O meu foguetão é maior do que o teu
A rivalidade galáctica entre dois dos homens mais ricos do mundo, Jeff Bezos e Elon Musk está a dar gás a uma nova corrida ao espaço.
As escadarias para o céu começam no Texas. Em 2003, um jovem Elon Musk andava à procura do local adequado para realizar o seu sonho de se tornar um pioneiro da aventura espacial. Fundou a Space Exploration Technologies Corp – conhecida como SpaceX – com o objetivo de produzir foguetões e um dia enviar pessoas até à Lua, ou mesmo até Marte. Mas primeiro tinha de encontrar um lugar onde pudesse levar a cabo o perigoso e barulhento trabalho da testagem dos foguetões. Os vastos espaços abertos de marcha livre existentes no Texas, onde as pessoas são muito mais descontraídas no que toca a armas de fogo e explosivos, foram a solução perfeita. Foi aí, por entre cascavéis e formigas-lava-pés [também conhecidas como formigas-de-fogo] e sob um calor abrasador, que Musk se lançou ao trabalho.
Ao mesmo tempo, a 800 quilómetros dali, um outro empreendedor norte-americano procurava um local para satisfazer as suas próprias ambições das viagens ao espaço. Jeff Bezos criou a sua empresa espacial, Blue Origin, dois anos antes de Musk, mas tinha estado desviado desse caminho devido a problemas na Amazon, a sua empresa de compras na Internet que esteve perto da falência em 2002. Quando recuperou, um ano mais tarde, Bezos estava pronto para alcançar as estrelas. Longe dos olhares curiosos, perto da pequena cidade texana de Van Horn, descobriu o sítio ideal para os lançamentos.
Ao contrário de Musk, Bezos era tímido em relação aos seus planos, e quando o helicóptero que o levou a visitar potenciais locais se despenhou, isso foi um grande revés – tanto pela publicidade em torno do assunto como pelos estragos. Um Bezos abalado saiu dos destroços com ferimentos apenas ligeiros, explicando que andava à procura de um rancho. Quando comprou milhares de hectares vazios em 2004, foram poucos os que suspeitaram que estava mais interessado em foguetões do que em rodeos.
E assim começou a atual corrida ao espaço – que não é uma batalha entre nações rivais ou entre doutrinas políticas. Nem sequer se trata de uma batalha entre tecnologias concorrentes. Em vez disso, trata-se de um teste de resiliência entre dois milionários obcecados por ficção científica que compraram tudo aquilo que o dinheiro consegue comprar na Terra e que estão agora à procura do infinito e mais além.
Musk, com 49 anos, controla a Tesla, a maior fabricante automóvel do mundo em valor de mercado. Criado na África do Sul, foi para os Estados Unidos aos 19 anos e passou alguns dos anos seguintes a dormir em sofás e a tomar banho nas instalações da YMCA [movimento social mundial dedicado à juventude]. Fez fortuna com a X.com, uma empresa de serviços financeiros que depois foi alvo de fusão para criar a PayPal. Tem atualmente um património avaliado em 130 mil milhões de dólares, segundo o Índice de Milionários da Bloomberg, o que faz dele a segunda pessoa mais rica do planeta.
Bezos, com 56 anos, é o ser humano mais rico de sempre, com um património líquido de cerca de 180 mil milhões de dólares. O seu primeiro emprego foi a virar hambúrgueres no McDonald’s. Depois de se licenciar na Universidade de Princeton, nos EUA, trabalhou em Wall Street – de onde saiu para criar a Amazon em 1994.
A partir dos seus humildes passos iniciais no matagal texano, os dois homens ascenderam ao ponto de dominarem a indústria espacial. Em maio passado, a SpaceX de Musk fez de Robert Behnken e Douglas Hurley os primeiros astronautas, desde 2011, a viajarem numa nave espacial a partir de território norte-americano. Este mês, o foguetão Falcon 9 de Musk transportou com sucesso mais quatro astronautas até à Estação Espacial Internacional – a primeira missão deste tipo realizada por um operador comercial. Não se ficando atrás, Bezos pretende lançar um foguetão no próximo ano que será maior e mais potente do que o Falcon 9, e já revelou planos relativamente a um módulo concebido para a alunagem de astronautas – o que acontecerá pela primeira vez desde 1972.
A SpaceX de Musk e a Blue Origin de Bezos superaram mesmo fabricantes aeronáuticas como a Boeing e a Lockheed Martin, com as suas vastas fábricas a empregarem centenas de milhares de pessoas. Agora, ambas as empresas se confrontam, alimentadas por dinheiro, pelo ego e – apropriadamente – por um fascínio pelas mais populares séries de ficção científica do cinema e da televisão: Star Wars [Guerra das estrelas] e Star Trek [O caminho das estrelas].
