameaçada?

"Pense na forma como fui tratada, enquanto pessoa, depois de o filme ser exibido".

Apesar do êxito comercial de Instinto Fatal, Stone foi ridicularizada em Hollywood à conta do filme, foi desdenhada e rejeitada – se bem que ao ator com quem contracenava, Michael Doulgas, nada disso tenha acontecido. "Quando fui aos Globos de Ouro como nomeada para o prémio em 1993 e disseram o meu nome enquanto finalista, todos se riram. Depois do filme estrear, as coisas foram muito difíceis para mim", conta-me Stone.

E por que motivo acha que as pessoas foram tão desdenhosas? "Provavelmente pensaram que eu era aquela personagem cujo papel desempenhei. Queriam acreditar que eu era aquela personagem".

Mas eles estão no mesmo meio! Eles sabem como é que funciona a representação! "Era mais fácil acreditarem que eu era aquela personagem".

Mais fácil do que acreditarem que você tem talento? "Não é sempre assim? As pessoas não andam à volta das mulheres a dizerem ‘parabéns, és tão talentosa, nunca imaginei!".

Sharon Stone e Michael Douglas em Instinto Fatal (1992)
Sharon Stone e Michael Douglas em Instinto Fatal (1992) Foto: Getty Images

Acho que é particularmente difícil para as pessoas se essa mulher for bonita, digo a Stone. Faço referência a uma parte do livro em que Stone fala sobre a sua tia, Vonne, que teve uma dura experiência de vida, pelo menos em parte devido à sua beleza e à forma como o mundo a via por causa disso. "Há um preconceito em relação à verdadeira beleza", escreveu Stone ao falar sobre a tia Vonne. "Ela tinha sempre esse peso nas costas".

"A minha tia era bonita. Tão bonita", diz Stone. Certo, digo eu, mas a Stone também e, ao que tudo indica, também foi alvo desse tipo de preconceito? Stone olha-me diretamente nos olhos.

"E você também. ‘Olha para ti. De certeza que não és inteligente. Olha para ti. De certeza que não dás conta do recado. Olha para ti’". Sinto-me embaraçada, lisonjeada e triste. E isso nota-se.

"Exatamente", diz Stone. "’Olha para ti’".

Obviamente, quero falar mais sobre Instinto Fatal. O filme protagonizado por Sharon Stone há 30 anos – e que lhe trouxe tantos momentos difíceis – ainda hoje tem uma importante influência. Continua a ser visto e continua a servir de ponto de referência sobre sexo e poder; que penetra seja em qual for o equivalente cultural das nossas retinas. Sei, por ter lido o seu livro, que Stone queria desesperadamente aquele papel e que lutou bastante por ele.

Porquê? "Porque sabia que conseguiria desempenhá-lo. E compreendia o Michael [Douglas]. Já o tinha conhecido muito tempo antes. Discutiu comigo de imediato. Quase que nos batemos". Isso, conta-me ela, aconteceu uns anos antes do Instinto Fatal, numa altura em que Douglas era famoso ("Oh meu Deus, ele é famoso desde que nasceu!") e Stone não.

"Eu estava a falar sobre outra família que ambos conhecemos, mas ele não sabia o quão intimamente ligada eu estava a essa família. Referi qualquer coisa acerca do filho e ele disse algo como ‘Oh, ele não chega aos calcanhares do pai’. Estava furioso, disse-me não sei o quê, estávamos sentados num grande grupo. Olhei para ele e pensei: ‘o quê?’ Isto porque ele ‘espingardou’ para cima de mim! E eu disse: ‘acho que devíamos ir até lá fora’".

Desafiou o Michael Douglas para uma luta?

"Sim! E ele respondeu: ‘acho que devíamos ir’. E foi assim, com cerca de 20 pessoas à volta e todos a dizerem ‘Ooooooooh!’. Fomos lá para fora e eu disse-lhe: ‘não me conheces’. E ele: ‘e tu também não me conheces’. E foi assim que tivemos esta fantástica discussão como se andámos na escola secundária".

Mas bateu-lhe? "Não lhe bati".

Teria conseguido bater-lhe? "Claro que sim! Cresci no campo, com irmãos mais velhos e um pai rígido". O que acha que ele teria feito se a Stone lhe tivesse batido? "Ele não me bateria, mas provavelmente ter-me-ia travado, provavelmente ter-me-ia manietado. Não acredito que me tivesse batido – mas provavelmente teria pensado: ‘adoro-a’".

O resultado desta primeira escaramuça foi uma pronta química nas filmagens. "Sabíamos de imediato como dar ímpeto um ao outro. Tivemos – temos – uma relação bonita".

