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Isto Lembra-me Uma História: a Seleção de Portugal voltou

Foi um jogo com uma boa vitória e pouca história, mas recheado de pequenos episódios que evocam várias memórias. Dos assobios às invasões de campo, deixou muito para recordar.

Foto: Getty Images
18 de junho de 2023 | Diogo Xavier

O Estádio da Luz encheu-se e iluminou-se para receber a Seleção Nacional de Futebol. Num período em que as férias das competições de clubes provocam nos adeptos mais assíduos uma sensação de vazio, é de saudar que aconteçam jogos das seleções, que, entre outros fatores positivos, têm o dom de alargar o grupo de pessoas que gostam de futebol até a pessoas que normalmente não gostam de futebol.

O jogo que opôs Portugal à Bósnia e Herzegovina contou para a 3.ª jornada da fase de grupos do apuramento para o Campeonato da Europa de 2024, que irá realizar-se na Alemanha dentro de sensivelmente um ano. Como se disputou o Mundial do Qatar a meio da época que ainda agora terminou, as competições parecem estar de certo modo encavalitadas umas em cima das outras, mas há também neste ponto aspetos positivos: de maneira a acelerar a fase de qualificação para a competição, uma vez que estamos a menos de um ano do seu início, este final de época tem este bónus para os fanáticos da bola, que assim se dão ao luxo de misturar santos populares e sardinhas assadas com jogos da equipa de Portugal.

Bruno Fernandes festeja o golo junto com Cristiano Ronaldo e João Cancelo,
Bruno Fernandes festeja o golo junto com Cristiano Ronaldo e João Cancelo, Foto: Getty Images

O jogo de ontem, 17 de junho, que, em si, não teve grande história - Portugal venceu com facilidade, por 3-0, em mais uma etapa do que parece vir a ser um apuramento tão tranquilo quanto obrigatório (o grupo é declaradamente fácil, as equipas mais difíceis parecem ser a modesta Eslováquia e a própria Bósnia e Herzegovina, que, como ficou demonstrado, está longe de ter qualidade para fazer frente aos portugueses), dando continuidade e substância a um caminho que vai sendo traçado assim: 3 jogos, 3 vitórias, 13 golos marcados e nenhum sofrido -, dizia eu que o jogo não teve grande história, mas que mostrou capacidade para despertar reminiscências. Ou seja, lembrou-me não uma, mas várias histórias.

Otávio terá feito mais jogos no campeonato nacional e ao serviço de equipas portuguesas do que a esmagadora maioria dos jogadores da Seleção Portuguesa, mas continua a ser assobiado.
Otávio terá feito mais jogos no campeonato nacional e ao serviço de equipas portuguesas do que a esmagadora maioria dos jogadores da Seleção Portuguesa, mas continua a ser assobiado. Foto: Getty Images

O tema do dia é, logicamente, os assobios a Otávio, o luso-brasileiro, naturalizado português ao longo da sua já muito longa carreira futebolística em Portugal, quase em exclusivo ao serviço do FC Porto. Se as razões que levaram os adeptos - corrijo: alguns adeptos, porque a maioria não tem culpa do que faz um grupo menor - a assobiá-lo são do foro clubista, então o clubismo do coro dos assobios deve claramente ser revisto. Em alternativa, e não havendo possibilidade de melhorar os clubismos, talvez seja de reconsiderar a ida a um jogo da Seleção numa próxima ocasião, uma vez que o que se apoia e defende ali é uma equipa que representa Portugal, e não este ou aquele clube. Já se os assobios tiveram origem em questões que diria ainda mais graves, como a origem brasileira de Otávio, então vale a pena levar a mão à consciência e pesar bem a xenofobia enraizada em cada um. Como se não bastasse, e se todos os argumentos racionais e civilizados não forem suficientes, pense-se em termos futebolísticos: Otávio terá feito mais jogos no campeonato nacional e ao serviço de equipas portuguesas do que a esmagadora maioria dos jogadores da Seleção Portuguesa. Já que não conseguem respeitá-lo pelo resto, respeitem-no ao menos por isso.

