Conversas

Tomás Roquette: “Temos potencial para fazer os melhores vinhos do mundo”

Tomás Roquette é um exemplo do caminho traçado por muitos proprietários que há anos possuíam quintas no Douro. Os anos 90 e as novas estradas marcaram a diferença: os vinhos de mesa vieram para ficar e os projetos passaram a ter rosto. A quinta do Crasto não sai da família desde o início do século XX e a probabilidade é que assim continue muitos anos.

Foto: Quinta do Castro
16 de dezembro de 2021 | Augusto Freitas de Sousa
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Pode explicar a origem da Quinta do Crasto?

A Quinta do Crasto vem da família da minha mãe. Foi comprada pelo meu bisavô Constantino de Almeida no início do século passado, em 1918, e manteve-se sempre na família. Sou da quarta geração.

Nesses tempos houve uma ligação ao Brasil. Com o seu bisavô?

Foi para o Brasil ter com o padrinho, mas nessa altura já tinha a empresa Constantino que fazia vinho do Porto e exportava. Mais tarde, a marca foi vendida à Casa Ferreira, mas o Crasto ficou.

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O seu avô também era do Porto?

Nasceu no Porto e teve 11 filhos. Entre os quais o meu tio mais velho, José Roquette, dono da Herdade do Esporão. Na quinta, o meu avô guardou garrafas de vintage e LBV (Late Bottled Vintage) de vinho do Porto, que nos permitiu ter um stock que viria a ser importante nos mercados do vinho.

Foto: Quinta do Castro
Foto: Quinta do Castro

Nunca ninguém se mudou para a quinta?

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Na realidade, nunca vivemos aqui. Passávamos fins de semana e algumas temporadas. Na altura, quando era mais novo – hoje tenho 51 anos – eram três horas e meia para cá chegar.

Os seus pais, Leonor e Jorge Roquette, também passaram pelo Brasil?

O meu pai era economista no Banco Espírito Santo e a seguir ao 25 de abril foi complicado para a família, apenas pela posição deles. O meu pai e o meu tio José foram presos. Antes de ser libertado, o meu pai obrigou-os a assinarem um documento onde se refere que nada foi provado contra ele. Porque senão, não saía. A seguir, o meu pai, os irmãos e os filhos foram para o Brasil.

O Tomás tinha cinco anos. Como foi?

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Foram seis anos fantásticos no Rio de Janeiro. Primeiro, uns meses em Niterói e depois em Ipanema. Recordo-me de um período sem dificuldades e eles dizem que foram um dos melhores períodos do Brasil. Tínhamos uma casa em Búzios, na época um verdadeiro paraíso, onde íamos passar os fins de semana. Trago muito boas recordações. Foram tempos fantásticos.

Foto: Quinta do Castro

Regressaram em 1981.

Sempre tiveram ideia de regressar até porque a família toda estava cá. Todos os irmãos vieram, tios e primos, menos um, o meu tio João Roquette que criou a Qualimpor. Importa os vinhos do Esporão e da Quinta do Crasto. Na altura, o meu pai foi convidado por Artur Santos Silva para abrir a SPI, que originou o BPI.

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Foram morar para o Porto?

Tínhamos uma casa na Rua do Crasto, por coincidência, onde já vivíamos antes, mas quando regressámos, o meu pai decidiu vender para ter dinheiro para comprar as participações da família na Quinta do Crasto. Fez uma casa em Miramar onde vivi e onde os meus pais ainda vivem.

Saiu de casa quando casou?

Sim. Casei com uma colombiana, filha do português Olindo Oliveira, da Riopele. Estive casado 12 anos e vivi em Matosinhos. Tenho dois filhos que vivem em Cali na Colômbia, onde vou muitas vezes. Nunca estamos mais de dois ou três meses sem nos vermos. Hoje vivo com a Cristina e tenho uma vida quase perfeita. Ela adora vinho, apoia-me no projeto da minha vida e até se queixa de não ir à quinta mais vezes.

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Foto: Quinta do Castro

E a sua formação? Chegou a andar em marketing…

No ISCIE, na Foz do Porto. Mas não me fascinou e acabei por ir para Oxford, em Inglaterra, onde fiz um curso de inglês e depois um ano e meio em Londres onde fiz um curso técnico de marketing.

