Artes / Prazeres

Reinterpretar um clássico português, com Pedro Cabrita Reis

Uma cadeira que carrega tradição, iconografia e memória coletiva transforma-se nas mãos de um dos maiores artistas plásticos da sua geração.

Pedro Cabrita Reis reinterpreta cadeira BICAchair na Lisbon Design Week 2025
Pedro Cabrita Reis reinterpreta cadeira BICAchair na Lisbon Design Week 2025 Foto: Alexandre Caldas
18 de dezembro de 2025 | Maria Salgueiro

A QuartoSala e a BICAchair lançaram o repto a Pedro Cabrita Reis e o resultado irradia a cor do sol, a que escolheu para as suas intervenções, numa reinterpretação que, sem perder a essência, ganhou uma pequena dissonância. A intervenção histórica foi apresentada na Lisbon Design Week 2025 e materializa-se em 25 unidades de edição limitada, numeradas e assinadas por Pedro Cabrita Reis. E a icónica cadeira portuguesa num objeto de arte colecionável. O valor? €7000.

Que questões principais surgem na hora de reinterpretar um clássico?

A grande maravilha dos clássicos é que nunca se esgotam. E, como não se esgotam, é sempre possível voltar a eles, estudá-los, transformá-los, sem que percam a identidade e, ao mesmo tempo, acrescentando aquilo que os leva mais à frente. Quando me propuseram este desafio, senti que tinha de o fazer, porque é parte da cultura portuguesa, é parte da história do design português, é parte de uma iconografia que é nossa e, portanto, os artistas portugueses têm essa espécie de vocação, responsabilidade, se o quiser dizer, para pegar nesses momentos que constroem a história e transformá-la.

Como descreve esta sua reinterpretação?

A cadeira é o que é, foi sempre o que é e será sempre o que é, independentemente daquilo que os artistas ou outros nos possam trazer. No meu caso particular, achei que era interessante e estimulante olhar para este objeto que é tão perfeito em design e introduzir-lhe uma espécie de dissonância. Uma dissonância formal em termos de textura, material e de corpo. Como objeto de design, é icónica e está completa. O que se nos é oferecido fazer é olhar e descobrir qual será a mínima intervenção que se pode efetuar e ainda assim transformar. Aquela textura que introduzi na cadeira é de uma simplicidade que gosto de manter, porque quando se muda uma coisa, não se imagina que é preciso mudar tudo ou fazer uma coisa radical, uma transformação absoluta. Não, é uma pequena intervenção que, na sua singeleza, transforma tudo. Há um provérbio chinês muito bonito que diz que entre o bem e o mal, a diferença não é maior do que a espessura da asa de uma borboleta - e é essa espessura da asa da borboleta que aos artistas compete fazer, no sentido de transformar uma coisa que sempre foi o que é, deixar que essa coisa, neste caso a cadeira, continue a ser o que é, mas com o acrescento de um quase-nada que faz toda a diferença.

Mas o que representa aquela textura?

Há esta ideia de que a arte tem de representar coisas. Essa ideia não é muito produtiva. O que a arte tem de fazer, e ainda quando é aplicada a um objeto do quotidiano, como uma cadeira, não é construir um sentido de ordem nem filosófica, nem histórica, nada disso, ela tem de introduzir apenas aquilo que seria um sinal de transformação. Se você me pergunta o que é que significa o que fiz, eu digo que aquilo que eu fiz significa a mudança daquilo que era e é aí que está a diferença.

Então não há nenhuma intenção ou funcionalidade?

Não, não há funcionalidade, a funcionalidade é meramente de experiência física e visual de um objeto que era de uma forma e que agora, com a intervenção do artista, é de outra forma, não perdeu a sua função original, é a mesma cadeira de sempre, na qual as pessoas se sentam confortavelmente, é um cone do design português clássico. Tem ali um momento em que, de repente: "Uau, o que é isto?" E é esse "o que é isto?", essa pergunta, que transforma o olhar em relação a esse objeto. Não imagino que se possa descobrir um sentido, não. O que é preciso verificar é que o artista, com uma intervenção muito simples, produziu uma diferença. Os artistas pegam nas coisas que toda a gente conhece e mudam-nas de uma forma singela, particular, mas específica. Esta cadeira não tem um programa político, nem cultural, nem filosófico, nem poético, nada disso, é um objeto simples, que toda a gente conhece e que agora é apresentado de uma forma diferente, com a intervenção do Pedro Cabrita Reis.

Porquê o cor de laranja?

É a minha cor, institucional. Porque é a cor da luz do sol. O sol não é amarelo, o sol é laranja. E eu decidi adotar essa cor para as minhas Manifestações.

Como foi o processo criativo? Sabia o que queria fazer, ou passou por muitas fases até chegar aqui?

Quando fui convidado para participar neste projeto, obviamente houve um tempo que mediou e que se foi prolongando, ao longo do qual fui percebendo e transformando as minhas próprias ideias, no sentido de as levar mais longe, até que cheguei à conclusão de que a forma perfeita de intervir era fazer algo que tivesse esta espécie desta vibração de textura, de forma, de massa física que desse à cadeira este lado estranho, se o quiser. A estranheza é um tesouro de riqueza de ideias e de pensamentos. Portanto, aos artistas compete trazer essa estranheza. A minha forma de ter num objeto tão simples, como esta cadeira, uma quarta parte de estranheza que a tornasse diferente e que dissesse às pessoas que as coisas são sempre aquilo que são, mas podem ser diferentes, ao mesmo tempo, foi fazer aquilo.

Saiba mais Política , Artes cultura entretenimento e média , Arte e entretenimento , Design , Pedro Cabrita Reis
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