Coronavírus

Como encontrar o amor durante a pandemia ( segundo os testemunhos de quem tentou)

Nada se coloca entre um solteiro e a sua aplicação de dating online. Encontros por facetime, drones com mensagens – nem mesmo a maior pandemia mundial veio abrandar o nosso desejo mais fundamental, o de sermos amados.

A Culpa é das Estrelas (2014)
A Culpa é das Estrelas (2014)
30 de novembro de 2020 | Sara Arruda

Era um dia de pandemia igual a todos os outros, quando o fotógrafo Jeremy Cohen avistou algo diferente pela janela. O seu apartamento em Brooklyn, Nova Iorque, dava-lhe vista privilegiada para o terraço do prédio do outro lado da rua, algo que tinha escapado à sua atenção nos outros 364 dias do ano – mas bem, não é como se tivéssemos muito mais a fazer do que prestar atenção ao pouco que nos rodeia. Eis que no meio do tédio, surge a imagem de uma rapariga a dançar. Num gesto sem precedentes, Jeremy acenou-lhe. Num segundo gesto sem precedentes, ela acenou-lhe de volta. Estava criada a primeira grande história de amor em tempos de quarentena ou, como Jeremy lhe chama na série de vídeos que publicou na sua página de Instagram [@jermcohen] "How to date a Quarantined Cutie". "Não ia a um encontro há mais de um ano", explicou Jeremy ao site Bored Panda. "Acho que estava desejoso de ter interação social e o facto de estar confinado às paredes do meu apartamento tornou-me mais criativo."

 

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Desperate times call for desperate measures
: pegou em fita cola, uma caneta, uma folha de papel, colocou-os no seu drone e enviou-lhe o seu número de telefone. Algumas horas depois, como mandam as regras sociais do dating, recebeu uma mensagem de volta: "Olá, é a rapariga do terraço!". Dois dias depois, tiveram o seu primeiro encontro. Ela no terraço, ele na varanda da sua casa, uma mesa montada com uma toalha de linho, uma jarra com flores e uma garrafa de vinho montavam o cenário romântico perfeito. Já tínhamos referido que a sua criatividade disparou? Pois bem, para dar o próximo passo na relação, Jeremy criou uma espécie de bola de plástico para passearem pelas ruas juntos mas com a devida distância de segurança. Nada como um amor em tempos de guerra para nos dar uma réstia de esperança, uma capa na New York Magazine e 300 mil novos seguidores. Estamos mesmo todos a precisar que nos assegurem que #vaificartudobem. É que que toca ao amor, já antes de o mundo ser engolido numa pandemia vivíamos em estado de emergência.

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Certamente não estou sozinha quando digo que sempre que preciso de conselhos amorosos recorro à minha melhor amiga Carrie. E à Charlotte, e à Miranda e à Samantha, claro. Por mais ficcional que seja termos aquela quantidade de sapatos de luxo sem sermos despejados de casa, mais de 20 anos depois cada episódio de O Sexo e a Cidade continua a ser um reflexo intemporal da realidade do – terrível – do mundo do dating. Ao menos a situação atual deu-nos o melhor icebreaker. "Como estás?" "Hey, situação estranha" "Estás em casa?" "Coronafree?" As compras são online. O trabalho é online. Era só uma questão de tempo até as relações se tornarem virtuais também. Espera – isto já era assim antes. Afinal, o que mudou no mundo dos encontros através da tela de um telemóvel? Segundo o Tinder, os seus quase 6 milhões de utilizadores estão mais disponíveis para conversar (e em qualquer língua, visto que a app abriu a funcionalidade até aqui limitada a subscritores que lhes permite conectarem-se com qualquer pessoa em qualquer parte do mundo). "Como está tudo em casa entediado, o tempo que passamos nas apps é maior e as conversas muito mais longas e profundas", confirma Gustavo, um designer gráfico de 26 anos que está online a fazer isso mesmo. Com a motivação extra para passar o tempo e a de sempre, continuar solteiro, diz que tem conhecido melhor as pessoas virtualmente do que na era pré-corona. "Para além disso, o processo de espera vai ser muito melhor o que espero que torne o encontro cara a cara muito melhor também." Mas nada como um pequeno test-drive: tal como está a acontecer um pouco por todo o mundo, também Gustavo já teve o seu primeiro date online. "É sempre bom ter companhia diferente das caras habituais para quem está a passar a quarentena sozinho", conta. Apesar de não terem embarcado no pack full romance de 2020 que inclui recriar uma receita em conjunto cada um no conforto do seu lar, diz que ficou contente por ter companhia para beber uma garrafa de vinho. "Para não ter que beber outra sozinho", diz, antes de um emoji a chorar a rir. É. Isolamento social.