É nessa altura que entra na gestão da quinta?

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O meu pai desafiou-me em 1995 para ser diretor de produção e passei a ir para o Douro à segunda e a regressar ao Porto à quinta-feira. Tenho muitas saudades daquele tempo: um Douro mais isolado e mais autêntico. Num ano engordei 10 quilos. Fazia a parte de viticultura e enologia e engarrafamento. O meu irmão Miguel Roquette estava na Quinta do Noval e veio para o Crasto como comercial e para tratar da exportação. A minha irmã Rita trabalhou aqui, mas hoje está mais noutra quinta no Douro, uma vez que é casada com o João Alves Ribeiro da Quinta do Valado.

Depois compraram a Quinta da Cabreira no Douro Superior…

Para nós crescermos no setor premium tínhamos que controlar a matéria-prima. No ano 2000 começámos a comprar no Douro Superior, e hoje temos a Quinta da Cabreira com 150 hectares, dos quais 114 hectares de vinha, junto ao rio Douro, mas lá só temos vinhas, mais nada.

Foto: Quinta do Castro
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Que vinhos saem de lá?

Criámos a linha superior: o Crasto Superior tinto, branco e Syrah. Também saem dali o Crasto tinto e branco e o Flor do Crasto, a entrada de gama apenas para exportação.

Mas têm outro projeto?

Um projeto muito interessante que nasce em 2003. O meu pai é muito amigo de Jean-Michel Cazes, dono do Chateau Lynch-Bages em Bordéus, França. Era presidente do grupo Axa que, por sua vez, detinha a Quinta do Noval nessa altura e é casado com a portuguesa Teresa Cazes. Como dois bons amigos, fizeram um vinho.

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Noutra quinta?

Acabámos por desenvolver outra quinta no Douro Superior que está totalmente dedicada a este projeto. Chama-se Quinta do Meco e produz 150 toneladas de uvas. Os vinhos são o Xisto Roquete & Cazes, de topo, com cinco a oito mil garrafas, mas apenas quando o conseguimos fazer. O Roquete & Cazes sai todos os anos, cerca de 70 a 80 mil garrafas por ano. Todos com as castas tradicionais e vinhas velhas.

Foto: Quinta do Castro

Win-win?

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Tem sido uma enorme oportunidade para trocarmos experiências com uma família muito tradicional de vinhos em Bordéus. Temos aprendido muito com eles e aprendem muito connosco. É a Quinta do Crasto que presta serviços para a Roquete & Cazes, como vinificar, armazenar, engarrafar e exportar.

Que vinhos têm na Quinta do Crasto?

Começamos por produzir o Crasto tinto e o reserva vinhas velhas, cerca de 28 mil garrafas, que produzimos até hoje, depois fomos alargando o nosso portefólio com os vinhos de topo Vinha da Ponte e Vinha Maria Teresa, em 1998. Hoje produzimos 1,5 milhões de garrafas para 54 mercados. E ainda houve uma altura, em 2003, em que recuperamos o olival e hoje temos 8000 árvores em produção para os azeites extra virgem Quinta do Castro Premium e Selection.

Os brancos vieram mais tarde?

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Percebemos que para ter um portefólio mais equilibrado tínhamos que ter um vinho branco. Nós próprios tínhamos algumas dúvidas, algum ceticismo sobre se o Douro seria uma região para produzir brancos. Mas atualmente não tenho dúvidas em afirmar que é uma região excecional, mas se calhar as vinhas não estavam nos lugares certos. Esse trajeto, nós e outros produtores, fomos fazendo e hoje está claramente bem identificado onde são as melhores zonas para produzir uvas tintas e brancas. Também lançámos o Crasto Rosé, que deixaram de ser aqueles vinhos com algum açúcar residual para passarem a ser vinhos secos, com acidez natural, com a cor menos extraída, muito agradáveis, muito interessantes.

Foto: Quinta do Castro

Depois dos brancos e rosés veio o enoturismo.

