Conversas

No canhão da Nazaré com o campeão português

Estivemos com Nic Von Rupp na prova da Nazaré e em vésperas de partir para o Havai, onde disputará Jaws. Em um ano de El Niño, com as ondas ainda maiores no Pacífico, o campeão português espera chegar, surfar e ganhar...

Foto: DR
01 de fevereiro de 2024 | Bruno Lobo

Quanto tempo dura uma onda? "Se calhar, menos de dez segundos", responde Nic Von Rupp, mas "enquanto estamos lá, demora uma eternidade". "Ao surfar uma onda gigante, usamos 100% dos nossos sentidos, e parece que entramos numa zona em que tudo à nossa volta avança em câmara lenta, até que, de repente, saímos da onda e acabou tudo num instante". Isto, acrescenta o melhor surfista nacional no campeonato de Big Waves, "se tudo correr bem, porque se caíres e ficares embrulhado vai demorar muito mais."

O famoso Canhão da Nazaré é um enorme desfiladeiro submarino que "levanta" as maiores ondas surfáveis do mundo. Já todos vimos as imagens do Forte e do Farol, com as ondas gigantes a explodirem junto às rochas, e perante este cenário impunha-se a pergunta: não é normal alguém querer meter-se lá dentro, pois não? "As pessoas normalmente dizem que somos malucos ou super-heróis, sem medos, mas não é nem uma coisa, nem outra. Eu também tenho medo destas ondas, só que tenho uma vontade maior de as superar, e por isso treino muito, para estar física e mentalmente preparado, porque só assim posso melhorar a minha performance e aumentar as minhas hipóteses de sobrevivência", explica.

"Quando estamos a descer e vemos a sombra da onda por cima de nós, é o momento mais assustador, porque significa que estamos num momento crítico e que a onda é mesmo muito grande." Foto: DR

Estivemos à conversa com Nic Von Rupp antes e depois da última edição do TUDOR Nazaré Big Wave Challenge, na semana passada, quando a vila portuguesa voltou a receber alguns dos melhores surfistas de ondas gigantes do planeta. Destaque para a comitiva brasileira que dominou o evento, com a dupla Lucas Chumbo / Pedro Scooby a brilhar mais alto na competição por equipas, Chumbo a repetir a proeza no título individual e Maya Gabeira a levar a melhor na disputa feminina. Quanto a Nic, depois da vitória na edição passada, terminou em segundo lugar na geral por equipas, estreando uma dupla com o francês Clement Roseyro, mas era evidente uma certa frustração no final. Não tanto pelo lugar alcançado, mas mais pelas ondas que ficaram por surfar... E mesmo depois de um dia a "apanhar tareia, já só pensava "em voltar a surfar". Aqui ou em Jaws no Havai, a outra grande prova de ondas gigantes do calendário mundial e para a qual estamos em período de stand by. As condições ideais para a realização destes eventos são sempre imprevisíveis, e a "chamada" pode vir de um momento para o outro.

Na prova da Nazaré, tivemos quatro surfistas nacionais − António Laureano, que fez equipa com Maya Gabeira, António Silva, João de Macedo e Nic Von Rupp − e todos cresceram a surfar na Praia Grande, em Sintra. Por isso, quem se quiser dedicar à grandes ondas já sabe por onde começar.
Na prova da Nazaré, tivemos quatro surfistas nacionais − António Laureano, que fez equipa com Maya Gabeira, António Silva, João de Macedo e Nic Von Rupp − e todos cresceram a surfar na Praia Grande, em Sintra. Por isso, quem se quiser dedicar à grandes ondas já sabe por onde começar. Foto: DR

"A última vez que lá competi foi em 2019, que foi também a última vez que organizaram o campeonato", tendo então alcançado as meias-finais. "O ano passado tive a oportunidade de surfar ondas incríveis no Havaí, mas a prova acabou por não acontecer." Este ano temos o El Niño, e as águas do Pacífico estão mais quentes, há mais tempestades e ondas muito grandes, por isso Nic acredita que "vai mesmo avançar", sendo as suas expetativas muito simples: "chegar à final... e ganhar." Depois deste momento "Mourinho", modera um pouco o discurso e acrescenta: "Não sei, vamos ver o que vai acontecer, mas estou com muita vontade de lá voltar".

Para a competição deste ano, em Jaws, foram convidados apenas três surfistas europeus, sendo que Nic recebeu ainda um passe para o The Eddie Aikau Big Wave Invitational, outra das grandes provas mundiais, o que o torna "provavelmente um dos três únicos surfistas convidados para estes três eventos". Não faltarão, por isso, oportunidades para voltar a medir forças com Lucas "Chumbo" Chianca ou com o havaiano Kai Lenny, possivelmente o mais famoso de todos os surfistas de Big Waves depois de Gareth MacNamara.

