O frenesim típico de um terminal intermodal como o de Campanhã, onde todas as linhas se cruzam para testemunhar um sem-fim contínuo de partidas e chegadas, já não surpreende nem assusta nenhum elemento do grupo de jornalistas que se começa a formar junto à rotunda interna da infraestrutura. Cheguemos de Lisboa, de Vila Nova de Gaia ou de aldeias pouco conhecidas do concelho de Santo Tirso, estamos mais do que habituados a descobrir os territórios e as suas gentes a bordo dos comboios, autocarros e metros que por lá passam. O facto não nos impede, porém, de aguardar com certa ansiedade o transporte para o Douro, uma região célebre por viver noutros ritmos, seja o da terra, dos animais, das videiras ou oliveiras.
É com esse espírito que partimos, por volta das 10 da manhã de uma terça-feira bastante soalheira de outubro, rumo ao The Manor House Celeirós – a mais recente aposta do The Fladgate Partnership, que também detém o The Yeatman e o Vintage House. Conduzidos pelo senhor Joaquim, familiarizado com as curvas e contracurvas próprias do trajeto, observamos como o cenário urbano dá lugar aos famosos solos xistosos e às encostas de socalcos que o outono pintou com variações de vermelho, laranja e amarelo. Estes tons vibrantes, em contraste com os verdes que ainda permanecem na vegetação, refletem sobre o rio e recordam-nos que não foi por acaso que a UNESCO classificou, em 2001, o Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial da Humanidade. Distraídos pelas herdades, assim como pelas aldeias históricas, miradouros e trilhos que marcam a paisagem, alcançamos a primeira paragem do dia: a Quinta do Panascal, no vale do Távora.
Enquanto o cabrito assado não sai do forno, Miguel Campos, o diretor de enoturismo, leva-nos numa caminhada pela propriedade com cerca de 70 hectares, que foi adquirida pela Fonseca, uma das mais antigas e emblemáticas casas de vinho do Porto, em 1978. Foi nessa altura que teve início o trabalho de reconstrução das vinhas, que se acredita serem ali cultivadas desde o início do século XIX. Estas estiveram, contudo, abandonadas durante vários anos devido à devastação causada pela filoxera – a doença, originada por um inseto homónimo que se alimenta do suco que extrai das raízes de plantas como as videiras e provoca tumores responsáveis por destruir as cepas –, que arruinou muito do vinhedo duriense entre as décadas de 1860 e 70.
No decorrer do processo de recuperação, as íngremes e inclinadas encostas inferiores foram transformadas em patamares, separados por taludes altos; e as encostas suaves na parte superior foram plantadas em fileiras verticais utilizando a técnica de vinha ao alto. Na vinha do Vale da Régua, criada em 1995, cada fila é plantada com uma única casta. A Touriga Francesa, por exemplo, semeia-se em locais baixos, onde o solo é mais fértil e os seus lançamentos estão protegidos do vento. Já a Tinta Roriz, que exige solos secos em pleno sol, fica no cume. As diferentes elevações permitem produzir “vinhos que combinam fruta rica e poderosa com complexidade aromática”.
Todos os detalhes desta história de resiliência podem ser descobertos através de um audio-tour, acessível em nove idiomas, que guia os visitantes pelo vinhal, bem como pelos lagares e cubas de madeira, no piso térreo da casa, onde as uvas são pisadas e o vinho do Porto fica a repousar. O passeio termina com uma prova comentada à escolha dos participantes (15 a 60 euros por pessoa). Degustações de queijos e enchidos e rituais de abertura de vinho do Porto Vintage a fogo são outras iniciativas à disposição para tirar o máximo partido da visita.
Mediante reserva, é igualmente possível explorar os sabores tradicionais da cozinha local. Estes ganham forma através das mãos experientes da dona Mila e de Lúcia, que há muito tratam os produtos da região por tu. Embora o cabrito assado seja a especialidade da casa, a carta inclui ainda pratos como o cozido à portuguesa, o lombo de porco com laranja, o polvo à lagareiro, o bacalhau assado com batata a murro e a feijoada de legumes. A nível de entradas, há caldo verde, bolinhos de bacalhau e batatas fritas à inglesa. Nas sobremesas, brilham opções como o leite-creme queimado, a tarte de laranja, a mousse de chocolate com amêndoa do Douro, o bolo borrachão e o manjar branco do Douro, uma mistura de natas, gelatina e puré de morango. Os preços do menu (entrada, prato principal, sobremesa e suplemento de bebidas) variam entre os 48 e os 64 euros por pessoa. Para grupos com 30 ou mais elementos, dispõem de serviço de buffet com pratos quentes e frios, sobremesas e uma seleção de bebidas com e sem álcool (a partir de 48 euros).