Há uma altura em que acontece uma revolução no Porto e não se pode dissociar a cidade do Douro. O novo aeroporto, mais voos, a revitalização do Porto e o Douro acaba por ser uma extensão natural. Muita gente perguntou se podia visitar a quinta, pessoas que conheciam os nossos vinhos, e percebemos que tínhamos que ter uma equipa dedicada. Começámos com a Andreia Freitas que ainda cá está e rapidamente aumentámos a equipa. Hoje os visitantes podem vir cá de barco, de carro ou de comboio e comprei uma carrinha que já é famosa, uma Ford Bedford, que faz o trajeto do barco e do comboio para a quinta. Também temos uma empresa de barcos, com outros sócios, que é um complemento. Temos dois barcos, o Friendship e o Pipadouro, e estamos a restaurar um terceiro, o São Januário, que estará pronto para o ano. As pessoas podem vir visitar, fazer uma prova, visitar as vinhas e as instalações, almoçar ou jantar.

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Mas não podem dormir.

É o que vamos fazer agora. Vamos recuperar algumas casas que estão desativadas, fazer alguns quartos, para que as pessoas possam ficar aqui a dormir e viver a experiência que é o Douro, a Quinta do Crasto, os nossos vinhos e azeites.

É importante ter visitantes na quinta?

Se nós conseguirmos que cada pessoa que nos visita saia daqui com uma experiência muito positiva e se transforme num embaixador da nossa marca, isso é claramente um grande contributo para o goodwill que a marca passará a ter.

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Foto: Quinta do Castro

Nunca pensou expandir para outras regiões?

Não vou dizer que nunca me tenha passado essa ideia pela cabeça. Sou um apaixonado por vinhos, muito apaixonado por vinhos portugueses, de uma forma geral. Portugal é um verdadeiro paraíso para quem gosta de vinhos e gastronomia. Não conheço nenhum país no mundo com a dimensão que tem Portugal com mais de 300 castas autóctones, com mais de 20 regiões DOC, e cada uma com uma gastronomia típica associada. Um diamante por lapidar.

Mas escolheria uma?

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Há regiões e vinhos que eu admiro imenso. Se tivesse que escolher uma, que mais me fascinasse, escolheria a região dos vinhos verdes. Se amanhã tivéssemos que investir, talvez começássemos por aí. Acho que, tal como o vinho do Porto, estamos a falar de um tipo de vinho que é único e só é produzido naquela região. Os vinhos tintos e brancos podem ser produzidos noutras regiões, em terroirs diferentes, mas vinhos verdes só podem vir dali. Depois porque sou um apaixonado por esses vinhos e não só os brancos.

Portugal continua a manter os preços baixos?

Acredito que Portugal tem muita margem para aumentar os preços dos seus vinhos. Quando bebemos um grande vinho português que custa 20 ou 30 euros e vamos comparar a mesma qualidade com um espanhol, um italiano e um francês, em Espanha vende-se pelo dobro, Itália pelo triplo e França pelo quádruplo. A diferença não está na qualidade, mas na capacidade que temos como país de produtor de grandes vinhos para colocar uma margem justa nos vinhos que fazemos.

Foto: Quinta do Castro
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Há potencial para aumentar os ganhos?

Um bom exemplo de uma região que mudou completamente o seu paradigma foi a dos vinhos verdes. Era interpretado como tendo pouca qualidade e barato e agora começamos a encontrar umas duas dúzias de produtores que produzem vinhos de altíssima qualidade e a vender mais caro. Um bom exemplo de como se faz melhores vinhos e se aumentam os preços.

Mas há mais modernização e mecanização. Isso não prejudica a tradição?

O que é retro, feito à maneira antiga, à mão, tem o seu mercado e começa a ser valorizado. Aqui, no Crasto e em Portugal, temos que ir pelos vinhos diferenciados e não pela quantidade e preço baixo. É o trajeto que temos que fazer. Se alguém quiser fazer um vinho barato comprará um vinho do Chile, da Argentina ou até da China, mas se quiser diferença, história e qualidade beberá o vinho da velha Europa e de Portugal. Mas no futuro, creio que Portugal vai continuar a manter uma boa relação preço-qualidade. Temos potencial para fazer os melhores vinhos do mundo.

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