 "A utilização de redes sociais de todo o tipo já nos dava uma ideia (real ou imaginária) de proximidade com os outros e já recorríamos a elas mesmo nos momentos em que não tínhamos muito com que nos ocupar", explica Mafalda Aparício, psicóloga clínica. Quem nunca instalou uma aplicação de dating num momento de puro aborrecimento? Quer pelo fator novidade quer pelo escape à realidade. A psicóloga aponta o óbvio: somos seres relacionais e a socialização é inerente à condição humana. E nada como o empurrãozinho de uma quarentena para aumentar o número de swipe rights. "Esta situação de isolamento acarreta dificuldades para todos nós ao nível social, o afastamento dos familiares e dos amigos é difícil de gerir e poderá ser inquietante principalmente para aqueles que já se sentiam sozinhos antes da epidemia." Check. "Nestes casos, é provável que sentimentos como a solidão, tristeza, carência afetiva e frustração possam acentuar-se." Double check. Quando nos fecham a porta para o mundo, temos sempre de arranjar forma de deixar o ar entrar por uma fresta. E nada como uma notificaçãozinha a saltitar no ecrã do nosso iPhone para empurrar tudo magicamente para debaixo do tapete e ocupar o cérebro com algo menos empoeirado e excitante.

"As pessoas estão entediadas em casa e acaba por ser divertido", diz Matilde ao telefone, uma amiga de uma amiga de quem recebi uma mensagem no outro dia a avisar que o House Party era o novo hot spot do dating. Depois de algumas tentativas frustradas pela aplicação, fiz o que tinha de ser feito: pedi o número desta expert. "Não sou muito de conhecer pessoas na Internet, mas comecei a ver alguns nomes interessantes em algumas conversas e atirei-me de cabeça", começa por contextualizar a minha fonte, que diz que prefere esta app porque, por ser em vídeo e no momento, "mostra aquilo que a pessoa é, sem efeitos" e "nem temos muito tempo para pensar no que vamos dizer e dá para perceber se a pessoa é mesmo interessante". Justifica-o como sendo o método mais próximo que temos de estar juntos nos dias de hoje, e apesar de não se ter conectado para "engatar", já conheceu alguns potenciais candidatos a um encontro para tempos melhores. Só há um pequeno problema... "Os primeiros dias são muito giros, mas já estou farta. Passei horas a saltar de conversa em conversa. Acabou por tornar-se cansativo." Ah, o tédio inerente ao dating online. Quem já passou por isso conhece o esquema: é tudo muito giro, mas passa-se um dia ou outro em que a conversa demora a acontecer, a coisa esfria, a vida acontece e puff... desinstala-se a aplicação ao primeiro sinal de falta de armazenamento no telemóvel. Duas semanas dizem ser a média para o próximo amor da nossa vida se transformar em abóbora. Será que nem o Covid-19 conseguirá terminar com a maldição que assola as relações virtuais?

Para Mafalda, está mais relacionado com o transmissor do que com o recetor. "Isso tem mais a ver com a predisposição da pessoa para descobrir, ou seja, eu quero suprimir logo a minha necessidade afetiva ou eu sei que as relações interpessoais levam tempo a consolidarem-se e por isso eu tenho de apelar à minha capacidade de resiliência e entrar na aventura da descoberta do outro (do ponto de vista amoroso ou amigável)". Confessemos: queremos tudo para ontem. Aquela camisola que encomendámos há meia hora. O pedido do Uber Eats. Um ordenado milionário. Um relacionamento amoroso saudável e duradouro. "Queremos caminhar num caminho em auto-estrada, reto, sem curvas e por isso por vezes monótono, e esquecemo-nos que também podemos ir pela "nacional", com curvas, e que se quisermos abrandar e parar para desfrutar da paisagem podemos fazê-lo", compara habilmente a psicóloga. "Demoramos mais tempo a chegar ao destino, certo, mas pelo menos temos tempo para repensar se esse será mesmo o nosso destino, se essa pessoa é a pessoa que estou a gostar de descobrir e com quem quero continuar a conversar e a sair. Eu acredito que tal é possível mesmo recorrendo a uma aplicação de dating. O aceleramento do dating depende do que cada um está disposto a descobrir."

Não és tu, querido match, somos nós. O mundo pode ter abrandado, mas as nossas inseguranças continuam todas cá, na mesma velocidade furiosa de sempre, sem manterem distância higiénica da nossa mente e do seu reflexo nos outros. "De repente temos de viver uma realidade que não estávamos habituados, deixámos de ter as nossas rotinas habituais, não sabemos o que fazer com o tempo, estamos fechados, isolados das pessoas, o que nos coloca ironicamente mais próximos de nós mesmos e não há como fugir disso. E como será estarmos próximos de nós mesmos? O que queremos realmente, quais são as nossas verdadeiras necessidades? Se tivermos insaturados nas nossas necessidades é provável que nos saturemos com as compensações ao lado das nossas necessidades." Isolamento social não é isolamento pessoal. Quer mantenhamos os nossos dedos ocupados a deslizar por uma app ou não, temos encontro marcado todos os dias à mesma hora... connosco mesmos.

 

 

 

 

 

 

 

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