Estilo / Relógios e Jóias

50 anos a contar o tempo

Para se perceber a relojoaria em 2019 temos de recuar a meio século, a bodas de ouro e a jubileus.

05 de novembro de 2019 | Bruno Lobo
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O ano de 1969 não ficou apenas marcado pelo dia em que as Honduras e o Equador começaram uma guerra por causa de um jogo de futebol, que Neil Armstrong pisou a Lua, que Woodstock foi o primeiro grande festival de música, que os The Beatles deram o último concerto ao vivo (no topo da Apple Records), que o Concorde e o 747 voaram pela primeira vez, que o chão tremeu com muita força em Portugal, no último grande sismo do país, e que a Seiko colocou no mercado o primeiro relógio de quartzo. Para a relojoaria, 1969 foi um ano extraordinário, repleto de novidades e de eventos que marcaram todos os que se lhes seguiram. De facto, foi naquele ano que a Seiko apresentou o Astron, o tal primeiro relógio de quartzo, cujas "ondas de choque" ainda afetam a indústria. Foi também em 1969 que foi apresentado o primeiro movimento cronógrafo automático do mundo, depois de uma longa corrida em que a Zenith, a Seiko e um consórcio liderado pela Breitling e pela Heuer disputaram o pódio. Relógios com corda automática existiam há muito, mas ainda ninguém tinha conseguido desenvolver um mecanismo que suportasse essa necessidade acrescida de energia. A corrida culminou com o lançamento de vários modelos icónicos e que recebem agora versões comemorativas. E se, como referimos, 1969 será sobretudo relembrado como o ano em que a Humanidade chegou pela primeira vez à Lua no primeiro grande evento televisionado à escala global, mais uma vez a relojoaria mecânica voltou a desempenhar um papel, pois no pulso dos astronautas seguia um Omega Speedmaster, de corda manual, relógio desde então conhecido por Moonwatch. E naturalmente que a Omega não podia deixar passar esta efeméride sem um modelo comemorativo.

Mas comecemos pelo início, ou melhor, por El Primero, porque foi logo em janeiro desse ano que a Zenith apresentou o primeiro calibre automático. Batia assim a concorrência, pois a Breitling e a Heuer só apresentariam o seu em março e a Seiko em maio. Ainda por cima, este calibre batia a uma velocidade mais elevada, a 5 Hz (ou 36 mil vibrações por minuto), em lugar das 28 ou 21 mil mais comuns. Era o primeiro cronógrafo automático e o mais preciso de todos. Para celebrar a efeméride, a Zenith lançou um trio de Chronomasters (réplicas em ouro) e um set especial com três modelos: uma réplica do modelo original, um Chronomaster 2.0, já capaz de medir o tempo em décimas de segundo, e um mais futurista Defy El Primero 21 que oscila a 360 mil vibrações por hora (50 Hz), dez vezes mais do que o seu antecessor – ou seja, nas centésimas de segundo. Na caixa existe uma quarta almofada deixada vazia com a etiqueta 1/1000th de segundo. A ideia é que quando a Zenith desenvolver esse relógio, quem tiver a caixa terá preferência na aquisição do modelo, completando a coleção.

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Desses calibres apresentados, o El Primero é o único ainda em produção, embora a proposta da Breitling/Heuer, o calibre 11, tenha ficado também para a história, sobretudo por culpa do modelo que a Heuer (só ganhou o primeiro nome TAG, em 1985) escolheu para o apresentar, com uma caixa quadrada, mostrador azul metálico, ponteiros vermelhos e azuis claros e coroa no lado esquerdo. Nunca se tinha feito um modelo desportivo de caixa quadrada antes e ainda decidiram que a melhor forma de o publicitar seria associado às corridas automóveis. Foi então que ganhou um nome mítico nesse universo e referimo-nos, claro está, ao Mónaco, o modelo mais icónico da marca – até pela ligação a pulsos famosos como o de Steve McQueen, ator de profissão e piloto de corridas por opção (ou vice-versa). Nesse mesmo ano, um pouco mais tarde, a Seiko lançava também o seu modelo automático, embora a oriente as ondas de choque estivessem reservadas para mais tarde. Para o dia de Natal, quando a marca lançou o Astron, aconteceu um "tsunami" de tal forma grande que por pouco não aniquilou a indústria relojoeira na Suíça. A própria Zenith, tendo passado para mãos americanas, abandonou o fabrico de movimentos mecânicos e mandou destruir tudo o que vinha do antigamente. E o El Primero só se salvou porque um diligente funcionário escondeu os planos e as ferramentas no sótão da manufatura.

