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Abram alas para a nova Bica do Sapato: um ícone reimaginado

Depois de seis anos de trancas à porta, reabre um dos espaços mais queridos da cena cosmopolita lisboeta. A Bica do Sapato sempre foi muito mais que um restaurante.

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26 de dezembro de 2025 | Madalena Haderer

Era uma espécie de zona franca, uma terra de ninguém e de todos, onde as diferentes tribos da capital tinham encontro marcado. Falamos de políticos, artistas, celebridades, intelectuais, novos, velhos, conservadores, liberais, gente extravagante, pessoas vulgares à espera da hora de abertura do Lux… Pessoas que, se não fosse na Bica, não se cruzariam em mais lado nenhum. Fechou em 2019, depois da morte de dois dos seus fundadores – Manuel Reis, a mente por detrás do Frágil e do Lux, e José Miranda, co-proprietário do Pap’Açorda – e reabre agora, pela mão de Celso Assunção e Francisco Lacerda, com vontade de dar nova vida ao legado histórico e um enorme desejo de fazer bem e à portuguesa.

Francisco Lacerda, de 39 anos, diz que faz parte de uma geração que achava que só o que era estrangeiro é que era bom. Uma mentalidade que está a mudar e que desaparecerá completamente do imaginário de quem se deixe cativar pela nova Bica do Sapato. Afinal, aqui, tudo é português. E isso foi propositado. “Quando começámos a pensar no desafio que era renovar a Bica, falámos com várias pessoas, o Manuel Aires Mateus, a Inês Cotinelli, que é filha do Daciano da Costa, e aquilo que sentimos, imediatamente, foi que uma coisa que eu até acho que em Lisboa não existe muito, que é o colaboracionismo. Toda a gente quis colaborar, toda a gente quis ajudar, toda a gente estava disponível. Por causa da marca, não por nossa causa. E isso fez-nos logo perceber que tínhamos aqui algo muito especial”, conta o co-proprietário.

Bica do Sapato reabre em Lisboa com novidades gastronómicas e culturais
Bica do Sapato reabre em Lisboa com novidades gastronómicas e culturais Foto: Luís Ferraz

Resultado? Francisco Tojal é o arquitecto responsável pela reconfiguração do espaço. As bicas da cerveja (aquelas torneiras à pressão de onde saem as imperiais) foram desenhadas por Manuel Aires Pereira, tal como as mesas. As cadeiras são de Daciano da Costa. E os têxteis são da responsabilidade de Maria Appleton. Há muitos cortinados nesta nova Bica do Sapato, afinal, estamos a falar de um espaço para 300 pessoas, e os tecidos permitem criar divisões que são, ao mesmo tempo, fluídas e intimistas, transmitindo uma sensação de conforto. Um bom exemplo é a cortina prateada, com uma faixa transparente, que funciona como “parede” da pista de dança. Ou o cubo, ao estilo japonês, que resguarda uma mesa para um grupo médio. Também os destinos da cozinha foram entregues a três portugueses: o chef Milton Anes, o chef Hugo Guerra, encarregado do Trinca o Sapato – já lá vamos –, e o chef de pastelaria Joaquim Sousa.

Sobre a identidade que quer desenvolver na nova Bica do Sapato, Francisco Lacerda diz o seguinte: “A ideia é que seja um espaço onde as pessoas vêm divertir-se, ler um livro à beira-rio, passar tempo, trazer o computador para fazer um trabalho. Queremos que seja quase um Members Club dos lisboetas, mas onde não é preciso ser-se membro para poder entrar.” É também com vista a este objectivo que a Bica do Sapato, para além de almoços e jantares, vai servir também pequenos-almoços, das 10h às 12h, e chás da tarde, das 10h às 18h30, sem esquecer os petiscos. Na prática, estão abertos e a servir comida o dia todo. A cozinha está aberta todos os dias, das 10h às 22h, aos domingos fecha às 18h, e às sextas e sábados o bar e a pista de dança garantem animação das 21h30 à 1h30. Será uma antecâmara do Lux.

Em breve começarão também a funcionar o Trinca o Sapato – uma zona, no primeiro andar, dedicada a petiscos e refeições leves, onde entram os pregos, bifanas e outras iguarias do chef Hugo Guerra – e o Bica para Levar, que será um balcão de takeaway.

