Conversas

Tim Bernardes: “É muito bom conseguir cantar com um sorriso algo que antes era apenas tristeza”

O músico e cantor brasileiro está de regresso a Portugal para apresentar ao vivo o segundo e muito elogiado álbum a solo, Mil Coisas Invisíveis.

Foto: Marco Lafer e Isabela Vdd
07 de outubro de 2022 | Miguel Judas
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"Uma maravilha de afinação, controle da dinâmica, refinamento, execução instrumental e liberdade na elegância do uso do palco e da luz", as palavras são de Caetano Veloso e resumem bem a carreira de Tim Bernardes, iniciada há pouco mais de dez anos, quando era ainda adolescente, no grupo O Terno, formado com "os melhores amigos". Juntos gravaram quatro discos, que os transformaram numa das maiores promessas da nova geração da música popular brasileira, mas seria no entanto a solo, com o álbum de estreia Recomeçar, que o artista paulista alcançaria o Olimpo da MPB. Considerado um dos melhores discos de 2017, seria apenas no ano seguinte que o apresentaria em Portugal, com dois concertos lotados em poucas horas na Galeria ZDB, em Lisboa, onde iniciou uma verdadeira relação de amor com o público nacional. Desde então já regressou muitas vezes, como volta a fazer agora, para uma mini digressão de seis datas com passagem por algumas das mais importantes salas do país, como o Theatro Circo (Braga), o Coliseu dos Recreios (Lisboa) ou a Casa da Música (Porto), onde vai apresentar ao vivo o igualmente aclamado segundo álbum em nome próprio, Mil Coisas Invisíveis.

Foto: Marco Lafer e Isabela Vdd

Que "Mil Coisas Invisíveis" são estas sobre as quais canta tão bem neste disco?

Esse título surgiu a partir da letra de uma das músicas do álbum, chamada Meus 26, e escolhi-o por funcionar com uma espécie de constatação da realidade de que existe sempre algo mais para além da mera racionalidade. Vivemos num planeta e num universo em constante mutação, mas mesmo assim, na maioria das vezes, temos muita dificuldade em encarar a mudança como algo natural ou, até, positivo. Na verdade, no álbum, apenas tentei criar alguma conexão entre todas estas músicas, no modo como abordam essas temáticas mais ou menos misteriosas, que tornam a vida naquilo que ela é, o amor, a amizade, a perda, a esperança...

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O que é que o inspira na hora de compor uma canção ou escrever uma letra?

Eu estou sempre de antena ligada, por isso a resposta é: tudo (risos). Alguns destes temas foram compostos ainda antes da pandemia, como é o caso do Nascer, Viver e Morrer, que abre o disco mas outros, se calhar, já refletem o impacto de tudo o que aconteceu, pois foram escritos no início de 2020, quando tudo ainda estava muito a quente. Estava muito curioso por ver como seria a reação do público, pois trata-se um álbum muito diferente do anterior.

Em que sentido?

É mais denso, talvez. Enquanto o Recomeçar funcionava como um filme, comparo mais o Mil Coisas Invisíveis a um livro, por ser, digamos, mais ensaístico.

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E como reagiu o público, afinal, a essa nova e maior densidade da sua música?

O público que me começou a ouvir há uns anos, com O Terno e depois a solo, também está a crescer comigo e eu com eles, porque temos mais ou menos a mesma idade (risos). Portanto e ao contrário do que pensava, essa tal densidade não foi um problema, bem pelo contrário.

As canções do Tim parecem ser sempre muito pessoais, mas isso não impede quem as ouve de se identificar com elas e as tornar também suas, como aliás se comprova nos espetáculos ao vivo. Como é que se sente com isso?

