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Isto Lembra-me Uma História: John Lennon Usava Relógio

John Lennon e muitos outros, e nada disso é notícia. O que dá uma boa história são os relógios valiosos de famosos como John Lennon que desapareceram misteriosamente. O do ex-Beatle já reapareceu e isso faz lembrar várias histórias.

Foto: Getty Images
10 de setembro de 2023 | Diogo Xavier

"DRIVE CAREFULLY ME." A frase curta, inscrita na tampa de uma caixa de relógio, é sobejamente conhecida pelos apreciadores da alta relojoaria, e principalmente por aqueles que se deixam fascinar pela mitologia das coisas, dos objetos e dos seus proprietários. Alguns relógios têm histórias fabulosas. Este é um deles. A frase é uma dedicatória da atriz Joanne Woodward para o marido, o ator Paul Newman. O relógio é um Rolex Daytona e será, certamente, uma das peças mais célebres de sempre da relojoaria.

Newman era um grande fã de automóveis e de velocidade. Era também, além do famosíssimo e premiado ator que conhecemos, um piloto de automóveis amador. Woodward, que não contrariava o marido nestas suas paixões, era, no entanto, zelosa pela segurança de Paul. Foram vários os presentes que ofereceu a Paul Newman ao longo do seu duradouro e feliz casamento - foi o seu único cônjuge, coisa rara numa atriz e num ator vindos dos anos dourados de Hollywood: casaram-se em 1958 e o matrimónio só foi desfeito da mais proverbial de todas as maneiras, quando a morte de Newman os separou 50 anos mais tarde, em 2008.

Joanne Woodward - que na inscrição assina simplesmente ME - ofereceu o célebre Rolex Daytona a Paul Newman em 1968, mas a peça relojoeira tornou-se particularmente famosa no princípio da década de 1980 por dois motivos. Primeiro, porque Newman era sempre visto com o relógio no pulso, usava-o em praticamente todas as circunstâncias e eventos. Depois porque, em 1984, o Daytona desapareceu misteriosamente. Afinal, veio mais tarde a saber-se, não houve lá grande mistério neste desaparecimento. Em 1984, Paul Newman decidiu oferecê-lo ao então namorado da sua filha Nell, James Cox. James e Nell vieram a separar-se tempos depois, ainda antes de se saber a história do relógio, o que adensou o mistério em torno deste. Mas James Cox sabia que o presente seria valioso e decidiu mandar avaliá-lo junto de especialistas, o que acabou por revelar a história do Daytona de Paul Newman: esteve sempre em família - ou perto dela.

Em 1984 o relógio, já com história mais ainda sem mistério, estava avaliado em cerca de 200 dólares, o que não será, hoje, equivalente a mais de 700 euros. Uma pechincha, tendo em conta o preço destes relógios hoje em dia. No entanto, quando foi vendido em leilão, a 25 de outubro de 2017, o Rolex Daytona de Paul Newman atingiu os 17,75 milhões de dólares - sensivelmente 16 milhões e meio de euros. Lá se foi a pechincha. Para que não fiquemos com a ideia errada acerca de James Fox, há que acrescentar que a maior parte deste valor foi doado à fundação filantrópica de Nell Newman. Hoje em dia, a Rolex tem uma linha Daytona chamada Paul Newman. O relógio do ator era muito característico, com um mostrador considerado exótico, inspirado na estética Arte Déco.

Uma referência ao Rolex 6241 Daytona de Paul Newman, de 1968.
Uma referência ao Rolex 6241 Daytona de Paul Newman, de 1968. Foto: Getty Images

Outro relógio celebremente perdido em combate foi o Rolex GMT Master de Marlon Brando. Não é apenas o modelo em si que é especial, e nem sequer o facto de ter pertencido ao lendário ator é o mais relevante nesta história. Atente-se no seguinte: Brando usou o seu relógio para adornar a personagem de Coronel Kurtz que genialmente interpretou em Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, em 1979. E para que não restassem quaisquer dúvidas de que o relógio era dele e só dele, Brando, o próprio, com as mãos e uma ferramenta imprecisa, gravou na caixa do GMT Master "M. Brando", da maneira mais tosca e infantil que se consiga imaginar.

Obviamente, o relógio tornou-se mítico. Porém, pelos meados dos anos 90, o GMT Master desapareceu. Nunca mais foi visto. Mais um mistério da relojoaria. O que teria acontecido a uma peça com tanta história e tanto carisma, assinada pelo próprio Marlon Brando? 