Stone fala acerca da cena do interrogatório policial sem roupa interior: ela diz que lhe foi dada a garantia de que o plano de filmagem se manteria nos limites da decência e que só se apercebeu durante um visionamento do filme que esse era um ponto controverso. "Depois da rodagem do filme, fui chamada para o ir ver. Não apenas com o realizador, como se esperaria, mas sim numa sala cheia de agentes e advogados, a maioria dos quais nada tinha a ver com o projeto. Foi aí que vi a cena da minha vagina pela primeira vez, muito depois de me terem dito ‘não se vai ver nada – só tens de tirar as cuecas, pois a cor branca está a refletir a luz e, por isso, percebe-se que as estás a usar".

No fim da exibição, Stone deu uma bofetada ao realizador, Paul Verhoeven. "Penso que ninguém sabia [o quanto a cena acabaria por roçar a indecência]. Os vídeos eram bastante nebulosos naquela altura e acho que ninguém percebeu até a cena ser visionada".

Digo a Stone que a considero uma mulher destemida. O que mais dizer de uma rapariga oriunda de uma pequena cidade que simplesmente já sabia, desde que era bem novinha, que estava destinada a ser uma atriz famosa, que foi para Nova Iorque trabalhar como modelo quando ainda era uma adolescente, que depois seguiu para Hollywood, onde foi inicialmente vista como não adequadamente sexy, como não sendo suficientemente ‘boa de ir para a cama’ para ser contratada, e que remediou isso organizando uma tática sessão fotográfica para a Playboy, usando os contactos que tinha feito enquanto assista a uma das semanais noites de luta na Mansão Playboy.

Então é destemida?

"Não! O Martin Scorsese disse-me que sou como o John Ford. E eu perguntei-lhe: ‘O John Ford?’ E ele respondeu: ‘sim, tens medo de tudo, por isso enfrentas tudo de frente. Atiras-te a tudo’. Acho que isso talvez seja um pouco verdade. Tinha um amigo, o Brett, que dizia: ‘és como um Ferrari. Pareces óptima vista de fora, mas vais abaixo a cada 8 quilómetros’. Penso que é mais isso. Penso e sigo em frente, depois vou-me abaixo, em seguida ando mais um pouco e volto a ir-me um bocado abaixo".

Sei, por ter lido o livro, que uma das alturas em que Stone se foi abaixo aconteceu quando perdeu a custódia principal de Roan, o filho que adotou com o jornalista Phil Bronstein, o segundo dos seus dois maridos (o primeiro foi o produtor Michael Greenburg), de quem se divorciou em 2004. Stone levou muito tempo a recuperar do acidente vascular cerebral de 2001, sete anos ao todo, tempo esse em que Hollywood a pôs de lado sem cerimónias. (Numa outra entrevista, Stone descreveu essa experiência como ser "atirada de um TGV em andamento", acrescentando que para reconquistar a sua carreira de atriz teve de "rastejar por uma montanha de vidro partido, regressar ao comboio de alta velocidade que segue a 1,5 milhões de quilómetros por hora, e abrir caminho a partir do vagão do gado"). E o seu casamento desmoronou-se.

Sharon Stone com o ex-marido Phil Bronstein nos Óscares, 2002
Sharon Stone com o ex-marido Phil Bronstein nos Óscares, 2002 Foto: Getty Images

O seu segundo divórcio e a perda do seu filho estão entre as partes mais vagas do livro. Há apenas uma referência à dor que isso lhe causou. Agora, nesta entrevista, diz-me que planeou comemorar "um novo casamento, um novo bebé e uma vida feliz. Vou largar Hollywood e a Sharon Stone!", mas, em vez disso, quase morreu, divorciou-se e "perdi a guarda do meu filho. Pois".

Ela sempre quis adoptar, conta-me, mas nessa altura "fiz outra coisa, que foi tentar ter filhos [biológicos]". Sofreu três abortos aos cinco meses e meio de gravidez, o último dos quais "uma gravidez múltipla". "Eles achavam que eu estava grávida de cinco bebés e fui perdendo um de cada vez. Um após o outro, após, o outro, o batimento cardíaco deixava de se sentir. E o último bebé morreu e eu consegui senti-lo e sabia-o".

