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Roteiro e festival. Pelos trilhos do Algarve serrenho

Em pleno coração da serra do Caldeirão, a aldeia do Ameixial recebe este fim de semana a décima edição do Walking Festival Ameixial, uma dos melhores festivais de caminhadas da Europa, que durante três dias, de 28 a 30, vai trazer a esta isolada freguesia mais de mil visitantes, para caminhar, mas também para ouvir música, dançar, comer e especialmente para estar com as pessoas da terra.

Foto: WFA by Vico Ughetto
26 de abril de 2023 | Miguel Judas
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A cerca de 50 quilómetros de Loulé, o Ameixial foi em tempos uma das freguesias mais populosas da serra e é hoje o perfeito exemplo de como o turismo de natureza pode ser uma das soluções para contrariar o isolamento e o abandono. A aldeia começou a ganhar nova vida em 2013, quando ali se realizou a primeira edição do Walking Festival Ameixial, que voltou a destacar a aldeia no mapa. Um dos primeiros do género em Portugal, chegou mesmo a ser eleito um dos melhores festivais de caminhadas da Europa pela revista holandesa de caminhadas Opaad, considerada uma das bíblias desta atividade. Desde então e sempre no último fim de semana de abril, o Ameixial transformou-se numa verdadeira capital das caminhadas, tendo sempre como cenário a imensidão da Serra do Caldeirão. "Os serrenhos, como gostam de ser chamados, não são algarvios nem alentejanos, são um povo como uma identidade própria e é isso pretendemos dar a conhecer aos visitantes, sempre em parceria com as pessoas de cá. Há toda uma riqueza paisagística, arqueológica e social nesta região, que exige algum tempo para se deixar descobrir e caminhar é o melhor modo de o fazer", sustenta João Ministro, da Cooperativa para o Desenvolvimento dos Territórios de Baixa Densidade (QRER), a entidade que organiza o festival. 

Foto: WFA by Vico Ughetto

À volta da aldeia e como consequência do festival, foram criados diversos percursos pedestres, de diferentes distâncias e níveis de dificuldade, que ao longo do ano continuam a atrair visitantes. Um dos percursos pedestres mais bonitos na freguesia do Ameixial é o que tem início no Azinhal dos Mouros, uma pequena aldeia rodeada de sebes de piteira (figos da Índia), por onde, no século XIII, terá entrado D. Paio Peres Correia, vindo do Alentejo, para tomar a região aos mouros – tal como é contado na Crónica da Reconquista do Algarve. O cenário não será hoje muito diferente daquele que foi vislumbrado, há quase oito séculos, pelas hostes lideradas pelo famoso cavaleiro cristão. As pequenas casas, de arquitetura medieval árabe, lá continuam encavalitadas na encosta, com vista para o rio Vascão, que um pouco mais abaixo marca a fronteira com o Alentejo.

O trilho acompanha o curso do Vascão, que um pouco mais abaixo marca a fronteira com o Alentejo. Trata-se do último rio selvagem do Algarve, o único que ainda corre livre, sem barragens no seu curso, ao longo de 70 km, até desaguar no Guadiana, perto de algures entre Alcoutim e Mértola. Um dos objetivos de João Ministro é estabelecer ao longo das suas margens mais uma grande rota pedestre, com ligação à Via Algarviana e à Grande Rota do Guadiana (que liga Vila Real de Santo António a Mértola), criando assim "mais um polo de centralidade, ligado ao turismo de natureza", numa das mais isoladas zonas do interior algarvio. O passeio continua ao longo da margem, acompanhando em seguida a ribeira do Vascanito, antes de começar a subir serra acima, em direção ao lugar de Monte dos Vermelhos, de onde se pode apreciar uma panorâmica serrana de encher a vista. Apesar de pouco elevada – o ponto mais alto, no pico do Caldeirão, tem apenas 589 metros –, a serra do Caldeirão tem um relevo bastante acidentado, devido à densa rede hidrográfica, formada por pequenos ribeiros que, ao longo de milhares de anos, foi esculpindo na rocha estes imensos vales, o que a torna um verdadeiro paraíso para os praticantes de caminhadas

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Foto: WFA by Vico Ughetto

Caminhadas e muito mais

Ao todo e como já é habitual, serão mais de 40 caminhadas durante os três dias de festival, algumas delas especiais, temáticas ou familiares, como as caminhadas geológicas inseridas na temática do aspirante Geoparque Algarvensis, em parceria com os Urban Sketchers ou as que se irão focar na Ribeira do Vascão, para inventariar e desenhar as espécies de fauna e flora deste curso de água, numa colaboração com a Agência Portuguesa de Ambiente.

Haverá também conversas e momentos de partilha oral de experiências e conhecimento, como o que vai logo no primeiro dia, com o Ameixialense Luis Palma, autor do livro Monografia da Freguesia de Ameixial. Além de falar desta região, dos seus aspetos culturais, das suas gentes e de muitas histórias que só mesmo quem é de lá conhece, irá ainda guiar os participantes num pequeno passeio na aldeia. Mas como nem só de caminhar se faz um festival de caminhadas, no dia 29, ao final da tarde e à noite, haverá também música, com um workshop de "Danças de Roda", a cargo da banda BadFolk e um baile animado pelo projeto musical Piajon.

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Como também já é habitual, o programa prevê também algumas iniciativas de valorização do património e do território, estando este prevista a construção de mais um banco em taipa e a recuperação do palheiro na aldeia de Corte D’Ouro. Feitos de pedra e com um teto cónico de colmo, para resistir à humidade, estes palheiros, a fazer lembrar casas pré-históricas, apenas existem aqui, numa região habitada desde o alvor dos tempos, como o atestam monumentos megalíticos como as vizinhas antas do Beringel e da Pedra do Alagar ou a misteriosa escrita do Sudoeste, a primeira forma de escrita da Península Ibérica, aqui criada há cerca de 2500 anos, neste vasto território que se estende entre o Algarve, o Alentejo e a Andaluzia.

Não chegam hoje a uma centena, as estelas onde este alfabeto surge escrito em arco, de baixo para cima e da direita para esquerda, em rochas que se fixavam no solo – a maior parte delas encontradas no concelho de Loulé. Trata-se de uma escrita inspirada no alfabeto fenício e terá surgido ao mesmo tempo que a escrita etrusca e a grega, também elas com a mesma raiz. Mas há ainda outro património serrenho que urge conhecer (e preservar) - o dos sabores. E um dos melhores locais para o fazer é na Casa de Pasto Central da Serra, que durante o festival se transforma numa espécie de refeitório, onde visitantes e locais se costumam aconchegar à volta de pitéus já raros de encontrar, como o cozido de grão ou a galinha guisada, confecionados pela já famosa D. Maria Antónia e servidos em enormes terrinas, para facilitar a partilha por todos. 

Foto: WFA by Vico Ughetto
Foto: WFA by Vico Ughetto

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