Conversas

Thomaz de Lima Mayer: De Lisboa a Monforte, uma vida cheia

Lima Mayer não é só uma marca de vinhos. O parque em Lisboa com o mesmo nome e o Tivoli estão associados a uma família com tradições na capital e no Alentejo. Depois de anos de uma vida agitada, Thomaz de Lima Mayer faz o que mais gosta. Recebe a família, amigos e clientes, faz vinho e percorre os 800 hectares da quinta a cavalo, sempre como se fosse a primeira vez.

Foto: Espólio pessoal da família
26 de abril de 2022 | Augusto Freitas de Sousa
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Como surgiu a Quinta de São Sebastião em Monforte no Alentejo?

Foi uma herança da minha mulher Maria José. Como tem dois rios numa região com pouca água, atraiu, durante séculos, muitas populações. Temos vestígios do tempo da pré-história com uma ocupação bastante intensa pelos visigodos e depois os árabes. Todos deixaram vestígios. A partir de 1985 tomámos a decisão de encarar a sério aquele projeto e recuperar uma propriedade muito bonita e fazer uma vinha para depois se fazer bom vinho.

Foto: Espólio pessoal da família

Começou tudo em Lisboa?

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Nasci em junho de 1943 e cresci na capital. A minha família tem raízes fortes lisboetas. O meu bisavô tinha uma casa muito bonita ao pé da Avenida da Liberdade que é hoje o consulado de Espanha, junto com o Parque Mayer e o Tivoli. Quando fizeram a Avenida da Liberdade cortaram a propriedade em dois. O meu avô ergueu o cinema Tivoli - que esteve na família até 1963.

O que faziam os seus pais?

A minha mãe teve oito filhos e, portanto, não lhe dava tempo para muito mais. O meu pai era muito dinâmico, um grande empresário e, entre outras coisas, tomava conta do Tivoli, que na altura lhe ocupava bastante tempo. Introduziu em Portugal uma série de eventos, grandes concertos musicais e orquestras do mundo inteiro. Foi uma casa de espetáculos que na altura marcou muito. Também tinha uma empresa fundada em 1830, das mais antigas em Portugal, a Lima Mayer & Companhia na baixa lisboeta.

Foto: Espólio pessoal da família
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Esteve no liceu Pedro Nunes, no Instituto Superior de Agronomia e, na tropa, bem longe…

Fui para Timor em 1967 fazer o meu serviço militar como engenheiro agrónomo. Acabei por ficar como chefe dos serviços de agricultura e florestas e estive durante dois anos numa posição que gostei imenso. Tinha casado e a minha filha mais velha nasceu em Timor – tenho duas filhas e oito netos –, portanto tenho muito boas recordações.

O que fez em Timor?

Transitei do Exército para o Ministério do Ultramar. É uma terra muito bonita e estava tudo muito calmo. Tinha o privilégio de me deslocar pela ilha toda. A minha função era desenvolver a agricultura de forma a tentar que fosse autossuficiente. As terras são lindas e ricas, principalmente toda a costa sul que é uma grande planície. Conseguimos praticamente garantir o sustento de toda a ilha a partir de três grandes campos agrícolas nessa região. Foi uma experiência muito gratificante.

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Foto: Espólio pessoal da família

Mas acabou por não seguir agronomia…

Quando voltei de Timor tinha o meu pai à minha espera no aeroporto com uma daquelas propostas irrecusáveis. Porque era o meu pai, não podia desprezar um convite desta natureza e foi o que fiz. Acabei por não me dedicar à agricultura e durante uma série de anos trabalhei para a empresa do meu pai onde me dei francamente bem.

O que fazia?

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A nossa empresa nessa altura era líder no papel-ozalide. Mais tarde fiz um acordo com uma empresa holandesa que ao fim de dois anos acabou por comprar. Continuei a trabalhar com eles como CEO do grupo aqui em Portugal. Foi uma experiência muito válida durante muitos anos, mas que eu larguei para me dedicar aos vinhos. Tinha esta propriedade fantástica e achei que me devia dedicar de alma e coração.

Foto: Espólio pessoal da família

Quando tomou conta dessa propriedade tinha exatamente o quê? Que dimensão?