Como é evidente, o triste episódio em que Otávio foi visado lembra de imediato aquele outro não menos deprimente e embaraçoso, também durante esta fase de apuramento, em que João Mário foi assobiado em Alvalade. Não é preciso andar muito - são dois quilómetros e meio de distância entre um estádio e o outro -, nem recuar muito no tempo - aconteceu em março. Os motivos, no caso de João Mário, serão puramente clubistas. O jogador, presentemente ao serviço do Benfica, representou o Sporting durante várias épocas e depois mudou-se para a Luz. O que não justifica coisa nenhuma e que merece o mesmo comentário que mereceu o caso de Otávio. Parece haver uma espécie de moda em que se assobiam os jogadores que, de certa forma, causam incómodo ou estranheza às casas que os acolhem. É triste e não muito inteligente.

Mas houve episódios menos sérios e mais alegres no jogo que opôs portugueses a bósnios. Por exemplo, houve um adepto que entrou em campo e fintou os seguranças do recinto só para chegar junto do seu ídolo - bom, seu e de quase todos os presentes no Estádio da Luz -, Cristiano Ronaldo, para o abraçar e levantar no colo. As televisões evitaram, ou tentaram evitar, as imagens em direto, para não dar protagonismo aos 15 minutos (ou 15 segundos, talvez) de fama a que todos temos direito, mas que não devemos conquistar à custa de invasões de campo ilegítimas. A história lembrou-me várias outras que Cristiano, o capitão da Seleção Portuguesa de Futebol, foi colecionando ao longo da muito extensa carreira.

Um adepto invadiu o campo no jogo Portugal - Bósnia e Herzegovina.
Um adepto invadiu o campo no jogo Portugal - Bósnia e Herzegovina. Foto: Getty Images

Sem esforçar muito a memória, há pelo menos quatro ocasiões anteriores em que adeptos fanáticos de Cristiano Ronaldo invadiram o campo só para o cumprimentarem ou abraçá-lo. Em 2013, no jogo da International Champions Cup, em que o Real Madrid venceu o Chelsea por 3-1 (Cristiano marcou dois golos dos madridistas), Ronaldo foi abraçado por adepto; em 2015, durante um desafio da Liga dos Campeões entre Paris Saint-Germain e Real Madrid, um adepto parisiense entrou no relvado para tocar no seu ídolo; em 2017, foi a vez de um sósia invadir la cancha, no decorrer de um jogo da Liga Espanhola entre Real Madrid e Getafe; por fim, em 2021, no final de um Portugal - Irlanda, foi a vez de uma menina subir ao relvado para ser saudada por Cristiano. Depois de uma vida inteira a dar banhos de bola, Cristiano Ronaldo continua a levar banhos de amor e carinho do público que o adora.

Addison Whelan, 11, uma fã de Ronaldo que foi ao relvado depois de um jogo em Dublin, Irlanda,
Addison Whelan, 11, uma fã de Ronaldo que foi ao relvado depois de um jogo em Dublin, Irlanda, Foto: Getty Images

Por fim, é impossível olhar para a equipa inicial escalada por Roberto Martínez e não nos lembrarmos da história de Fernando Santos ao comando da Seleção Nacional. Tudo faz lembrar, do conservadorismo à sequência de primeiros resultados. Também nos primeiros tempos do Engenheiro Portugal vencia e convencia, até chegar ao Euro 2016, que será a nossa melhor e mais feliz memória enquanto coletivo transclubista, enquanto adeptos de uma equipa que representa a nação de Portugal. Depois, o conservadorismo de Fernando Santos acabou por dar os frutos mais ou menos esperados: de tanto conservar, tornou-se aborrecido e os empates do selecionador acabaram por se transformar em piada, primeiro, e em realidade inevitável, logo a seguir. Esperemos que com Martínez não suceda o mesmo e que a fúria goleadora e vencedora perdurem por muito tempo.

Quanto a Fernando Santos, agora selecionador da Polónia, já começa a deixar a sua marca na nova equipa. Há uns dias, num particular contra a poderosa Alemanha, conseguiu ganhar o jogo - por 1-0, numa partida em que teve 24% de posse de bola, contra 76% dos alemães, e em que os polacos fizeram dois remates (um deles à baliza, o do golo) contra 26 dos alemães (nove deles à baliza). Há coisas que não mudam.

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