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Por que é que temos tanta dificuldade em dizer “Amo-te”?

A palavra é pequena, o seu significado enorme. Sentimo-la tantas vezes presa na garganta a gritar por uma ordem de soltura, porém logo um sem número de filtros entra em ação impedindo-a de sair. O amor é assim. E o medo de o sentir, idem.

Foi Apenas um Sonho (2008)
Foi Apenas um Sonho (2008)
20 de março de 2020 | Pureza Fleming

No êxito I Just Call to Say I Love You (1984), Stevie Wonder faz parecer simples demais pronunciar a palavra "Amo-te" — esse pequeníssimo vocábulo tão simultaneamente meigo e poderoso.  I Love You é, de acordo com um artigo publicado na revista Time, o título de pelo menos 47 músicas, 15 álbuns e 13 filmes, no que respeita a língua inglesa. Está, digamos assim, em toda a parte: não só é vocábulo evocado aos altos berros em músicas e filmes, como também é palavra escrita em livros, de hoje e de sempre, seja prosa, seja poesia. Está, efetivamente, em todo o lado e pronuncia-se naturalmente e com facilidade tremenda. Universo das artes à parte (porque nele tudo é possível) e de volta ao mundo real, as coisas não acontecem bem assim.

Dizer "amo-te" não é tarefa fácil. "Eu amo-te é algo que não se diz da boca para fora", pensamos. Dizemo-lo aos nossos filhos, podemos dizê-lo aos nossos pais e até desligamos um telefonema com os os nossos melhores amigos declamando um reconfortante e tão descomplicado "amo-te" — eu faço-o o tempo todo. Porém, quando muda o grau da relação, ou seja quando o assunto é relação amorosa, o caso muda de figura — e, olhando de repente para o termo "relação AMOROSA", fica ainda mais difícil de entender o porquê. Há dias um amigo expressava precisamente esta dificuldade: "Eu amo-a, mas não o consigo dizer", desabafava.  Eu entedia-o — e como entendia… Digamos que passei anos de terapia a tentar compreender este issue. Ainda assim perguntava-lhe o porquê dessa sua adversidade. Qual o bloqueio instalado no seu âmago que não permitia nem por nada que tais palavras passassem do coração à boca e da boca à verbalização das mesmas: "Receio admitir que fico nervoso com o que vem depois. Há algo que acompanha a pronunciação dessa pequena palavra. É como se tal demarcasse uma transição no relacionamento. Então, depois ficamos à espera que se diga uma e outra vez. Geralmente não se acaba uma relação com alguém a quem se acabou de começar ‘a amar’. Quando dizemos ‘amo-te’ não há volta a dar", dilucidava o meu amigo. Medo, portanto.

Num artigo publicado no Psichology Today a propósito deste tema, o autor acrescentava outro ponto: "Alguns homens podem achar mais difícil ter as tais demonstrações de afecto devido a estereótipos sobre a masculinidade. Eu costumava acreditar no mito que defendia que ‘machos durões’ não tinham esse tipo de ‘sentimentos piegas’ como é o amor. O que não poderia estar mais longe da verdade. Algumas das pessoas mais ‘duras’ que conheço têm os corações mais brandos e o amor mais feroz", deslindava. E, tentando entender o amor, o autor somou a seguinte citação da autoria de Robert A. Heinlein (1907 - 1988): "O amor é aquela condição em que a felicidade de outra pessoa é essencial para a sua". Esta definição parece encaixar-se em muitos dos nossos relacionamentos íntimos e suspeito que a maioria de nós gostaria de ser amado daquela maneira. Então por que é que temos tanto medo de articular a palavra "Amo-te"? A psicóloga Rita Fonseca de Castro, da Oficina da Psicologia, elucida-nos com alguns dos principais motivos por detrás deste pequeno terror.

  • Não ter aprendido a fazê-lo. Podemos ter nascido e crescido num contexto familiar em que não havia à vontade com as emoções, podendo mesmo prevalecer o evitamento ou supressão emocional. Mesmo que sentidos, os afectos não eram expressos verbalmente e/ou demonstrados, pelo que dizer "amo-te" remete para uma zona de desconforto. Embora menos pronunciado à medida que avançamos nas gerações, isto será ainda mais verdadeiro no caso dos homens que foram educados em culturas familiares marcadas por valores machistas, e em que mostrar os afectos era percebido como um sinal de menor virilidade ou fraqueza.

  • Na mesma linha, podemos ter pessoas que, por algum motivo (experiências negativas em relações amorosas anteriores, por exemplo), "aprenderam" que mostrar o que sentem as coloca numa posição de maior vulnerabilidade. Como se dizer "amo-te" as tornasse mais indefesas e passíveis de serem magoadas pelo outro. Nesta linha, pessoas menos seguras de si ou com medo da rejeição podem ter mais dificuldade em expor-se deste modo. O mesmo é válido para quem tenha medo de assumir compromissos.

  • Não sabermos se é adequado à relação, ou à fase da relação,em que nos encontramos. Ao contrário da explicação anterior, esta tende a ser mais verdadeira nos dias de hoje, com as relações a acontecerem num espaço de maior incerteza e volatilidade, com aquelas em que eram as tradicionais fases de estabelecimento de uma relação a serem desafiadas e com níveis mais reduzidos de intimidade, confiança e compromisso (premissas fundamentais para uma relação que se deseja estável e segura).

  • Medo de tomar a iniciativa, de ser o primeiro a dizê-lo na relação – e se o outro não sente o mesmo? Neste caso, verbalizar "amo-te" pode não acontecer por receio de se estar a ser precipitado e de não se ter a certeza da reacção que vai provocar no outro. Se estiverem ambos nesta expectativa, quando é que acontecerá?

 

A vida é curta e, em tempos de crise como este que atravessamos hoje, ainda mais frágil se torna e, quem sabe, breve. Por isso pegue no telefone e, sem medos, avance de vez com aquele ‘amo-te’ que lhe está engasgado na garganta. Vai ver que não dói nada. Ps: I love you

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