Cerca de 800 hectares de terras pobres. Uma região granítica, solos alcalinos, ácidos e totalmente inserida dentro desta mancha. Isso cria condições muito especiais. Com 5,2 de ph e uma acidez que se transfere para o vinho, sabíamos de princípio que tínhamos que ter atenção às castas que iríamos plantar para se adaptarem bem àquele terroir.

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Como surgiu a vinha?

O primeiro grande projeto foi uma vinha com cerca de 20 hectares muito bem feita, com condições muito boas e que produz uma fruta extraordinária com a qual nós fazemos os nossos vinhos. Um bom vinho começa sempre na vinha. Introduzi algumas inovações nomeadamente uma casta que tem dado resultados fantásticos que é o Petit Verdot. Parece-me que fui eu que a trouxe para cá.

Foto: D.R

Foi uma recomendação?

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Foi uma indicação do técnico australiano Richard Smart, que recomendou vivamente fazer o Petit Verdot naquele terroir com condições fantásticas. Tivemos alguma dificuldade em a encontrar, mas conseguimos uns viveiros italianos e trouxemos a casta.

Porquê a opção por Richard Smart?

Identifiquei cinco nomes de viticultores muito bons. Não quer dizer que não houvesse em Portugal, mas foi relativamente mais fácil e acabei por escolher Richard Smart. Era muito profissional e fez um levantamento extraordinário da propriedade. Por coincidência escolheu um local que era um dos meus preferidos: relativamente perto da casa, num monte com um declive suave que escoa a água. Fiz um esforço e um investimento grande e consegui ter uma vinha impecável.

Onde entra aqui o David Both?

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Substituiu o Richard. O australiano nomeou-o como uma espécie do representante. Foi o pai da vinha. Ao pé, fizemos uma adega de raiz preparada para vinificar toda a produção o que é uma vantagem porque a uva é apanhada e quinze minutos depois está na adega.

E Rui Reguinga?

Fui buscar um enorme enólogo que é o Rui Reguinga que começou a trabalhar comigo desde o princípio e que é muito bom a converter as uvas em muito bons vinhos. Criei uma equipa muito boa e também temos uma excelente enóloga residente, Teresa Serra. Há enólogos que gostam de fazer os vinhos muito parecidos. O Rui é exatamente o oposto disso. Sempre fui grande apologista das equipas até porque fui durante uns anos capitão da equipa de rugby nacional. Esta equipa que tenho está perfeitamente envolvida em todo o processo.

Foto: Espólio pessoal da família
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Aceitou, por isso, os conselhos das pessoas que tinha escolhido?

Viajava muito e sempre tive a possibilidade de provar vinhos bons. Quando começámos com este projeto conversei muito com o Richard Smart. Depois fazer uma análise muito profunda sugeriu umas vinte castas e fomos reduzindo até chegarmos às cinco.

E quais são as outras quatro?

Alicante Bouschet, Aragonês, Cabernet Sauvignon e Sirah.

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Não lhe provocou nenhuma resistência não serem todas castas do Alentejo?

Quando me propôs o Petit Verdot, havia um livro sobre as castas de uma senhora que era conhecida, Jancis Robinson, e estava escrito que estava em desuso e era apenas utilizada para dar cor aos vinhos. Fiquei um bocado desconfiado com aquilo e fui ter com o Richard. Ele, que tinha uma personalidade especial, franziu o sobrolho e disse-me: "Temos de fazer uma combinação. Enquanto seguir os meus conselhos eu trabalho para si. No dia em que não acreditar em mim, arranja outro". Rimos. Passou a ser uma casta da moda, mas que tem as suas condicionantes. Se eu não fizer nada é capaz de produzir 15 toneladas por hectare. Mas só consigo a qualidade que quero com cinco toneladas. Chego a atirar para o chão dois terços da minha produção de uva.

Não tem brancos?

Estava à espera de fazer um vinho branco e perguntei ao Richard. Com aquela graça dele, disse que se quisesse fazer vinho branco, que comprasse uma terra noutro sítio. Garantiu que os tintos podem ser excecionais, mas os brancos nunca passariam de medianos. Sugeriu um rosé e foi exatamente isso que fiz. Hoje tenho um rosé fantástico, considerado dos melhores, dentro dos muito bons feitos em Portugal. E não tenho brancos.

