Entre 8 e 9 de novembro, Genebra prepara-se para receber o mais importante leilão de relojoaria do ano, organizado pela Phillips em associação com a Bacs & Russo. Serão ao todo 237 relógios, num leilão que celebra também uma década de parceria entre as duas leiloeiras e que inclui vários modelos com muita história, técnica e pedigree. Mas, dito isto, as atenções estão todas concentradas no cabeça de cartaz: o primeiro Patek Philippe ref. 1518 em aço inoxidável. Um verdadeiro “santo graal” para os colecionadores de todo o mundo.
“1518 é um número mágico”, explica Aurel Bacs, que vai conduzir o leilão. “É como um diamante vermelho ou um Ferrari único”, acrescenta. “Há milhares de colecionadores e donos de museus que nunca sequer tocaram neste modelo, mas adoravam.” Bacs, pelo contrário, tem uma relação especial com esta peça, tendo em conta que será a segunda vez que a leva a leilão. A primeira aconteceu em 2016 e, nessa altura, foi arrematado por 11 milhões. Foi o primeiro relógio de pulso a ultrapassar a fasquia dos oito dígitos e continua a ser o Patek Philippe de pulso vintage mais caro do mundo.
Mais relevante do que o recorde, essa venda redefiniu por completo o mercado da relojoaria antiga e abriu caminho a uma sequência de leilões históricos, como o do famoso Rolex Daytona de Paul Newman - também conduzido por Aurel Bacs na Phillips -, vendido por 17,7 milhões de dólares. Este saltou para o terceiro lugar entre os mais caros de sempre.
Não será demais sublinhar o peso do nome Patek Philippe (PP) entre os colecionadores. A marca ocupa a primeira posição entre os modelos mais caros, com o Grandmaster Chime vendido em 2019 por 31 milhões de euros no Only Watch - um leilão com fins solidários. E ocupa o segundo lugar, desta vez com um modelo de bolso histórico, o Henry Graves Supercomplication, assim chamado porque durante anos foi considerado o relógio mais complexo do mundo. Depois surge o Rolex Paul Newman, na terceira posição, e todos os restantes lugares do top ten voltam a ser da PP - ou seja, nove em dez. A grande curiosidade, por isso, está em perceber até onde poderá chegar esta referência 1518. O suficiente para destronar a Rolex do pódio? Para já está na quinta posição.
Um legado histórico
A referência 1518 é mítica porque foi o primeiro relógio de pulso a combinar um calendário perpétuo com cronógrafo, tendo sido lançada em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial. Ao todo, terão sido produzidas 281 peças, a maioria em ouro amarelo e as restantes em ouro rosa. Além desses modelos, foram produzidos quatro exemplares em aço - e é essa raridade que justifica valerem hoje muito mais do que as versões douradas.
O modelo agora em leilão terá sido fabricado em 1943 e vendido no ano seguinte ao retalhista Joseph Lang, de Budapeste. Mantém-se num estado excecional de conservação, com a caixa de 35 mm assinada por Georges Croisier e o mostrador original Stern Frères. Um dado relevante, já que esta fábrica era a principal fornecedora de mostradores da Patek e os irmãos Stern tinham adquirido a marca poucos anos antes, salvando-a de uma falência inevitável. Ainda hoje, a Patek permanece no seio da família Stern. Outro detalhe importante: no verso da caixa está gravado o número 1, indicando tratar-se do primeiro desses quatro modelos em aço.
Uma tríade lendária
O leilão de Genebra – Decade One - é também especial porque celebra uma década de parceria entre a Phillips e a Bacs & Russo, da qual nasceu a mais bem-sucedida leiloeira na área da relojoaria. Houve, por isso, um cuidado redobrado na seleção dos modelos em catálogo, tendo conseguido juntar, pela primeira vez, uma tríade completa de 1518: um exemplar em ouro amarelo com mostrador branco e outro em ouro rosa com mostrador rosa. Este último tem apenas 15 exemplares conhecidos, o que justifica a estimativa mais elevada: cerca de 2,56 milhões de euros. Ainda no universo da PP, o catálogo inclui um modelo da primeira série da Ref. 2499, sucessora direta do 1518. Com caixa em ouro amarelo, poderá chegar a 1,5 milhões de euros.
Relógios para todos os gostos
Do lado da Rolex surgem também peças extraordinárias, como um Rainbow Day-Date (cravejado de pedras preciosas multicoloridas) feito por encomenda para o sultão de Omã ou um raro Paul Newman em ouro amarelo e mostrador champanhe, conhecido como “Golden Pagoda”.
Destaque ainda para um Chronomètre à Résonance, o segundo a ser produzido pela F.P. Journe, que poderá chegar aos 960 mil euros, ou para o Ferdinand Berthoud Naissance d’Une Montre 3, criado exclusivamente com técnicas tradicionais, cuja estimativa aponta para máximos de €800.000. O catálogo segue com relógios de bolso históricos, cronómetros de marinha e até peças do magnata John Pierpont Morgan, incluindo o primeiro Mystery Clock da Cartier, de 1913 (estimativa: €300.000 – €600.000).
Ao longo da última década, a relojoaria afirmou-se como um dos maiores investimentos, ao lado de automóveis clássicos ou vinhos raros. E, apesar de termos assistido a uma ligeira quebra mais recentemente, o momentum parece estar de volta - impulsionado em parte pelas tarifas do presidente Donald Trump e em parte pelas incertezas da política. É verdade que algumas peças atingem valores tão astronómicos que parecem imunes ao panorama económico, mas também é certo que nem todos os 237 lotes em leilão no Hôtel Président, em Genebra, chegam a estes preços estratosféricos. O Decade One surge, portanto, numa boa altura para muitos colecionadores e, quem sabe, se não acrescentará mais um capítulo memorável à história da relojoaria.