Conversas

Um dia na vida de David Baverstock: "Quando o vinho fala, é preciso ouvi-lo."

O diretor de enologia da Winestone já conta com mais de 40 anos de carreira. Gostava que o vinho continuasse como um produto culto e civilizado e que os restaurantes o tivessem a preços mais razoáveis.

David Baverstock, diretor de enologia, celebra mais de 40 anos de carreira
David Baverstock, diretor de enologia, celebra mais de 40 anos de carreira Foto: DR
23 de dezembro de 2025 | Augusto Freitas de Sousa

A que horas se costuma levantar?  

Os meus dias nunca são iguais e, por isso, é difícil para mim relatar uma rotina formatada do meu dia. Tudo depende da fase do ciclo da vinha e dos projetos que estão a decorrer, assim os meus dias são sempre diferentes. Mas se tiver de descrever um dia mais calmo, apenas dedicado à vinha e ao acompanhamento das equipas, então diria que me levanto pelas 6:30 para ter tempo de organizar o meu dia antes de sair de casa. 

O que costuma refletir/ponderar/pensar nos primeiros minutos acordado? 

Gosto de começar o meu dia a pensar no que tenho planeado em agenda. 

Qual é a sua rotina quando se levanta?  

Num dia calmo, preparo-me para sair e sigo para a vinha. Durante o pequeno-almoço vejo as mensagens da equipa e muitas vezes vejo as previsões meteorológicas para saber o que me espera. 

Que tipo de pequeno-almoço costuma tomar? 

Costumo tomar um pequeno-almoço leve. Normalmente iogurte grego com frutos silvestres.

David Baverstock, diretor de enologia da Winestone, em vinhas portuguesas
David Baverstock, diretor de enologia da Winestone, em vinhas portuguesas Foto: DR

Costuma haver algum tipo de atividade antes do trabalho?  

Sim. Costumo fazer alguns exercícios e alongamentos, cerca de 15 minutos, para trabalhar a flexibilidade e começar o dia com o corpo desperto. Ajuda-me a manter o foco e a energia ao longo do dia. 

Qual é o seu trajeto diário? Como o faz? A pé, automóvel, transportes… 

Normalmente de carro, de casa até à adega. Gosto de observar a evolução das vinhas durante o caminho. 

Tem algum tipo de preparação prévia para o trabalho? 

Sim, a primeira coisa que faço quando chego à adega é rever análises, planear provas e alinhar prioridades com a equipa. É essencial começar o dia com clareza. 

A que horas começa a trabalhar? 

Depende muito dos dias. Em condições normais, pelas 8:00 já estamos a trabalhar. Na vindima, começamos antes do nascer do sol. 

Quais são as suas principais tarefas e responsabilidades no trabalho? 

Já conto com 40 anos de carreira, acumulei conhecimento e experiência. O que procuro, no meu dia-a-dia, é usar essa experiência para inovar: um enólogo, verdadeiramente apaixonado pelo que faz (e eu sou muito apaixonado pelo que faço!) aprende todos os dias. Cada vinha, cada parcela é um desafio e uma oportunidade de inovar. O que procuro é passar esta experiência à criatividade e paixão de uma equipa jovem. Não tenho dúvida que, juntos, estamos a criar alguns dos melhores vinhos portugueses – e vamos criar outros tantos no futuro. 

Como gere o seu tempo? 

Com flexibilidade: o vinho dita parte do ritmo. O resto é organização e confiança na equipa. 

David Baverstock, diretor de enologia da Winestone, com mais de 40 anos de carreira
David Baverstock, diretor de enologia da Winestone, com mais de 40 anos de carreira Foto: DR

Como lida com a pressão e o stress? 

A experiência ensina a manter calma. Quando o vinho fala, é preciso ouvi-lo, sem o forçar. A serenidade traz as melhores decisões. 

Qual é a parte favorita e menos agradável do trabalho e porquê? 

A parte que mais me entusiasma é desenvolver um novo vinho e perceber o momento exato em que ele ganha vida. É uma combinação de técnica, experiência e intuição que continua a emocionar-me depois de tantos anos. A menos agradável surge nas fases de decisões rápidas em plena vindima, quando tudo é crítico ao minuto. É um período intenso, em que a margem de erro é mínima e a pressão é constante. 

Tem uma equipa a trabalhar consigo? Como gere a comunicação com eles? 

Sim, enólogos, técnicos e viticultores. A comunicação é direta, prática e diária, muito baseada em provas em conjunto e decisões partilhadas. 

Costuma fazer pausas no trabalho? Para? 

Sim, pausa curta para café e para limpar o palato entre provas mais intensas. 

Interrompe o trabalho para almoçar? O que costuma comer e onde? 

Sim, faço sempre uma pausa para almoçar. Quando estou na Ravasqueira, almoço no refeitório, o que é ótimo para conversar de forma descontraída com a equipa da adega. É um momento simples, mas muito útil para fortalecer o espírito de equipa e trocar impressões sobre o dia. 

Como lida com eventuais críticas e elogios ao seu trabalho? 