Hoje, a Seiko continua a fazer relógios mecânicos e de quartzo, onde a linha Astron oferece modelos alimentados a energia solar e com ligação GPS, para andarem sempre na hora certa, independentemente do fuso horário. Quanto ao Moonwatch, a escolha recaiu no modelo da Omega, após a NASA ter submetido uma série de outros relógios de várias marcas a uma extensa bateria de testes, pelo que a marca se sentia naturalmente orgulhosa, até porque os Speedmaster que iam à Lua eram iguais aos que andavam na Terra. A Agência tinha decidido incluir cronógrafos mecânicos em todas as missões espaciais como backup e, por mais de uma vez, o relógio provou o seu valor, incluindo na própria missão lunar, onde o relógio de Neil Armstrong ficou dentro do módulo numa operação de cronometria. Isto significa, como conta Buzz Aldrin, que o seu foi o primeiro relógio na Lua e não o de Neil Armstrong.

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Nesse mesmo ano, a marca suíça organizou um jantar de comemoração onde apresentou o seu primeiro modelo "especial". Tratava-se de uma edição limitada a 1.044 peças, calibre 861, caixa em ouro amarelo e escala taquimétrica num raro tom borgonha. Foram colocados à venda 77 unidades e os outros foram oferecidos aos astronautas e outras individualidades. Foi esta edição que a Omega decidiu agora recriar para celebrar o cinquentenário da chegada à Lua. Uma edição de novo limitada a 1.044 unidades e onde o ouro permanece amarelo, de 18 k, mas agora numa nova liga Moonlight, mais clara e cinzenta, a fazer lembrar o brilho deste astro. A escala taquimétrica também continua no mesmo tom borgonha, ainda que hoje seja fabricada em cerâmica ultrarresistente e o calibre 861 deu lugar a um novo 3.861, sempre de corda manual, mas de muito maior precisão e fiabilidade. Um relógio em ouro facilmente apto para voltar à Lua e que fará, certamente, as delícias dos colecionadores por muitos anos no futuro.

Este regresso ao passado não estaria completo sem referir mais dois modelos. O primeiro é uma merecida homenagem da Bulgari a um dos homens mais importantes da indústria, Gerald Genta, que fundou a marca própria em 1969 (obviamente!) e onde deixou modelos como o magnífico Octo, o pilar da Bulgari desde que comprou a manufatura na viragem do século. Mas para se perceber realmente a influência deste génio, há que referir mais alguns modelos que criou para várias outras marcas, incluindo o Constellation da Omega (1959), o Golden Ellipse para a Patek Philippe (1968), o Royal Oak da Audemars Piguet (1970), o Ingenieur da IWC (1976), o Nautilus para a Patek Philippe (1976) ou, finalmente, o Pasha de Cartier (1985). É difícil imaginar alguém mais prolífico e com tanto impacto no mercado. Resta-nos, finalmente, o Tudor Black Bay P01, apresentado na Feira de Basileia deste ano, entre admiração geral e muita controvérsia por não ser definitivamente um típico modelo da Tudor. As origens deste relógio remontam a 1967 e duram até 1969, razão pela qual a marca pode explicar o modelo com um "Cinquenta anos depois este modelo viu finalmente a luz do dia". O que se passou foi que durante os anos 60 a marinha norte-americana, com a qual a Tudor trabalhava há mais de uma década, pediu que a segurança na luneta dos relógios de mergulho fosse reforçada para não se mexer inadvertidamente. A Tudor criou então um modelo com uma luneta de elos articulados, a mesma solução que está na base tanto dos sistemas da Tudor, como da Rolex, mas que em 1969 acabou por não sair da fase de protótipo "sem nunca chegar a ver a luz do dia". Até hoje.

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