O foguetão Falcon 9 de Musk recebeu esse nome em alusão ao Millennium Falcon de Star Wars. Bezos, por seu lado, lançou uma cápsula com um manequim de teste chamado Manequim Skywalker [protagonista de Star Wars] em preparação para as suas próprias missões tripuladas. Na próxima década, estes dois homens deverão colher os enormes frutos comerciais que o espaço oferece – incluindo satélites para a Internet, telecomunicações e vigilância, bem como o transporte de turistas espaciais. A NASA já pôs de lado a empreitada de enviar astronautas para a órbita terrestre baixa e começou a subcontratar essa tarefa a Musk e – em breve – a Bezos, um negócio que vale milhares de milhões de dólares. Poderá pensar que há lugar para os dois no espaço. Mas aquilo que começou por ser uma disputa lúdica acabou por se transformar numa rivalidade épica que talvez só termine quando um deles tiver sido eliminado da órbita.
Lori Garver, uma ex-executiva da NASA que lidou com ambos, disse que, apesar das declarações de Musk e Bezos sobre o envio de colonos para outros planetas com o intuito de salvar a raça humana das doenças ou da aniquilação devido a uma guerra ou asteróide, as suas motivações poderão ser menos altruístas que isso. "Adoro a ideia do ‘Quero fazer progredir a humanidade e salvar a espécie’", comentou Lori Garver a Tim Fernholz, autor do livro Rocket Billionaires. "Mas o que está em questão [basicamente] são os rapazes e os seus brinquedos".
Se recuarmos a um tempo em que estas linhas de batalha ainda não tinham sido desenhadas, houve uma altura em que Bezos e Musk foram, por breves momentos, amigos de aventura espacial. Em 2003 estiveram juntos num jantar em São Francisco organizado por Tomas Svitek, um consultor que já tinha trabalhado com ambos. Svitek sabia que eles partilhavam interesses similares e achou que talvez até unissem forças. Posteriormente, disse que ambos falaram bem um do outro. "Uma reunião cool – este tipo é divertido, gostámos muito". Mas depois de tirarem as medidas um ao outro, cada um seguiu o seu caminho. Segundo Christian Davenport, jornalista do The Washington Post e autor do livro The Space Barons, mais tarde Musk recordou o encontro da seguinte forma: "Fiz o meu melhor para lhe dar bons conselhos, que ele basicamente ignorou. Tornou-se bastante claro, tecnicamente, que ele estava a bater à porta errada".
Os dois homens deram por si à pesca na mesma limitada plataforma de especialistas em construção de foguetes. Em 2008, depois de um dos engenheiros de Musk o ter deixado para se juntar à Blue Origin, a SpaceX meteu os advogados ao barulho alegando que o engenheiro tinha violado o seu contrato e que a Blue Origin tinha tentado "recrutar vários funcionários da SpaceX com conhecimentos específicos e detalhados das apostas conceptuais da SpaceX".
A ação judicial foi julgada improcedente, mas o rastilho estava aceso. Quando a SpaceX tentou ter o uso exclusivo da base de lançamento 39A da NASA, em 2013, a Blue Origin – que tinha feito uma oferta concorrente – fez chegar ao governo um protesto formal. Os senadores norte-americanos que defendiam Bezos avisaram a NASA que "bloquear a utilização da base a todas as empresas, menos a uma, seria dar, basicamente, o monopólio a essa empresa". Musk rebateu, considerando que estava perante uma "falsa tática de bloqueio", tendo considerado o protesto de Bezos um caso de "inveja do local de lançamento". "Intentar um processo por causa da 39A, quando o máximo que eles colocaram em órbita foi um palito (…)? É, pois, absurdo que [Bezos] diga que a Blue Origin devia ter acesso à 39A", disse um Musk enfurecido. Ele enviou um email ao website SpaceNews dando a entender que Bezos fazia bluff: "Se eles, de alguma forma, apresentarem nos próximos cinco anos um veículo qualificado pelos padrões de avaliação humana da NASA (…), então de bom grado acomodaremos as suas necessidades". As hipóteses de isso acontecer, concluiu Musk, eram mais ou menos as mesmas que descobrir "unicórnios a dançar na chama do motor de propulsão" [de um foguetão].
A SpaceX ganhou a disputa e os funcionários de Musk celebraram decorando a base de lançamento com 100 unicórnios insufláveis. Segundo Christian Davenport, uma fotografia do capitão Jean-Luc Picard, de Star Trek, adornava os escritórios da SpaceX, com um balão de texto a sair da sua boca e a dizer: "Para que raio precisa a Blue Origin de uma base de lançamento na Florida?"
Não demorou muito até Bezos e Musk voltarem a entrar em rota de colisão, desta vez a propósito dos planos de recorrer a barcos-drone que constituíssem plataformas seguras de aterragem para foguetões reutilizáveis. Trazer os foguetões de regresso à Terra depois de uma missão e depois voltar a enviá-los para o espaço parecia uma forma óbvia de reduzir os custos das viagens espaciais, mas, tecnicamente, era complicado. Os barcos não tripulados ofereceram a solução: se um foguetão de regresso à Terra destinado a aterrar num drone marítimo no meio do oceano se desviasse do rumo e caísse, ninguém ficaria ferido. O problema é que Bezos reivindicou a autoria da ideia e patenteou-a como prova de que tinha sido o primeiro a pensar nisso. Musk desafiou a patente em tribunal, declarando que a ideia era "algo que estava em discussão há coisa de, tipo, meio século", como disse mais tarde a Davenport.