É muito interessante esse processo da apropriação das canções. Escrevo sempre na primeira pessoa e isso se calhar ajuda as pessoas a identificarem-se, quase como se estivéssemos sozinhos juntos. As minhas primeiras músicas nasceram de uma grande solidão pessoal e quando finalmente as vi a comunicar com outras pessoas, ficou uma sensação muito boa. Gosto que a peça poética tenha sempre mais que um sentido e, por vezes, com o passar do tempo, a dor original transforma-se só numa canção bonita, apenas por outras pessoas gostarem dela. No fundo, essa situação difícil, que me levou a fazer a música, torna-se simplesmente algo que eu gosto de cantar. E cantar é sempre uma felicidade...

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Foto: Marco Lafer e Isabela Vdd

E consegue esquecer as razões que o levaram a escrever tal música?

Eu me lembro, mas de uma forma que já é só quase gratidão. É muito bom conseguir cantar com um sorriso algo que antes era apenas tristeza e me fazia chorar (risos). Acima de tudo faço as canções porque as acho bonitas, mas sempre com total sinceridade, para as pessoas se poderem identificar com algo meu e o tornarem seu. Eu próprio faço isso enquanto ouvinte e fã de música.

Como está O Terno, neste momento?

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Estamos em hibernação (risos). A pandemia interrompeu um período muito intenso de trabalho, de cerca de dez anos e agora estamos juntos apenas como amigos e não tanto enquanto banda, o que não só é muito bom como já nos fazia muita falta. Talvez para o próximo ano haja novidades em relação a O Terno, eventualmente para voltar ao álbum Atrás/Além, cuja digressão foi interrompida pela pandemia, mas neste momento o meu foco é o trabalho a solo, em especial este álbum, que vou interpretar quase na íntegra nestes concertos.

Como é que vai ser esta digressão por palcos portugueses?

Vai ser em formato trio, com contrabaixo, guitarra e piano, muito centrado no Mil Coisas Invisíveis, mas com passagem também por algumas das canções mais antigas.

Qual é a sua explicação para esta relação de amor do público português com a sua música, que se iniciou logo no primeiro concerto em 2018, na ZDB?

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Talvez por cantar na mesma língua, não sei. Recordo-me perfeitamente dessa noite, foi um momento muito efusivo, mas também muito estranho, porque não esperava ser tão bem recebido como fui. Já cá tinha estado antes com O Terno e percebi que as pessoas sabiam as músicas, mas a ligação com o Recomeçar, o meu disco a solo, foi ainda mais forte. Mesmo sem qualquer promoção por cá, esses primeiros concertos esgotaram muito rápido. Foi uma surpresa muito boa, por ser algo tão espontâneo. E quando comecei a tocar parecia que estava no Brasil, com toda a gente a cantar as músicas do princípio ao fim. Fiquei mesmo muito contente e logo com uma imensa vontade de voltar.

Foto: Marco Lafer e Isabela Vdd

Vai voltar agora para um digressão de seis datas, com passagem por algumas das maiores salas do país...

É verdade, em salas bem maiores do que aquelas em que me costumo tocar no meu país (risos). A minha carreira tem evoluído por cá de uma forma muito rápida, mas também muito gradual, ao contrário do Brasil, onde não existe um circuito tão sólido de salas maiores para música não tão mainstream, como a minha. Lá é muito mais complicado saltar essa cerca.

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Essas salas maiores não são um risco para o intimismo da sua música?

Pelo contrário, acho que a intimidade destas canções ainda aumenta quando tenho mais público, como se fosse uma atuação de um para um. O importante é que haja espaço e silêncio para as canções crescerem por si, como sempre tenho tido quando toco em Portugal, seja em que sala for.

Foto: Marco Lafer e Isabela Vdd

Roteiro

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Casa da Cultura, Ílhavo. 14 outubro, sexta-feira, 21h30. €16

Cine-Teatro de Ourém. 15 outubro, sábado, 21h30. €12,5

Theatro Circo, Braga. 21 outubro, sexta-feira, 21h30. €20 a €25

Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz. 22 outubro, sábado, 21h30. €20 a €25

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Coliseu dos Recreios, Lisboa. 23 outubro, domingo, 21h30. €15 a €45

Casa da Música, Porto. 24 outubro, segunda-feira, 21h30. €22 a €27

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