Adolfo Luxúria Canibal: “Sem o 25 de Abril os Mão Morta nunca existiriam”
Os Mão Morta estão de regresso com "Viva la Muerte!", um disco e um espetáculo inspirado na estética da música de intervenção, que assinala os 40 anos da banda e comemora os 50 do 25 de Abril. Em entrevista à Must, o vocalista fala sobre os perigos dos novos totalitarismos e de como arte os pode combater.

Era para ter sido apresentado no final do ano passado, mas problemas de saúde de um dos membros da banda obrigaram a adiar o novo espetáculo dos Mão Morta para o início de 2025. Composto apenas por temas inéditos e com um conceito que remete para o imaginário da música de intervenção das décadas de 60 e 70, quando autores como José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Zeca Afonso ou Ary dos Santos, "que viveram pessoalmente o fascismo salazarista, retiraram da ausência de liberdade e da censura institucionalizada a força e a motivação para compor música", Viva la Muerte!, assim se chama, pretende também alertar para as "temáticas do fascismo contemporâneo ou pós-fascismo, como o ultranacionalismo bélico, as teorias racistas da grande substituição, a globalização das teorias conspiracionistas ou o ódio ao conhecimento científico".

A estreia acontece finalmente este sábado, dia 18, no Theatro Circo, em Braga, seguindo-se o Teatro das Figuras, em Faro (25 de janeiro), o Teatro Municipal de Ourém (1 de fevereiro), a Culturgest, em Lisboa (26 de fevereiro), o Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães (1 de março) e o Teatro Aveirense, em Aveiro (7 de março). Antes, na sexta, é editado um álbum com todos os novos temas, que tal como o espetáculo serve para assinalar os 40 anos dos Mão Morta e comemorar os 50 do 25 de abril "com um olhar para o futuro e não para o passado", como refere nesta entrevista Adolfo Lúxuria Canibal, o vocalista desta banda de inconfundível estética avant-gard e aguçada intervenção social e política, como tão bem o exemplificam álbuns como Há Já Muito Tempo Que Nesta Latrina o Ar Se Tornou Irrespirável, Pelo Meu Relógio São Horas de Matar ou este novo Viva la Muerte!
Como é que surgiu este conceito de ligar as duas datas, os 50 anos do 25 de Abril e os 40 dos Mão Morta, com um espetáculo e um álbum assim tão político? Pode-se usar esta palavra, certo?
Exatamente, porque é disso que se trata, de um álbum assumidamente político, que surgiu devido a um convite do Theatro Circo, de Braga. Foram eles que, logo em 2023, nos desafiaram a criar um espetáculo para comemorar os nossos 40 anos de carreira, a cumprir no ano seguinte.
Mas que entretanto se transformou em algo maior.
Sim, porque na verdade nem sequer ainda tínhamos reparado que íamos fazer 40 anos e fomos até apanhados um pouco de surpresa com esse convite. Ficámos de pensar e como nesse ano também se comemoravam os 50 anos do 25 de abril, optámos por ligar as duas datas e criar um espetáculo totalmente novo, com temas inéditos, que seriam mais tarde editados em disco.
Porque essa opção?
Em primeiro lugar porque comemorar datas a olhar para o passado é algo que não está na nossa índole, enquanto banda. E juntar as duas datas permitia-nos apresentar algo novo, mais virado para o futuro, que nos permitisse intervir de uma forma ética, contra esta ameaça, palpável desde há uns tempos, mas cada vez mais premente, do retorno do fascismo. E como estávamos a comemorar também o 25 de Abril, que pôs fim ao fascismo português ou salazarismo, isso pareceu-nos uma boa desculpa para irmos por esse caminho da defesa da liberdade como valor inalienável.
Daí também a opção por uma estética que remete para a cantiga de intervenção desse período?
Sim, quisemos ir buscar essa estética pré e pós 25 de Abril, de nomes como o José Mário Branco, o Zeca Afonso, o Adriano Correia de Oliveira, que nos dizem muito mas estão muito distantes da nossa sonoridade habitual. Representava no entanto uma oportunidade para juntar esses dois universos, obrigando-nos a trabalhar de outra forma o nosso rock mais experimental. Daí termos optado por trabalhar com um coro masculino, que acaba por ser o mote central de todas as novas composições.
Porquê essa opção?
Em primeiro lugar por ser uma referência direta ao Grândola Vila Morena, o tema que serviu como senha ao golpe militar de 25 de Abril de 1974. Tem esse lado simbólico, mas obrigou-nos também a trabalhar melódica, harmónica e vocalmente como nunca tínhamos feito antes, porque o coro tornou-se a peça central em todo o processo de composição. Foi algo que nos fez abrir muito o nosso horizonte musical.