Ao regressar a casa, saída do hospital, "recebi um telefonema do responsável pelo processo de adoção a dizer que tinha um bebé, que acabou por ser o meu filho Roan. ‘Há um bebé disponível dentro de seis semanas, quer ficar com ele?’". Dado que Stone estava ainda bastante atordoada com as hormonas da sua própria gravidez quando recebeu Roan em casa, sentiu quase como se o tivesse dado à luz. "Por isso, vê-lo ser retirado de mim…"

Roan tinha três anos quando Stone perdeu a custódia principal. Mas as coisas ajustaram-se e agora Roan, com 20 anos, vive com Stone e com os seus dois outros irmãos que a atriz adotou posteriormente, Lair com 15 anos e Quinn com 14. "Foi difícil para ambos… fizemos muitos exercícios de re-parentalidade e terapia. Fizemos muito do trabalho que precisávamos de fazer. Amo-o tanto".

A atriz com o filho Roan em 2017
A atriz com o filho Roan em 2017 Foto: Getty Images

E que mais há a dizer? Stone é budista, o que explica a sua capacidade de ocasionalmente falar com o Dalai Lama. E desistiu de tentar manter laços com o seu problemático irmão Michael, cuja dependência da droga e condenações fizeram manchetes periódicas ao longo das décadas, e cujo filho – Colin Stone, sobrinho de Stone – morreu de overdose em 2014, aos 22 anos.

Qual é o estado da relação entre ela e Michael? "Não existe", responde. Ele foi demasiado longe. Nós tentámos. Houve anos bons e anos maus e anos bons e anos maus. Mas, neste momento, ele está num período em que acha que a minha mãe, por o ter dado à luz, lhe deve tudo o que tem. Por isso ela agora está comigo. E ele está ocupado a ser ele mesmo. Todas as famílias, todas as famílias, têm algum elemento… que é peculiar".

E Stone conta-me que desde há cerca de um mês que não tem "nenhum representante", nenhum agente de atores, pela primeira vez na sua carreira. Fico com a impressão de que os despediu, quem quer que fossem. Ela descreve a relação entre ator e agente como "bastante aviltante". "Nunca tive uma única experiência em que sentisse que poderia dizer ‘obrigada por todo o apoio. Obrigada por tudo isso’". Mas Hollywood é assim, diz.

"Eles não estão interessados em ti. Tu és o peão ou, se ganhas importância, és o cavalo ou o bispo, mas nunca serás a rainha ou o rei… Fui amiga de grandes celebridades como Jack Nicholson – e vi que os agentes nunca param. Eles nunca param de o recriminar; nem sequer param de recriminar quem quer que seja. Não importa quem sejas, se eles puderem colocar-te atrás da bola oito e dizer-te que não tens seja o que for que é preciso, fazer-te sentir que tens constantemente de te reprovar, que não és aquilo, que algo está errado contigo; que mesmo durante as filmagens não estás a ser bem sucedido… eles irão dizer-te isso, porque isso faz com que não estejas tão no controlo das coisas e te sintas mais carente e mais disposta a ser menos, a aceitar menos, a acatar melhor as coisas".

Stone está solteira. Sei que explora aplicações de encontros, que uma vez se increveu na Bumble, mas que bloquearam a sua conta porque assumiram que era um perfil falso. E agora? "Não sei se sou uma pessoa que vai acabar por ter uma relação para a vida, mas espero ser", diz-me.

Ela voltou a aventurar-se online, achou que era "uma experiência de aprendizagem gira, durante a covid, quando se sabe que não podemos estar verdadeiramente juntos: é uma liberdade. Há uma espécie de intimidade especial, é uma maneira interessante de conversar. Aprendi um pouco mais sobre como os homens pensam e como é que na verdade eles são e como é que funciona o seu íntimo". Mas essas conversas não se transformaram em relações plenas? "Não". Poderão outras, no futuro, sê-lo? Stone responde que não sabe.

Fazemos as despedidas; ultrapassámos em hora e meia o tempo que tínhamos combinado. Digo a Sharon Stone que não quero tomar-lhe mais tempo do seu precioso aniversário (verdade, embora também significasse que queria ir dormir; Stone está com o horário de Los Angeles, mas em Londres já passa da minha hora de me deitar) e ela diz-me que gostou de estar à conversa.

Então, "eu vejo-te, Polly", diz-me. "Eu vejo-te mesmo".

O que é estranho, porque – apesar de Stone estar, naquele momento e com aquela frase, a articular uma noção sem sentido, esvaziada de conteúdo e pseudo-psicológica, uma espécie de pensamento não consciente e confuso, o tipo de discurso a que normalmente me oponho firmemente, porque o que é que significa "Eu vejo-te"? A sério? – sinto-me, contudo, vista por Sharon Stone, e isso é adorável.

Polly Vernon/The Times/Atlântico Press

Tradução: Carla Pedro

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