Com tranquilidade: críticas ajudam a evoluir, elogios servem para confirmar que estamos no caminho certo.

David Baverstock destaca a paisagem vinhateira portuguesa e a sua carreira de 40 anos
David Baverstock destaca a paisagem vinhateira portuguesa e a sua carreira de 40 anos Foto: DR

O que diria sobre a ideia de que as pessoas com quem se relaciona profissionalmente têm de si? 

Talvez tenham respeito pelo meu percurso como enólogo. Sempre me mantive muito aberto: não guardo segredos e respondo a praticamente todas as perguntas que me fazem sobre o trabalho. Acredito que as pessoas apreciam essa transparência. Também sinto que veem com simpatia o facto de eu ser um estrangeiro que acabou por se tornar, de certa forma, português. Esta pergunta é difícil, claro, mas diria que me veem como alguém acessível e disponível. 

Ao longo do dia dá importância às redes sociais? 

Não utilizo redes sociais e, sinceramente, não lhes vejo grande importância. Prefiro realidade à virtualidade: estar presente no dia-a-dia e nas conversas reais com as pessoas que me acompanham. 

Tem hobbies ou atividades que faz regularmente? 

Sim, gosto de manter-me ativo: jogo padel, ténis de mesa e ténis. Além disso, gosto de ler, o que me ajuda a relaxar antes de adormecer. Atualmente estou a ler a autobiografia de Woody Allen. 

A que horas costuma terminar a atividade profissional? 

Depende. Como disse, os meus dias nunca são exatamente iguais. Há dias em que consigo estar em casa pelas 18:00, e outros que se estendem bastante mais. 

 “Leva” trabalho para casa? 

O trabalho mistura-se, inevitavelmente, com a vida pessoal. Mas, ao longo dos anos, aprendi a distanciar os dois. Em casa, o foco é a família, sobretudo tempo de qualidade com os meus netos. 

Costuma conversar com alguém sobre a sua atividade no final do dia? 

Sim, felizmente a minha família acompanha o meu percurso com interesse e conversamos muito sobre isso. É uma forma saudável de partilhar e “fechar” o dia.

David Baverstock, diretor de enologia da Winestone, com 40 anos de carreira
David Baverstock, diretor de enologia da Winestone, com 40 anos de carreira Foto: DR

Costuma viajar com frequência nas suas atividades profissionais? 

Sim, bastante. Entre feiras, eventos e visitas a importadores, tenho várias deslocações ao longo do ano. É cansativo, claro, mas também é um lado do trabalho que me agrada porque aprendo sempre alguma coisa nova. 

Há muita diferença entre os dias da semana e os fins de semana? 

Cada vez mais. Valorizo muito o meu tempo em família e ao longo dos anos, com a construção de equipas sólidas, consigo ter mais fins de semana para mim e para a minha família. Acho fundamental termos um tempo para desligar do dia-a-dia. 

Quais são os seus hábitos de jantar? Horário e exemplo de menu? 

O meu horário de jantar é simples e comum. Igual ao de toda a gente. Pelas 19:30 ou 20:00 gosto de jantar. Em termos de menu, confesso que cada vez mais dou preferência a refeições equilibradas e leves. 

O que faz antes de dormir? 

Costumo ver televisão, principalmente para me atualizar com as notícias, e depois gosto de ler cerca de meia hora. Como disse, a leitura ajuda-me a relaxar. 

A que horas se costuma deitar e quantas horas dedica ao sono? 

Infelizmente, o sono também depende dos dias (sobretudo durante a vindima). Mas, em condições normais, procuro dormir de 7 a 8 horas, que é o ideal para me manter focado. 

Como mantém o equilíbrio entre sua vida pessoal e profissional?

David Baverstock, enólogo na Winestone, celebra 40 anos de carreira nas vinhas do Douro.
David Baverstock, enólogo na Winestone, celebra 40 anos de carreira nas vinhas do Douro. Foto: DR

O equilíbrio vem sobretudo de ter uma equipa jovem, profissional e muito motivada. Confio plenamente no trabalho que fazemos juntos e no valor que entregamos. Essa confiança permite-me delegar, respirar e manter espaço para a vida fora da adega, o que é essencial para continuar a criar vinhos com clareza e intenção. 

Vê-se a ter outra profissão? 

Depois de tantos anos, não me imagino a fazer outra coisa. O vinho acompanhou-me em todas as fases da vida. Foi através dele que cresci como profissional e como pessoa. Há outras áreas que me fascinam, claro, mas nenhuma me completa como a enologia. 

O que mais gostaria que mudasse no futuro? 

A cultura do consumo de vinho enfrenta várias ameaças. Gostava que o vinho continuasse a ser visto como um produto culto e civilizado, valorizado pelo seu património e qualidade. Outra coisa que gostava muito que acontecesse era que os restaurantes pudessem disponibilizar vinhos a preços mais razoáveis, tornando-os mais acessíveis sem perder a sua essência.

Saiba mais Alerta meteorológico , Profissionais de saúde , Ténis , Costumes e tradições , David Baverstock
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