A Bica do Sapato reabriu em Lisboa e promete novidades gastronómicas e culturais
A Bica do Sapato reabriu em Lisboa e promete novidades gastronómicas e culturais Foto: Luís Ferraz

Sobre a cozinha, Francisco Lacerda diz que a filosofia é “comida portuguesa, tradicional, posta de uma maneira moderna ou com algum tipo de twist”, acrescentando que quer que o espaço tenha “criatividade gastronómica”, com uma qualidade de excelência. “Por exemplo, temos um chefe pasteleiro [Joaquim Sousa] que trabalhou na Ladurée [famosa confeitaria francesa de macarons], e creio que aquilo que o convenceu a abraçar este projecto foi ter-lhe perguntado: ‘Mas por que é que cada vez que eu quero ir a uma pastelaria de luxo tem que ser uma marca francesa? Nós em Portugal não sabemos fazer? Não podemos fazer algo assim aqui?’”

E o que é que Francisco Lacerda mais recomenda nesta nova carta da Bica? “Temos vários pratos que me agradam especialmente, mas há um a que acho muita graça e que para mim expressa bem o que é que pode ser a Bica do Sapato, que é a Codorniz piri-piri com chips de batata malaguetas e lima [16 euros]. No fundo, é um prato que se come à mão, tem por base o frango piripiri, mas é uma versão moderna e relaxada, que é o que pretendemos ser.”

O menu de entradas e petiscos é particularmente diversificado (e português!), contando com opções como ostra de Alvor ao natural servido com molho mignonette (3,5 euros por unidade); peixinhos da horta com molho de coentros, couve-roxa e limão (11 euros); pastelinhos de bacalhau com aioli de fígados de bacalhau fumados (12 euros por seis unidades); rissóis de pescada, berbigão e plâncton marinho (7 euros por duas unidades); ou o caril de moelas estufadas, com iogurte grego de hortelã, servido com pão trançado de alho frito e cebolinho (14 euros). No peixe, destaque para o polvo grelhado com batata doce de Aljezur, bimis tostados e jus de salsa (36 euros); o  peixe do dia frito, envolto em chips de batata com pimenta d’espelette e alface do mar, molho gribich (24 euros); e, claro, como não podia deixar de ser, o bacalhau com todos… e mais alguns (37 euros). 

Reabertura da Bica do Sapato em Lisboa marca fim de ano de 2025 com novidades gastronómicas e culturais
Reabertura da Bica do Sapato em Lisboa marca fim de ano de 2025 com novidades gastronómicas e culturais Foto: Luís Ferraz

Já na carne, para além da codorniz piri-piri, não falta o bife à portuguesa (36 euros), sem esquecer os pratos vegetarianos, como o risotto de cogumelos da época (24 euros), ou os pratos para partilhar, como a cataplana de peixes e mariscos (65 euros) ou o chuletão de novilho premium (98 euros). Nas sobremesas, esta jornalista está em posição de garantir que valem muito a pena a torta de Azeitão, mousse de requeijão e gelado de Moscatel (11 euros); bem como o merengue de outono – mousse de chocolate, merengue, molho de baunilha e gelado de baunilha (12 euros) e o mont blanc – creme de castanhas, mousse de nata, merengue e gelado de nata (14 euros).

Do antigo espaço, desapareceram as portadas para a esplanada – o que se perdeu em madeira, ganhou-se em vista panorâmica para o mar da Palha –, mas ficou a icónica chaminé que atravessa os dois pisos do espaço e que reina agora num recanto muito mais acolhedor, rodeada de sofás e cadeirões. Permanece também a vontade de fazer da Bica do Sapato o hub cultural que sempre foi, com exposições de artistas plásticos portugueses, concertos, DJs convidados, sendo que até já organizaram uma angariação de fundos para o Teatro do Vão. 

Daqui para a frente, o futuro da Bica do Sapato será o que os lisboetas (mais do que os turistas) fizerem dele.

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Trabalhou com branding, passou pela moda e encontrou-se no design de interiores. Apaixonou-se por Lisboa há 18 anos e por aqui ficou. Hoje, é uma das mentes criativas que estão a transformar a identidade visual de uma capital de portas abertas para o mundo.

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