Uma vez mais, o tribunal deu razão a Musk. Bezos não respondeu de imediato a este revés, talvez à espera de melhor oportunidade para o fazer. Então, em finais de 2015, depois de Musk ter conseguido fazer aterrar o primeiro módulo do seu foguetão reutilizável Falcon 9 pela primeira vez, Bezos – que tinha conseguido um feito similar um mês antes – recorreu ao Twitter para reagir. Recordando a Musk que tinha sido o primeiro a conseguir tal intento, Bezos publicou um tweet com um toque sarcástico: "Parabéns, SpaceX. Bem-vinda ao clube".
Se aquela observação visava estragar a festa a Musk, conseguiu o seu objetivo. "Foi uma coisa bastante desrespeitosa de se dizer", declarou Musk, frustrado com a comparação entre os dois feitos. É que enquanto a minúscula nave de Bezos mal conseguia chegar à orla do espaço, o foguetão mais potente de Musk conseguia alcançar a órbita.
A rivalidade deu lugar a uma hostilidade mal disfarçada no ano seguinte. Dias antes de estar previsto Musk lançar à órbita um satélite de 195 milhões de dólares, o foguetão que o transportava explodiu estrondosamente na base de lançamento, destruindo a sua carga e danificando a torre de lançamento, o que custou muito dinheiro. Acontece que o satélite era para ter sido usado pelo Facebook para chegar a milhões de novos utilizadores em África. Numa rara demonstração de emoção, Mark Zuckerberg revelou o que sentia, dizendo que estava "profundamente desapontado com o fracasso de lançamento da SpaceX". Musk também ficou consternado – e furioso. Publicou um tweet dizendo que aquela bola de fogo talvez não tivesse sido um acidente e classificou a perda do foguetão como "o mais difícil e complexo fracasso que tivemos nos últimos 14 anos". Aludindo à hipótese de sabotagem, o seu tweet referia que os investigadores estavam "muito particularmente, a tentar compreender o som mais discreto de um estampido alguns segundos antes do estrondo da bola de fogo. Poderia vir do foguetão ou de alguma outra coisa".
Mais tarde, Musk explicou a Davenport o que quis dizer com aquilo: "Nós achámos, literalmente, que alguém tinha disparado sobre o foguetão. Encontrámos o que pareciam ser buracos de bala e calculámos que se alguém, com uma espingarda de elevada potência, atingisse o foguetão no sítio certo, teria acontecido precisamente a mesma coisa".
A equipa da SpaceX que esteve a analisar o local detetou "uma sombra estranha, seguida de um ponto branco" no telhado do edifício vizinho. Duas semanas após a explosão, um funcionário da SpaceX deslocou-se a esse edifício, perguntando se poderia aceder ao telhado – de onde há uma clara linha de visão para a base de lançamento de Musk. Foi-lhe negado. Os investigadores da força aérea norte-americana foram lá chamados, mas não encontraram nada de suspeito. Ainda assim, Musk continuou a ter dúvidas quanto à causa da explosão.
Algum tempo depois, numa altura em que a SpaceX estava ainda a recompor-se do choque daquele desastre na base de lançamento, Bezos infligiu um novo golpe ao anunciar que iria construir um foguetão que superaria em dimensão o Falcon de Musk. Com o nome de New Glenn (em alusão a John Glenn, o primeiro norte-americano a fazer um voo orbital à volta da Terra), será o mais vultuoso foguetão orbital do mundo – o maior desde o Saturn V, que transportou homens até à Lua, a menos que seja derrotado pelo lançamento do colossal Sistema de Lançamento Espacial (Space Launch System, ou SLS) da NASA. Os voos inaugurais do New Glenn e do SLS estão agendados para o próximo ano. Se fosse necessária uma prova de que a competição está ao rubro, aqui a temos. O New Glenn não só demonstrou o maior músculo financeiro de Bezos como foi também uma clara afirmação do seu objetivo de chegar mais longe no espaço do que Musk. Parafraseando um dos erros de concordância gramatical mais famosos do mundo – ele estava determinado a "corajosamente ir onde nenhum outro homem tinha ido antes". [frase que faz parte da introdução narrada em cada episódio de Star Trek, onde se revela o propósito da nave].
Leia a continuação do artigo aqui.
Este artigo foi alterado a 03/12/20 e a 10/12/20 para dar conta de Chris Davenport do The Washington Post e de Tim Fernholz da Quartz como sendo as fontes de parte do material. As nossas desculpas pelas omissões.
Créditos: Nick Rufford/The Times
Tradução: Carla Pedro
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