Encontro-me com Hugo Silva e Luís Figueira à porta da Dois Corvos, em Marvila. Beer sommelier e brand ambassador da casa, Luís será o nosso anfitrião nesta tarde. Já Hugo Silva é cofundador da Cocktail Team e acompanha um grupo de alunos inscritos no curso Master Craft Beer, ao qual me vou juntar — e tentar perceber um pouco melhor o processo de fabrico da cerveja, os muitos estilos que existem e, no final, saber o que pedir quando chegar ao bar.
A verdade é que há -finalmente - cada vez mais bares e restaurantes com diferentes opções de cerveja na carta, mas convém ter uma noção do que existe para saber o que escolher.
Mesmo para um leigo, é evidente que uma ale e uma lager nada têm a ver uma com a outra, mas são as duas grandes famílias de cerveja, e cada uma divide-se em dezenas de variedades, numa confusão de estilos que por vezes se tocam.
Muitos estilos, para todos os gostos
De forma genérica, uma lager será mais dourada e leve. Fermenta a baixas temperaturas, com leveduras que se depositam no fundo, produzindo cervejas mais limpas, nítidas e com menos notas frutadas. As ale, pelo contrário, fermentam a temperaturas mais altas, o que faz subir as leveduras, criando cervejas mais aromáticas, complexas, frutadas, picantes ou amargas. A cor também tende a ser mais escura e com mais nuances.
É nesta categoria que encontramos as Barleywine, geralmente com teor alcoólico elevado (entre 8% e 14%) e sabor muito maltado. São cervejas de receitas seculares, talvez das mais antigas. Encontramos ainda as IPA (India Pale Ale), nascidas da necessidade dos ingleses exportarem cerveja para a Índia. Para sobreviver à viagem, descobriu-se que o melhor seria produzir com alto teor de lúpulo, o que lhes dá mais amargor — ainda mais evidente nas American IPA, que recorrem a lúpulos do Novo Mundo, mais intensos e aromáticos. Do outro lado do Atlântico surgiram também versões regionais, como as NEIPA (New England IPA), hoje das mais populares.
Temos ainda as stout (escuras e encorpadas, com maltes torrados e notas de café ou chocolate preto) e as porter (muito semelhantes, mas geralmente mais doces e ligeiramente menos encorpadas). As weiss, tipicamente alemãs, apresentam perfis aromáticos frutados, por vezes com especiarias, mas são normalmente bastante leves e frescas.
Do lado das lager, encontramos as pale lager — um chapéu de chuva que abrange todas as de cor mais clara —, como as pilsner, equilibradas em malte e lúpulo e o estilo mais difundido no mundo (seguramente em Portugal). Há também as bock, com teor alcoólico ligeiramente superior, cor castanho-escura e notas de frutos secos, caramelo e chocolate. E por aqui se percebe que a Super Bock, na realidade, não é uma bock, mas uma pilsner. Enfim…
Um curso para entusiastas
Falaremos de todos estes estilos ao longo da tarde — e, na maioria dos casos, também os provaremos. Para os alunos que pretendem seguir carreira atrás do bar, é informação preciosa, mas é igualmente útil para quem “apenas” gosta de cerveja e pretende saber mais sobre o tema.
A Cocktail Team promove cursos semelhantes de vinho, café e cocktails, claro. Para os mais entusiastas, há até viagens de estudo a grandes destilarias, nacionais e internacionais, além das formações mais clássicas de bartender. É a única escola do género certificada com o selo de qualidade do Turismo de Portugal.
No princípio era o whisky
A cerveja nasce de quatro ingredientes essenciais: água, cereais maltados, levedura e lúpulo (o único ingrediente que não partilha com o whisky). O malte, geralmente de cevada, fornece os açúcares que se transformam em álcool e define corpo, cor e notas de sabor, do pão ao café torrado. O lúpulo equilibra essa doçura com amargor e aroma, trazendo frescura e complexidade, com nuances frutadas ou herbáceas, conforme a variedade e o momento da adição. Já a levedura converte os açúcares em álcool e dióxido de carbono, mas também cria aromas e sabores — frutados, picantes ou ácidos. É o equilíbrio entre estes quatro elementos que define a personalidade de cada cerveja.
Artesanal e made in Lisboa
Já agora, este curso serve também para desfazer a ideia da cerveja artesanal como coisa de hipsters barbudos a mexer num caldeirão. A Dois Corvos tem um processo bem industrializado, embora pequeno e versátil, que permite saltar com relativa facilidade entre diferentes estilos.
O que mais nos surpreendeu, logo à entrada, foi a enorme coleção de barris. Não fosse pelo cheiro, e teríamos a impressão de estar numa adega. “São mais de 300”, explicam-nos. “Temos um projeto de envelhecimento muito extenso”, um dos mais relevantes a nível europeu. “Não haverá mais do que três ou quatro projetos semelhantes.” Guardam barricas de Porto, Moscatel, Carcavelos, Bourbon, whisky, rum… e até uma talha com 120 anos, usadas para criar cervejas de especialidade.
“Fazemos uma cerveja de alfaiate”, dizem. “Os grandes nomes estão noutro negócio — procuram o mínimo denominador comum, aquilo que agrade a mais palatos. Nós procuramos criar várias cervejas para agradar a pessoas diferentes” e, acrescentamos nós, momentos diferentes. Acreditem, não vão quer abrir uma “murder in Carcavelos” ao final de um dia de praia. Trata-se de uma Imperial Stout envelhecida em barrica de vinho de Carcavelos: intensa, densa e feita para noites frias e para acompanhar pratos robustos. É para perceber coisas destas que se faz o curso.