Se a era dourada do cinema de Hollywood se prolonga dos anos 20, que viram nascer a Sétima Arte como hoje a conhecemos, e os anos 60, em que os movimentos sociais e políticos provocaram mudanças tectónicas na Cultura, os idos de 1970 colocaram um ponto final na época romântica do cinema. Poucos foram os ícones que sobreviveram à década do cinema de ação, a Stallone e a Schwarzenegger, e à machadada derradeira dos blockbusters dos 1990’s e 2000’s. Robert Redford, que morreu esta terça-feira, aos 89 anos, fazia parte dessa derradeira galeria de atores da antiga Hollywood.
Robert Redford morreu durante o sono – uma benesse dos deuses – na sua casa no estado do Utah, onde há dias foi assassinado um jovem podcaster, debatente e propagandista político ultra-conservador. Mera coincidência, ao contrário de Kirk, um ator político unidimensional, Redford foi sempre uma personagem multifacetada e humana. Apoiou políticos republicanos para cargos a nível estadual, e esteve ao lado de Barack Obama para a presidência dos EUA. E porque a vida e a arte se confundem por vezes, teve uma das suas grandes prestações em Os Homens do Presidente, no papel de Bob Woodward, ao lado de Dustin Hoffman (Carl Bernstein), filme que detalha Watergate, o escândalo que levou à queda do presidente Richard Nixon.
Nascido em 1936, em Santa Mónica, Califórnia, foi um símbolo de masculinidade e, ao mesmo tempo, herói da comunidade LGBTQI+. São prova disso obituários tão distintos como os dos websites de automóveis The Drive, que recorda as ligações de Redford e Newman aos automóveis – uma piada privada que envolve Redford enviar um Porsche em sucata ao amigo, que o mandou comprimir num cubo e enviá-lo de volta – e da revista Advocate, que destacou que o ator foi sempre um “aliado” e que começou a sua carreira num papel queer, em O Estranho Mundo de Daisy Clover.
Mais do que mero símbolo da Sétima Arte, Redford fica-nos na memória como um expoente de estilo e daquela masculinidade – a sério – que não teme rótulos nem
se deixa afetar pelo ar dos tempos. A editora de Cultura da Vogue norte-americana apelidou-o de “o homem com mais estilo de Hollywood”. A CNN dedica-lhe um longo artigo a celebrar o seu legado de estilo, recordando o fato pastel na adaptação ao cinema do clássico O Grande Gatsby e o estilo preppy que personificou em Os Três Dias do Condor, e são múltiplas as publicações que destacam a sua amizade com Paul Newman, outro dos grandes nomes do cinema do século passado, aquilo a que hoje os millenials ou zoomers poderiam chamar de bromance mas que, na América dos carros rápidos e do amor livre, era apenas uma amizade entre dois homens, que têm numa fotografia de Lawrence Schiller a jogar ténis de mesa, em tronco nu, uma poderosa imagem do que é não fazer caso de preconceitos.
Robert Redford foi um galã, um bom-vivant que nunca ganhou o Óscar enquanto ator e que, na ressaca de uma carreira absolutamente ímpar em frente às câmaras, mudou a forma como o cinema independente, até então quase um reduto europeu, era visto pelas bandas de Los Angeles. Primeiro, criou um estúdio. Chamou-lhe Sundance, tanto nome da personagem a que deu vida no icónico Butch Cassidy e Sundance Kid como da cidade em que viveu. Mais tarde, adotou a nomenclatura para aquele que é provavelmente o festival de cinema independente mais importante dos Estados Unidos. Por esta altura, dirige Gente Vulgar, que lhe valeu o único Óscar da carreira, para Melhor Realização, em 1980.
Sem nunca sair definitivamente de cena, abraçou a causa do ambientalismo. Em 2015, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, afirmou ser “um ator por formação, mas um ativista por natureza, alguém que sempre acreditou que temos de encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação”. Filantropo, em 2008 fundou o Centro Redford, que apoia realizadores e artistas que desenvolvam trabalho sobre as alterações climáticas, esquecidas na América contemporânea. Ao reagir à sua morte, o habitualmente hiperbólico Trump reduziu-se ao óbvio: “Ele fez sete ou oito grandes filmes. Durante algum tempo, foi marcante.” Redford, para quem Trump era “um presidente que contamina tudo aquilo em que toca”, dispensaria o elogio.