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Foto: D.R

Que vinhos tem?

A vindima é feita casta a casta e vinificamos monocastas na primeira fase. Fazemos os vários blends, mas não misturamos tudo. Fazemos um "bag-in-box", o LM, o Xatô e o Subsídio. E o Lima Mayer com as castas todas em barrica. O rosé exclusivamente de Aragonês. Os "2 Tintos" com 50% de Petit Verdot e outros 50% de Alicante Bouschet. O reserva Lima Mayer, que começámos a fazer há menos tempo. E, depois, a cereja no topo, o Petit Verdot, que é um vinho que só fazemos em quantidades muito pequenas porque somos muito exigentes na qualidade desse produto. Se conseguirmos fazer 2500, 3000 garrafas, já é muito.

Quem são os seus clientes?

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Temos uma parte importante de exportação, estes anos prejudicada por causa da pandemia. O mercado chinês chegava a comprar 60% da nossa produção. Mas as coisas mudaram e, entretanto, estamos a tentar substituir. Já começámos a exportar para os Estados Unidos que é um mercado extremamente promissor. Também exportamos para a Alemanha, Bélgica e Brasil. Os nossos vinhos são vinhos caros, não temos vinhos baratos, portanto não serão para todos os mercados. Não queremos muito volume, queremos pouco e bom.

Que produção tem?

Produzimos à volta de 120 mil garrafas por ano.

Não faz outro tipo de vinhos?

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Fazemos algumas brincadeiras. Por graça, aqui há tempos, fiz uma coisa que gosto imenso. Conheci um italiano que é um dos grandes produtores de grappa e ficámos muito amigos. Disse que eu tinha tudo para fazer uma grappa ótima. Assim fiz e o Petit Verdot foi excecional. Mandei-lhe uma garrafa e com alguma graça escreveu que ainda fazia melhor do ele. O "marc" de Petit Verdot é para nós e para os amigos, não para comercializar. Tenho mais ideias, mas temos que nos concentrar na nossa produção.

Foto: D.R

Quem tem consigo a trabalhar?

Temos um responsável comercial, Gonçalo Eusébio, que tem muitos anos de trabalho nesta área. A enóloga residente, Teresa Serra, que está connosco desde o início do projeto e que nos dá a cobertura desde a vinha até à adega. Além disso, recorremos a pessoal especializado de fora. E a pessoa mais importante que é a minha filha, que tem uma empresa design, e que me dá todo o apoio no marketing, rótulos das garrafas e publicidade. E eu também estou cá. É uma equipa pequena, mas que dá conta do serviço. Sou muito apologista de ações diretas de marketing. Receber pessoas, fazer provas de vinhos. Temos a sorte de ter umas instalações fantásticas em Lisboa, quase uma quinta, com uma boa sala de provas onde os recebemos. No Alentejo também acolhemos muitas pessoas, muitos estrangeiros. Vamos ter agora um jantar com 30 belgas que se apaixonaram pelos nossos vinhos e vêm de onde for preciso para lá estarem.

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O que têm na quinta além do vinho?

Temos vacas lindas que estão nas suas sete quintas. Como há muita bolota, também engordamos porcos para presuntos espanhóis.

Foto: D.R

Como é o seu dia a dia?

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Estou dois dias por semana em Lisboa, segundas e terças. São ocupados a tratar de contactos com clientes na cidade. Quando chego ao Alentejo há tanta coisa que fazer que às vezes não tenho tempo para tudo. Também é importante a parte social, ajudar as pessoas, trocar ideias e experiências. Parte desses dias passam pela minha paixão que é o cavalo e passo as manhãs a correr a propriedade. E a minha família também gosta de lá ir.

Em resumo, sair da empresa para a quinta foi a decisão certa?

Vivi muitos anos como CEO de uma multinacional numa vida infernal em que era rara a semana que não me metia no avião. Agora, online é mais fácil, mas naquela altura passava grande parte do tempo nos aeroportos a correr de dum lado para o outro. Às vezes pensava que não tinha pachorra e foi a razão para esta nova atividade. Sou um apaixonado pela natureza e a quinta é uma maravilha em todas as épocas do ano.

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