"Ao surfar uma onda gigante, usamos 100% dos nossos sentidos, e parece que entramos numa ‘zona’ em que tudo à nossa volta avança em câmara lenta, até que, de repente, saímos da onda e acabou tudo num instante". Foto: DR

Nic, de Nicolau, Von Rupp é fruto de uma salada genética engraçada: filho de pai germano-americano e mãe luso-helvética, sendo que o lado luso vive na Suíça e foi o pai quem escolheu Portugal para viver, na zona de Sintra. Começou a surfar nas ondas da Praia Grande e teve o seu primeiro contato com a Nazaré em 2004. Tinha apenas 14 anos, mas queria "ver os melhores surfistas da altura, que tinham vindo experimentar as ondas". Apesar da idade, Nico recorda-se bem desse dia: "Foram-se embora sem conseguirem surfar uma única onda. Aquilo deixou-me desolado. Eles eram os meus ídolos, aquelas eram as ondas do meu país, e eles viraram costas e foram-se embora...". Felizmente, não teve de esperar muito mais tempo, porque em 2011 Gareth MacNamara surfou mesmo a grande onda da Nazaré e, de repente, o panorama mundial do surf mudou: "O epicentro das ondas grandes eram os Estados Unidos, o Havaí. Diziam-nos que se queres fazer alguma coisa vai lá para fora, mas agora é ao contrário. Agora é o resto do mundo que vem para cá. Para mim, como português, é um orgulho ver esta transformação. Dá-me arrepios só de pensar nisso, é uma loucura."

Ainda assim, se alguém tivesse dito ao jovem Nic que um dia iria surfar aquelas ondas, esse rapaz "teria desatado a fugir na direção contrária ao mar". Surfar ondas grandes nunca foi a ambição, e Nic culpa a costa portuguesa por esta opção: "temos ondas realmente muito grandes e fortes, e é normal uma pessoa querer superar-se. Ou seja, vamos à procura do próximo desafio e acabamos a surfar ondas gigantes", conclui, com toda a naturalidade.

Começou a surfar nas ondas da Praia Grande e teve o seu primeiro contato com a Nazaré em 2004. Tinha apenas 14 anos, mas queria
Começou a surfar nas ondas da Praia Grande e teve o seu primeiro contato com a Nazaré em 2004. Tinha apenas 14 anos, mas queria "ver os melhores surfistas da altura, que tinham vindo experimentar as ondas". Foto: DR

Em 2022, Nic foi convidado por uma das patrocinadoras oficiais do circuito, a marca de relojoaria suíça Tudor, para ser seu embaixador. Um momento marcante na carreira, desde logo pelo reconhecimento que esse convite implicava, e até porque era já um fã assumido de relógios e da marca, cujo slogan não lhe podia assentar melhor "Born to Dare". Mas sobretudo pelas implicações familiares: "tive de lutar muito para que a família da minha mãe aceitasse ter escolhido fazer carreira profissional no Surf, em vez de ter seguido uma carreira académica ou assim. E ter uma marca de relógios tão importante como a Tudor, ainda por cima suíça, escolher-me como embaixador foi uma espécie de certificado de qualidade, e isso fez muita diferença."

"As pessoas perguntam-me ‘mas surfas mesmo com o relógio posto?’ Especialmente os aficionados não querem acreditar que levo um Tudor para aquele ambiente, mas é evidente que levo. Sinto-me muito mais confiante com o relógio no pulso, é quase como se fosse um amuleto da sorte, e ajuda-me a surfar melhor." Foto: DR

De lá para cá, Nic ficou também numa posição privilegiada para expandir a coleção de relógios, que conta já com um Black Bay Bronze, uma edição limitada e um Ranger, sendo que o seu preferido é claramente o Pelagos, modelo que lhe foi oferecido como prémio por ter vencido a prova da Nazaré. Nos últimos dois anos, este relógio não saiu praticamente do pulso, mesmo quando vai surfar − ou especialmente quando vai surfar: "As pessoas perguntam-me ‘mas surfas mesmo com o relógio posto?’ Especialmente os aficionados não querem acreditar que levo um Tudor para aquele ambiente, mas é evidente que levo. Sinto-me muito mais confiante com o relógio no pulso, é quase como se fosse um amuleto da sorte, e ajuda-me a surfar melhor."

Saiba mais Conversa, Nic Von Rupp, Nazaré, Surf, Havaí, Estados Unidos, Tudor
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