Entrevista Rodrigo Amarante: “Sou apenas alguém que escreve canções”
O músico brasileiro Rodrigo Amarante está de regresso com Drama, um álbum editado esta sexta, 1 e com apresentação ao vivo em Portugal marcada para abril do próximo ano, sobre o qual falou nesta entrevista à MUST. Uma conversa que depressa resvalou para assuntos como política, fé ou sentimentos, porque “a música não é indissociável da vida” – como depressa se percebe ao ouvirmos estas canções.

Os melómanos atentos conhecer-lhe-ão a carreira de cor, mas mesmo os ouvidos assim mais distraídos já se terão cruzado nalgum momento com a música de Rodrigo Amarante, quanto mais não seja por ter sido o autor de Tuyo, o tema do genérico da série Narcos. Se a isto acrescentarmos o lendário grupo carioca Los Hermanos, o supergrupo de samba Orquestra Imperial ou a banda indie Little Joy (em parceria com o baterista dos The Strokes Fabrizio Moretti), mais as canções que tem escrito para gente tão variada como Gal Costa, Norah Jones e Gilberto Gil, percebe-se que o mais difícil é mesmo nunca o ter ouvido. A solo, porém, o músico carioca, de 45 anos, conta apenas com dois álbuns em nome próprio, o aclamado Cavalo, já de 2013, e o novo (e não menos celebrado), Drama, que é finalmente desvendado hoje, depois de alguns singles lançados estrategicamente a conta-gotas, para aguçar o apetite de um trabalho surpreendente, pelo modo como o autor se reconstrói enquanto artista, através de um conjunto de canções pessoais, mas que ao mesmo tempo soam tão familiares para quem as ouve.
A uma primeira audição este parece um álbum marcado por algum desânimo com o mundo, com uma certa desesperança, concorda?
Talvez, isso depende sempre de quem ouve e de como se ouvem as canções, poderá haver alguns sinais nesse sentido, mas não é um álbum desanimado, ele apenas reflete os sentimentos que me habitam em determinado momento. Ou seja, reflete o mundo no qual vivo.
E esse mundo, nestes últimos tempos, também não está assim tão animador...
Houve muita coisa que mudou nestes últimos anos e uma delas tem a ver com a velocidade a que a informação circula, a um ponto de já nem interessar se a mesma é verdadeira ou não. É um paradigma muito interessante, que nos devia colocar a refletir sobre como a liberdade de informação se tornou, ela própria, numa espécie de ditadura, a vários níveis. Mas enfim, eu apenas faço música, não sou político, por isso não tenho a solução para isso. Quero agir, mas não sei como.
Talvez o faça escrevendo canções?
Não, eu apenas escrevo canções, que muitas vezes até podem revelar um certo desespero pelo mundo à minha volta, mas seria mesquinho pensar nelas como uma verdade absoluta, deixada a quem as vá ouvir. Até porque somos pessoas, somos filhos, pais ou irmãos e todos fomos crianças, logo estamos todos de igual para igual neste caminho. Não podemos ter a arrogância de nos colocarmos como santos, a dizer como os outros se devem comportar. Mas podemos e devemos refletir sobre isso.

E chegou a alguma conclusão?
Criou-se uma veneração do mérito e da competição que acabou por nos conduzir ao medo do próximo e isso acabou por nos virar uns contra os outros. A liberdade não pode servir para nos separar, mas sim como reconhecimento da nossa interdependência. Liberdade é pertencer. Os "ismos" todos são fruto desse medo, que é outro efeito da tal desinformação. Não é por acaso que fenómenos como Trump, Bolsonaro ou o Brexit tenham surgido agora, numa altura em que também existe uma enorme frustração com a democracia e em que a economia se assume cada vez mais como um poder invisível, contra o qual parece não haver qualquer mecanismo de controlo.
É por isso que menciona palavra fé nalgumas das canções do disco?Não, a fé é algo emocional, que muitas vezes entra em conflito com a razão, é mais nesse sentido que a menciono. Mas a fé também poder ser um meio para a inação, porque nos limitamos a acreditar que as coisas vão melhorar (risos) e ter esperança já não é suficiente.
Este é um trabalho também surpreendente em termos musicais, com muitas camadas, como é que surgiu este som, digamos, mais complexo?
Curiosamente este álbum era para ser exatamente o contrário disso. Queria fazer canções mais diretas, menos barrocas e com mais ritmo. O plano inicial até passava por incluir mais a banda nesse trabalho, mas depois veio a pandemia e vi-me obrigado a trabalhar sozinho. Refleti muito sobre isso e encontrei um novo caminho. Percebi que esse som mais direto e racional, era exatamente o que a nossa sociedade patriarcal esperaria de um artista homem, como eu. E tendo isso como ponto de partida fui recuando até a alguns momentos da minha infância e juventude, em que de certa forma fui obrigado a seguir esse caminho mais direto e racional. Percebi que continuava agarrado a esse preconceito imbecil e resolvi fazer o contrário. Ou melhor, fiz disso força para fazer exatamente o contrário. Foi um processo criativo, mas também de descoberta, porque quando escrevo acabo sempre por descobrir algo mais sobre mim.

E quando escreve canções para outros artistas, como é o processo?
Tento colocar-me no lugar do outro, da personagem ou do intérprete e isso permite-me muitas vezes encontrar ferramentas que, um dia, também me podem vir a fazer falta.
Até num tema como Tuyo, da série Narcos?
Nesse caso foi mais ainda, porque compus a música tendo apenas o guião como base e sem ter visto nada da série. Pensei que não valia a pena contar a história do monstro, que essa já toda a gente conhece, mas sim proporcionar a surpresa de descobrir o outro em nós próprios, a partir da humanidade dele. E comecei a imaginar Pablo Escobar como uma criança, a ouvir uma canção na rádio, quando ele vivia com a mãe, como representação de um tempo de inocência, em que a vida está toda em aberto e ele poderia ter sido tudo, em vez do que foi.
É importante para si, enquanto artista, passar esse tipo de mensagens, nas canções?
As canções são apenas momentos de reflexão, só isso...
E o que sente quando o ouvinte ouve outra coisa, diferente daquela em que refletiu?
É bom sinal, porque a arte é abstrata e cada um interpreta-a à sua forma. Tal como é saudável, para mim, enquanto artista, saber que vou irritar algumas pessoas com a minha música, porque estou a fazer diferente do que fazia ou não faço como elas gostariam. É assim que funciona a arte e as canções não fogem a essa regra.
Como vão ser os concertos de apresentação do disco em Portugal, a 18 de Abril, na Casa da Música, no Porto, e a 19 no Capitólio, em Lisboa?
Ainda não sei, mas poderão ser divididos em duas partes, uma mais intimista, só comigo em palco, e outra com banda. E além do novo disco, também irei tocar temas mais antigos. Acima de tudo estou com muitas saudades de ir aí: os amigos, do sotaque, da comida. Tenho tentado fazer algumas receitas portuguesas para as atenuar, mas não é a mesma coisa (risos).
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