É neste ponto que o leilão do Daytona de Paul Newman desempenha um papel fundamental: arrematado por 17 milhões e meio de euros, despertou a atenção de outros colecionadores de peças raras da relojoaria e conseguiu, em particular, acionar os radares e alarmes de proprietários de peças com história. Uma dessas proprietárias era Petra Brando Fischer, a filha adotiva de Marlon Brando. O Rolex GMT Master do pai não estava com Petra, mas foi a ela que o ator ofereceu o relógio em 1995. Entretanto, em 2003, Petra deu de presente o relógio ao marido, que decidiu guardá-lo como joia de família e nunca o terá usado. Depois das notícias do leilão do famoso Daytona, e dos valores envolvidos na compra deste, Petra Brando Fischer decidiu levar a leilão o relógio que o pai lhe oferecera. Com o gesto, permitiu que o mundo soubesse que o GMT Master com "M. Brando" gravado não estava perdido e que a sua história seria, até, simples e serena. O Rolex de Brando acabaria por ser vendido por quase dois milhões de dólares em leilão.

Lembro-me das histórias destes dois relógios icónicos, o de Newman e  de Brando, cujas lendas foram adensadas pelo misterioso desaparecimento e coroadas com o reaparecimento de ambos, a propósito da história de um outro, que foi notícia nos últimos dias: a do Patek Phillipe de John Lennon. O modelo, um 2449 Perpetual Calendar Chronograph - uma peça incrivelmente complexa de alta relojoaria -, foi oferecido ao ex-Beatle pela mulher, a incontornável Yoko Ono, pelo 40.º aniversário do músico de Liverpool. Há uma foto conhecida de John Lennon vestido de ganga, com uma estranha gravata de lã e o Patek Phillipe a espreitar pela manga cujo botão de punho está desapertado.

Patek Philippe 2499 oferecido por Yoko Ono pelo seu 40.º aniversário.
Patek Philippe 2499 oferecido por Yoko Ono pelo seu 40.º aniversário. Foto: Patek Philippe

John Lennon fez 40 anos a 9 de outubro de 1980 e foi assassinado nem dois meses mais tarde, a 8 de dezembro do mesmo ano. O relógio não foi visto desde esse dia e tornou-se um dos maiores mistérios das histórias da relojoaria, até pelo valor do próprio objeto, independentemente da sua história - o preço, hoje, rondará os 150 mil euros fora de leilão, no mercado de segunda mão. O que aconteceu ao relógio durante estes mais de 40 anos ainda não é claro. Há suspeitas de que o então motorista de Yoko Ono se tenha apropriado indevidamente da peça quando o músico morreu. Esta versão não é, contudo, confirmada oficialmente. 

O que aconteceu depois de o relógio ter desaparecido é, assim, um nebuloso enigma com o qual mais não podemos fazer, a não ser especular. Como a especulação não é da nossa jurisdição, limitamo-nos a reportar factos: o Patek Phillipe 2449 de John Lennon desapareceu em 1980 quando o músico foi assassinado, dois meses depois de lhe ter sido oferecido pela mulher, Yoko Ono; em setembro de 2023, 42 anos e 10 meses mais tarde, o relógio apareceu na Suíça, em Genebra, na posse dos advogados de um colecionador italiano. Aparentemente, o relógio já tinha sido adquirido pelo colecionador há algum tempo - tanto tempo que a própria Yoko Ono, informada da compra, recorreu para os tribunais suíços reclamando ser a legítima proprietária da peça. Os tribunais deram razão à viúva de John Lennon e o colecionador, que poderá ter pagado pelo Patek Phillipe uma generosa fortuna, contestou a decisão e recorreu desta. O presente de aniversário de Ono para Lennon é, assim, um imbróglio jurídico, por um lado, e potencialmente o relógio mais caro de sempre, por outro.

As boas notícias são que ele existe e está bem, funciona e encontra-se condignamente preservado. Ao contrário de outros, como o Omega Speedmaster que o astronauta Buzz Aldrin levou à Lua e que ninguém sabe onde está - e que será, a par do Patek de Lennon, o objeto mais cobiçado de sempre do mundo da relojoaria. Mas essa já é outra história.

Saiba mais Isto Lembra-me Uma História, Petra Brando Fischer, Paul Newman, Yoko Ono, Joanne Woodward, John Lennon, Relógio
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