O encanto à antiga do The Manor House Celeirós
Com as baterias recarregadas, é hora de voltar à estrada. O destino fica a cerca de 30 minutos de distância, em Celeirós, que desde 1756 se destaca por produzir um vinho generoso de excelência. Nesta aldeia do concelho de Sabrosa – com um ambiente tranquilo e perspetivas panorâmicas sobre o vale do rio Pinhão que convidam à contemplação –, várias casas senhoriais de grande valor arquitetónico, a Igreja Matriz e a Capela de S. Francisco, datada do século XVIII, ajudam a compor o cenário. Um dos principais atrativos, porém, é a antiga Quinta do Portal, que reabriu em maio com uma nova leveza e luminosidade. Também o nome, The Manor House Celeirós, representa uma novidade, apesar de se tratar de um regresso às raízes, já que desde o século XIX até ao final da década de 90, a propriedade centenária – famosa pelos seus vinhos do Porto, moscatéis e produção de azeites – sempre foi conhecida como Quinta Casal de Celeirós.
Antes da reabertura, os edifícios da herdade, adquirida em 2024 pelo The Fladgate Partnership, foram alvos de uma renovação profunda, mas cuidada, que permitiu modernizá-los sem abdicar do charme rural que os torna únicos. Paulo Santos, diretor de turismo do grupo, conta-nos que se deparou com um “ambiente pesado e austero” quando entrou na casa principal pela primeira vez. “Faltava-lhe luz, leveza, espaço para respirar e um toque de atualidade. Foi isso que lhe demos”, completa. A antiga construção de apoio à atividade agrícola ganhou assim paredes com tons mais claros, disse adeus ao mobiliário que não lhe acrescentava valor, amenizou a decoração e deixou em evidência as amplas janelas com vista para a piscina exterior, rodeada por vinha. “Com esta paisagem à frente, não precisamos de ter muito aqui dentro”, conclui Paulo.
Adjacente a este edifício com 12 quartos, fica a Casa do Lagar, que passou de quatro a sete habitações (a partir de 180 euros por noite). Entre elas, destaca-se a suíte com sala de estar independente e kitchenette. A ligar os dois imóveis está o design de interiores, que criou uma atmosfera acolhedora e rica em detalhes, capaz de evocar as antigas atividades ligadas ao lagar sem abdicar da sensação constante de conforto.
Uma cozinha duriense autêntica como bandeira
O Casa das Pipas Restaurant, perto de uma das entradas da propriedade, é o sítio ideal para quem procura um almoço ou jantar descontraído, mas elegante. Seja hóspede ou não, é sempre bem-vindo pela equipa liderada por Milton Ferreira, que também assina a proposta gastronómica do Vintage House. “A minha cozinha é uma fusão de tradição e inovação, em que cada prato reflete a identidade do Douro com simplicidade, sabor e autenticidade”, resume o chef nascido em Lisboa e criado no Douro, que nos recebe com uma ementa especial composta por ovo a baixa temperatura, pregado com texturas de couve-flor e panacotta de baunilha.
Aos 35 anos, o profissional que se inspira pelos sabores tradicionais e pelas memórias familiares à mesa, bem como pelas suas viagens – já estagiou nos Estados Unidos, Canadá, China e Espanha –, nunca deixa, contudo, de regressar a casa. “Sempre acreditei nesta região e que temos um potencial enorme para crescer”, afirma. Em Portugal, trabalhou no The Yeatman e no Vista.
Diariamente, há dois menus de degustação disponíveis, desenhados em função da época. O Identidade do Chef partilha, através de oito momentos, as histórias que marcam o trajeto profissional de Milton (100 ou 130 euros com harmonização vínica). O Memória Sensorial, com cinco momentos, é composto por saudações do chef, entrada, prato de carne, peixe e sobremesa (60 ou 85 euros com harmonização vínica).
Um centro de visitas em construção
Depois de uma noite bem dormida e com o pequeno-almoço tomado, vamos até ao centro de visitas, pensado para quem quer saber mais sobre a história, as castas, o terroir e os processos de vinificação levados a cabo na quinta. Ainda há trabalho a fazer, mas Paulo Santos adianta que as obras já permitiram construir uma nova sala para provas (a partir de 16 euros por pessoa) no piso superior. Futuramente, o lagar de granito e a prensa de ferro que estavam na casa principal vão migrar para aqui e ajudar a contar como se fazia o azeite.
Se é verdade que o senhor Joaquim já aguarda para nos levar a outras paragens, também o é que aqueles cujo relógio parece continuar a funcionar noutro ritmo se podem perder entre passeios pedestres, de barco ou de bicicleta, percursos BTT e piqueniques.
Quinta do Panascal
Onde? Foz do Rio Távora, 5120-496 Valença do Douro Quando? Todos os dias, das 10h00 às 18h30 Reservas? 220 133 102 / 932 000 209 / visit.panascal@fonseca.pt
The Manor House Celeirós
Onde? Estrada Nacional 323, 5060-020 Celeirós Quando? Restaurante – todos os dias, das 12h30 às 15h e das 19h30 às 22h; Centro de visitas – todos os dias, das 10h às 17h30 Reservas? Alojamento — 259 937 000 / 968 120 127 / reception@manorhousedouro.com Restaurante – 96 812 0127 / restaurant@casa-das-pipas.com