Foi esse o maior desafio deste disco/espetáculo, conciliar o rock mais experimental dos Mão Morta com a estética da cantiga de intervenção?
Sim, mas foi exatamente isso que nos propusemos, criar algo que remetesse para essa época sem descaracterizar quem somos e, ao mesmo tempo, abrisse o nosso espectro musical, como aliás sempre temos feito ao longo destes 40 anos. É algo que faz parte dos Mão Morta, esse constante experimentar de algo novo e ver como resulta. Apresentámos a proposta ao Theatro Circo e dissemos que o espetáculo teria assim a ver com as duas efemérides, os nossos 40 anos e os 50 do 25 de Abril. Não que haja uma relação direta entre uma coisa e outra, mas a verdade é que sem o 25 de Abril provavelmente os Mão Morta nunca teriam existido. Mas acima de tudo isso permitiu-nos trabalhar como gostamos e sempre fazemos, a olhar para frente e não para trás.
Ainda que não diretamente, de que forma é que a mudança de paradigma político em Portugal influenciou o que viriam a ser os Mão Morta, surgidos dez anos depois da revolução?
É simples, se não houvesse liberdade nós nunca poderíamos ter existido. Basta fazer um pequeno levantamento histórico da época, por muito sucinto que seja, para perceber que toda a cultura juvenil era quase morta à nascença, quanto mais não fosse pela obrigatoriedade do serviço militar na guerra em África ou pela saída para o estrangeiro para quem não queria obedecer a esse pseudo-designío nacional. E nesse contexto os Mão Morta nem sequer o primeiro disco teriam gravado.
Mas mesmo assim ainda tiveram algumas forças de bloqueio, não só no início como ao longo da carreira…
Sim, mas força de bloqueio parece-me um termo algo exagerado. Houve sempre algumas resistências de diversos tipos em relação à nossa música, mas isso é o natural e salutar contraditório que faz parte da vida democrática.
Um conceito, como já afirmou, que é posto cada vez mais em causa. Como é que se chegou a este ponto, na sua opinião?
Tem a ver com um contexto internacional, do qual Portugal não está isolado, de avanço de um capitalismo pós-industrial, ultra-liberal e mais tecnológico. Nos últimos 30 anos, nunca como agora houve um afastar tão grande entre ricos e pobres. Nunca a faixa dos ricos esteve tão estreita e a dos pobres tão larga.
Mas não é esse o grande paradoxo, o modo como essa massa vota em políticos que ainda lhes diminuem mais a margem de manobra?
Sim, porque a massificação é outra das consequências desse capitalismo pós-industrial, que traz como ela o não-pensamento, pois tudo passa a ser nivelado pelo mínimo denominador comum. Basta haver uma qualquer manipulação tecnológica e a sociedade atual é altamente tecnológica, para tudo ser direcionado em determinadas direções. Se pensarmos que este discurso passa até a ser dominante nos próprios media tradicionais, também eles sempre à procura do maior número de consumidores. Ou seja, em vez de o contrariar ou desmascarar, acaba por normalizar esse discurso. Isso acaba por influenciar as pessoas a aceitar de bom grado todos os atos e ações que ponham em causa a sua liberdade e o seu bem-estar, pensando que estão a fazer melhor e a resolver os problemas que realmente sentem na pele. Foi com base neste engano que o fascismo e o nazismo surgiram, faz agora cem anos. A grande diferença é que nessa altura eram as elites que tinham de ser convencidas, enquanto hoje é a grande massa amorfa e encarneirada da sociedade de massas e isso torna o processo muito mais fácil, porque já não existe discussão nem pensamento próprio.
E como se pode combater isso, com arte?
Temos a total noção que a música tem um alcance muito limitado, mas é a quota-parte que podemos dar para combater esta situação. Neste disco quisemos descarnar tudo o que é acessório na ideologia fascista para mostrar às pessoas o seu cerne e os seus pilares e como isso afeta a existência de todos nós enquanto sociedade. Os perigos que isso acarreta não só para a nossa vivência coletiva, mas também individual. Se conseguirmos fazer que uma ou duas pessoas pensem sobre o assunto, então já terá valido a pena.
Numa época tão polarizada como esta, considera que os artistas devem tomar partido?
Sendo os artistas trabalhadores do espírito, penso que têm a obrigação ética de o fazer, quanto mais não seja por uma questão de defesa do seu próprio habitat. Como disse antes, os Mão Morta nunca existiriam se não fosse o 25 de Abril, ora se voltarmos ao 24 de abril, nós e muitos outros deixaremos de ter espaço para existir. Mesmo pondo de parte as questões éticas ou políticas, trata-se de uma questão de sobrevivência.
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